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Ela chutava bonecas na periferia e hoje sonha com volta por cima da seleção

Roberta Nina

27/05/2019 07h58

 

Andressa Alves, a primeira brasileira a jogar pelo Barcelona (Foto: Fifa.com)

"Quem diria que aquela menina do bairro de Parada de Taipas, São Paulo, iria chegar a uma final de Champions League?" Essa frase ilustra o post que Andressa Alves – a primeira jogadora brasileira a atuar no Barcelona -, fez em seu Instagram depois que a equipe catalã perdeu o título mais importante da Europa para o Lyon, por 4×1.

O time francês é a maior potência do futebol feminino e este ano foi tetracampeão consecutivo da Champions League, totalizando seis conquistas. "Não dava, né? A gente foi para final acreditando, mas sabíamos que era muito difícil ganhar do Lyon", afirmou Andressa às dibradoras durante a gravação de uma campanha em que estrelará nos próximos dias.

Mesmo com toda superioridade do Lyon durante os 90 minutos do jogo final que aconteceu em Budapeste, é de se comemorar o feito alcançado pelas mulheres do Barcelona. A equipe que se tornou profissional em apenas três anos e em pouquíssimo tempo chegou à final do maior torneio do continente. 

"O que nos confortou foi o staff e o presidente que disse estar muito feliz por termos chegado a uma final, que era uma vitória, que estávamos de parabéns e que iríamos voltar para a próxima temporada mais fortes do que essa", completou.

Andressa Alves tem apenas 26 anos e depois de ter arrancado as cabeças de suas bonecas para jogar bola, deu seus primeiros dribles em uma escolinha de futebol em Taipas, bairro periférico de São Paulo. Em 2010, aos 17 anos chegou ao Juventus (SP), onde treinou por três anos. Depois disso, atuou por outros clubes do país, como Foz Cataratas, Centro Olímpico, Ferroviária e São José, onde foi campeã mundial no Japão defendendo o clube do Vale do Paraíba.

Com uma rápida passagem pelos Estados Unidos e pelo Montpellier da França, ela chegou ao Barcelona em 2016. A equipe estava se tornando profissional e assim como clube, Andressa cresceu na modalidade. Vivendo na Catalunha, a atleta já fala muito bem a língua espanhola e tem uma nova mentalidade de jogo, entendendo principalmente o rodízio imposto pela comissão técnica ao elenco. "Isso acontece até no masculino e eu tive que acostumar. Cabeça de jogador brasileiro quer jogar sempre e na primeira temporada você fica meio brava, mas depois vai entendendo porque aqui 'roda' todo mundo", contou.

E não tem como não "rodar" fazendo parte de um elenco repleto de estrelas e, segundo Andressa, nos últimos dois anos, o rodízio foi maior ainda. A brasileira disputou posição com algumas das melhores atacantes do cenário feminino, mas revelou que a briga pela titularidade sempre foi saudável e respeitosa entre elas. "Com a Mariona (espanhola) e a Toni Duggan (inglesa) eu me dou muito bem. Não falo nada de inglês, mas a gente se entende. A Alexia (espanhola) e a Lieke (holandesa) também. Sempre estamos brincando e é um clima muito bom". Todas as jogadoras citadas por Andressa são titulares nas seleções de seus países.

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Vivendo grande fase no clube europeu, Andressa faz parte de um seleto grupo de brasileiras que tiveram a oportunidade de disputar uma final de Champions League, como Formiga, Marta, Cristiane e Rosana. "Só as tops, né? Chegar lá com o Barcelona então, que nunca havia chegado, é mais histórico ainda. Por isso que eu fiz aquele post, falando da menininha que jogava bola na rua e que sonhava em chegar numa final de Champions League", afirmou ao blog.

Futebol feminino na Europa

Defendendo o Barça há três anos e com o contrato prestes a vencer com o clube catalão, Andressa faz uma relação entre a paixão do brasileiro e a do espanhol por seus clubes e pelo próprio futebol, mas revela que no velho continente o apoio dado às mulheres têm feito toda a diferença para a popularização da modalidade.

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"Na Europa em si o futebol feminino chama mais a atenção, né? Tem esse apoio da mídia, dos torcedores irem ao estádio, não só em jogos do Barça e Atlético de Madri, mas em outros jogos tinha muitas pessoas acompanhando. E é parecido porque lá o futebol masculino é muito forte, é a mesma coisa que aqui no Brasil, só que em três anos que estou jogando lá foi uma mudança muito brusca que ainda não vejo aqui", comparou.

Seleção espanhola: campeão mundial sub-17 (Foto: FIFA/Getty Images)

Além do crescente apoio aos clubes, a seleção espanhola tem se destacado vertiginosamente na modalidade. As equipes de base estão se fortalecendo e a nova geração já coleciona bons resultados: foram campeãs mundiais sub-17 e vice-campeãs no Mundial Sub-20, em dezembro e agosto do ano passado, respectivamente. 

Desde que o Ranking da Fifa foi criado, em 2003, a equipe espanhola apresentou constante crescimento a partir de 2010 e hoje ocupa a 13ª posição. Acompanhando essa mudança de perto, Andressa considera que o país chega bem cotado para a Copa do Mundo na França. "Lá o futebol feminino está muito forte porque a Espanha vive uma ascensão. Eles tem apoiado bastante o futebol feminino e a seleção espanhola também. Elas vêm jogando muito bem e, pra mim, falta uma coisa ou outra, mas é uma das seleções que podem surpreender na Copa.

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Andressa do Brasil

Ela chegou a ser capitã quando fazia parte do elenco sub-20 da seleção brasileira. Na base, começou a jogar como lateral-esquerda, mas por conta de seu poder ofensivo, foi chegando cada vez mais perto do ataque. É uma atleta versátil, apesar de se sentir mais confortável atuando como meia ou atacante.

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Mesmo com pouca idade, não é uma novata na equipe brasileira. Já disputou já disputou Copa do Mundo (2015), Jogos Olímpicos (2016), Jogos Pan-Americanos (2015) e duas edições de Copa América (2014 e 2018).

(Foto: Getty Images)

Ganhando experiência dentro e fora de campo,  é uma das jogadoras que mais se posiciona quando o assunto é seleção brasileira. Em 2017, ao lado de outras atletas brasileiras, Andressa foi a favor da permanência de Emily Lima no cargo de treinadora e atualmente fala sem amarras sobre a sequência de derrotas da equipe. "Pra mim é o pior momento que a gente passou, mas agora temos que esquecer. Coloca tudo pra trás, se concentra e vamos para a Copa", declarou.

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Prestes a jogar seu segundo mundial, a atacante sabe que o futebol feminino vive seu melhor momento dentro do país e, com isso, a responsabilidade por mostrar um bom futebol na França cresceu ainda mais. "A expectativa é grande e a responsabilidade maior ainda. Vai ser uma grande Copa, com tevê aberta transmitindo e no Brasil precisa mostrar resultado. Sabemos que se a gente for mal na Copa, o futebol feminino pode se afundar de vez por aqui. Pelo menos eu tenho essa consciência de que a gente tem uma responsabilidade muito grande de carregar o futebol feminino."

A última vitória do Brasil foi contra o Japão no Torneio das Nações, em julho de 2018 (Foto: Reprodução/CBF)

Transparente e "rabuja", como ela mesma definiu, Andressa não escondeu a insatisfação após as derrotas nos últimos amistosos contra Espanha (2×1) e Escócia (1×0). Perto de estrear no Mundial, Andressa entende que somente a vitória pode embalar o time durante a competição. "É difícil e os resultados não foram bons, mas na Copa do Mundo acontece de tudo. Você vai ganhando confiança, um jogo depois do outro, e pode surpreender", revelou.

"Perder é horrível, ainda mais nove partidas seguidas. Você fica sem confiança, parece que desaprendeu a jogar e nada dá certo. Acho que o primeiro jogo vai ser muito bom, a gente tem que fazer um bom jogo pra voltar aquela confiança e para as pessoas falarem 'é, o Brasil não está morto", porque tá todo mundo achando que o Brasil tá morto e a gente sabe que não é assim, tem jogadora que faz a diferença", concluiu.

O Brasil estreia na competição no dia 09 de junho, contra a Jamaica, em Grenoble. E Andressa vai assim, rodando o mundo com a bola nos pés, mas sempre lembrando de suas raízes. "Aqui é maloqueira", concluiu a jogadora. 

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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