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Rapinoe é a melhor do mundo e fez o discurso que a Fifa precisava ouvir

Renata Mendonça

23/09/2019 17h28

Foto: Getty Images

Megan Rapinoe foi eleita a melhor jogadora do mundo em 2019 e se tornou, nesta segunda-feira, a décima mulher a receber o prêmio, que existe na "versão feminina" desde 2001. A americana, que já havia sido a melhor jogadora da Copa do Mundo e a artilheira da competição, coroa o ano com o maior reconhecimento que poderia ter da entidade que tanto critica.

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Não havia como ser diferente. A inglesa Lucy Bronze também fez uma temporada incrível, sendo uma das principais jogadoras nas conquistas do Lyon neste ano e também uma das líderes da Inglaterra na campanha até o quarto lugar na Copa do Mundo, mas ninguém chegou perto de ser tão decisiva como foi Rapinoe. Como já é de praxe, a Fifa costuma dar mais peso ao desempenho das atletas durante o Mundial  – afinal de contas, é o principal evento do futebol feminino no mundo, com as seleções mais fortes do planeta e que só acontece de 4 em 4 anos -, e na França, Rapinoe foi absoluta.

Ela não só foi a artilheira, como fez cinco dos seus seis gols em jogos decisivos para os Estados Unidos. Dois contra a Espanha, dois contra a França e um na grande final, contra a Holanda. Para completar, ainda deu três assistências e criou pelo menos 20 chances nos cinco jogos que disputou durante a Copa do Mundo.

Megan Rapinoe, capitã da seleção norte-americana (Foto: Getty)

Entre as outras indicadas, Bronze fez um gol, deu duas assistências e criou nove chances, e Morgan fez seis gols, deu três assistências e criou quatro chances. Com menos tempo do que suas concorrentes em campo ao longo do Mundial, Rapinoe fez mais e foi decisiva para a conquista do bicampeonato para os Estados Unidos.

Aos 34 anos, ela recebe a maior premiação do futebol e, no palco de Milão, aproveita os holofotes para dar voz ao que realmente importa. É isso que faz de Megan Rapinoe uma atleta tão diferenciada. Porque ela não só é craque dentro de campo, como fora dele usa a visibilidade que tem para lutar por igualdade.

"Tem sido um ano incrível para o futebol feminino. Para aqueles que só estão notando agora esse potencial, tudo bem. Vocês estão um pouco atrasados, mas nós perdoamos. Só está começando". Rapinoe começou assim o seu discurso, já alfinetando a Fifa e tantas federações por terem demorado tanto para perceber o potencial do futebol feminino. Depois, pediu a todos da sala para endossarem as lutas contra racismo, homofobia e pela igualdade de gênero no esporte.

"Se realmente queremos mudanças significativas, precisamos de todo mundo se posicionando contra o racismo, contra a homofobia, pela igualdade de pagamentos. Peço a todos para emprestarem a plataforma de vocês para levantar outras pessoas. Compartilhem o sucesso de vocês. Nós temos uma oportunidade única de usar esse jogo tão lindo para mudar o mundo para melhor. Façam alguma coisa. Qualquer coisa. É isso que eu peço para todos. Temos um poder incrível nessa sala."

Críticas à Fifa

É simbólico que a Fifa tenha se rendido ao talento de Rapinoe em um ano em que viu seu maior evento de futebol feminino terminar com o grito da arquibancada em uníssono pedindo pagamentos iguais ("equal pay, equal pay"). A atacante americana aproveitou a ocasião e reforçou o recado à entidade na coletiva após o bicampeonato dos Estados Unidos.

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"Todo mundo está se perguntando qual será o próximo passo. Todo mundo está cansado da conversa de que 'será que valemos o investimento?' ou 'o mercado não é o mesmo' e bla bla bla. Todos estão cansados disso, é hora de darmos o próximo passo. Como apoiar as federações para ter mais investimento para as mulheres ao redor do mundo? Como a Fifa pode fazer isso? Como apoiar as ligas femininas em todos os países?", questionou a jogadora.

Foto: Reuters

"Nós, como jogadoras, estamos dando nosso máximo para colocar aqui o melhor espetáculo possível. Nós não podemos fazer ser melhores embaixadoras do futebol feminino do que já somos. Está na hora de dar o próximo passo. E um pouco de vergonha pública não machuca ninguém, né?", alfinetou ela, sobre as vaias que o presidente da Fifa, Giani Infantino, recebeu no estádio da final do Mundial feminino.

Não foi só isso. Antes mesmo da decisão, Rapinoe já havia criticado a Fifa por deixar acontecer três finais importantes em países diferentes no mesmo dia da final da Copa feminina – a Copa América e o torneio da Concacaf terminaram no mesmo dia. "Não sei como a Fifa permitiu isso. Ouvi que eles simplesmente não pensaram no problema, o que é inacreditável. São coisas como essa que mostram que não recebemos o mesmo nível de respeito. Não sentimos o mesmo respeito que os homens por parte da Fifa. É uma Copa do Mundo, cancelem todo o resto!", afirmou.

Por essas e outras que a importância de Rapinoe vai muito além do que ela faz dentro das quatro linhas. É raro ver atletas que tenham essa coragem de se posicionar em público e que não se calem diante de injustiças provocadas por quem comanda o esporte. Foi assim durante a Copa inteira, a cada entrevista coletiva, a americana mandava seu recado aos donos do evento. "A Fifa está organizando uma Copa no Catar, não há nada que ela não possa fazer", foi uma de suas frases que arrancou risos dos jornalistas na resposta sobre o que ela achava a respeito da diferença de valores nas premiações da Copa masculina e da Copa feminina.

Foto: Reuters

"Se você realmente se importasse, você deixaria essa diferença aumentar? Você colocaria três finais para acontecer no mesmo dia? Não. É isso que quero dizer sobre o nível de importância. Você precisa dar atenção aos detalhes para fazer o jogo das mulheres crescer todos os dias", afirmou.

Representatividade

Como já dissemos aqui, a temporada de Rapinoe é indiscutível considerando a Copa do Mundo, e foi isso que a levou a conquistar o prêmio de melhor do mundo. Além de dois títulos mundiais, a americana ainda coleciona um ouro olímpico, dois títulos da Liga Americana de futebol feminino, um título francês, um da Copa da França, um vice na Champions League, entre outras conquistas. E é pelo desempenho esportivo que ela mereceu ter sua carreira coroada com um troféu de melhor do mundo da Fifa.

 

Mas não dá para falar de Megan Rapinoe sem entrar no mérito de tudo o que ela representa para o esporte. A atleta liderou 28 jogadoras da seleção americana a processar a US Soccer por igualdade de condições de trabalho com relação à seleção masculina. Ela apoiou o protesto de atletas negros, como o quarterback Colin Kaepernick, ao ajoelhar-se durante a execução do hino em jogos dos Estados Unidos. Aliás, ela deixou de cantar o hino justamente em protesto contra Donald Trump e seu desrespeito às minorias.

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A jogadora que dá voz à luta contra a homofobia e reforçou esse discurso durante a Copa, após a vitória diante da França nas quartas-de-final, comemorada no dia do orgulho LGBT. "Você não pode ganhar um campeonato sem gays no seu time. Isso jamais foi feito antes na história, nunca. Isso aí é ciência pura!", brincou e terminou com "Go gays!".

Rapinoe namora Sue Bird, estrela do basquete americano (Foto: Reprodução Instagram)

Rapinoe não merecia esse prêmio apenas pela história que ela construiu no futebol, mas também pelo que ela representa para o esporte. É importante demais ver uma mulher lésbica, ativista LGBT, que tem coragem de falar o que precisa ser falado e que empresta sua imagem para causas tão relevantes na sociedade subindo num palco para levantar o troféu de melhor do mundo. O reconhecimento aos feitos de Megan Rapinoe não é só justo, como é também necessário.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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