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A lição da seleção feminina dos EUA na luta das mulheres por igualdade

Renata Mendonça

08/03/2019 14h39

As americanas conquistaram o terceiro título mundial em 2015, no Canadá (Foto: Reprodução)

Às vésperas do início da Copa do Mundo de futebol feminino, a seleção americana de futebol feminino decidiu entrar na Justiça contra a US Soccer (Federação Americana de Futebol) alegando discriminação por gênero na instituição. As 28 jogadoras integrantes da equipe nacional dos Estados Unidos – que são tricampeãs mundiais e tetracampeãs olímpicas – fazem parte da ação que está sendo movida no Tribunal americano.

O processo fala em "anos de discriminação institucionalizada de gênero". Segundo as atletas, são atitudes que não só afetaram os ganhos financeiros delas na seleção (em comparação com a seleção masculina), mas também os lugares onde jogavam, onde treinavam, o tratamento médico, os técnicos que tinham e até a forma como viajavam para os jogos.

Essa não é a primeira vez que as atletas se unem para protestar contra essa diferença de tratamento nos Estados Unidos. Aconteceu antes em 2016, às vésperas da Olimpíada do Rio de Janeiro, quando cinco das principais jogadoras da seleção americana fizeram uma reclamação formal à Comissão De Igualdade de Oportunidades de Trabalho nos Estados Unidos exigindo "direitos iguais". Três anos depois, elas agora levam o caso à Justiça americana junto com todas as jogadoras da seleção porque pouca coisa foi feita sobre aquelas antigas reivindicações.

Segundo o jornal The New York Times, as jogadoras da seleção atual estão representando todas as que já vestiram a camisa da seleção americana desde fevereiro de 2015, e a principal reivindicação é pelos pagamentos igualitários e também por premiações mais justas. A US Soccer, por enquanto, ainda não se manifestou sobre o caso.

A americana Lloyd marcou um golaço do meio de campo na final de 2015 contra as japonesas (Foto: Elaine Thompson/ AP Photo)

A reclamação das mulheres passa pelo fato de que elas jogam muito mais jogos do que os homens, elas ganham mais partidas (e títulos) do que eles, e ainda assim recebem muito menos pelo trabalho na seleção.

As primeiras reivindicações de 2016 tiveram alguns dos principais nomes do esporte americano participando do processo, como Hope Solo, Megan Rapinoe, Abby Wambach, Carli Lloyd entre outras. E não é que tenha sido tudo em vão até aqui. Por conta disso, a seleção feminina nunca mais jogou em gramado sintético desde 2017. Elas também têm uma comissão que participa de reuniões periódicas com a US Soccer na hora de definir jogos e viagens para prezarem pelas condições das atletas nessas partidas (uma logística de viagem mais confortável).

"Eu estou nesse time há uma década e meia e eu estive em diversas negociações sobre salários e, sinceramente, quase nada mudou desde então", afirmou a goleira Hope Solo à época. "Nós continuamos ouvindo que deveríamos ser gratas só por ter a oportunidade de jogar futebol profissional e sermos pagas por isso."

"Hoje é sobre igualdade. É sobre direitos iguais. É sobre pagamentos iguais. Nós estamos pressionando para isso. Nós acreditamos que a hora é agora, porque acreditamos que é nossa responsabilidade fazer isso pelos esportes femininos e especialmente pelo futebol feminino. É nosso dever exigir direitos iguais. E é nosso direito ser tratada com respeito."

Na US Soccer, existem acordos distintos de pagamentos feitos com cada seleção, feminina e masculina. E é preciso levar em consideração as diferenças de contexto do futebol feminino e do futebol masculino – por exemplo, a verba da Fifa destinada às 32 equipes da Copa na Rússia foi de US$ 400 milhões, enquanto na Copa deste ano na França será de US$ 30 milhões para as 24 seleções participantes.

As americanas são campeãs de tudo no futebol feminino (Foto: Getty)

Só que tem o contexto do futebol nos Estados Unidos, que também precisa ser levado em consideração. Por lá, está mais do que comprovado que futebol é coisa de mulher. Foram elas que conquistaram TRÊS títulos mundiais, mais do que qualquer outra seleção do mundo. Elas têm QUATRO ouros olímpicos e lideram o ranking da Fifa, enquanto a seleção masculina sequer chegou perto de conquistar qualquer um desses títulos e figura na 30ª posição entre seleções na Fifa. São elas que lotam os estádios e vendem camisas.

Mais do que tudo isso, no protesto feito em 2016, as jogadoras americanas ainda mencionaram que o próprio lucro que elas geravam para a US Soccer era maior do que o gerado pela seleção masculina. Um total de US$ 20 milhões a mais, como elas citaram, usando os números de 2015. E na época, elas ainda ganhavam quatro vezes menos do que os jogadores pelos amistosos que faziam e pelas vezes que serviam a seleção.

Ainda não se sabe o que vai acontecer, mas o que é mais marcante dessa atitude é o fato de todas as jogadoras terem se unido para reivindicar seus direitos. De todas as conquistas que as mulheres tiveram no esporte ou fora dele, nada veio de mão beijada, concedido. Foi tudo fruto de muita luta, ousadia, coragem e insistência por parte delas. Uma seleção inteira unida pode ter voz e ter vez; é a união dessas 28 jogadoras que fortalece a voz de cada uma delas no grito por igualdade. Num dia tão simbólico como esse 8 de março, é motivo de orgulho ver que as mulheres de hoje não se calarão mais.

Que nunca mais aceitemos menos do que o justo, do que o respeito que merecemos. Seja em uma seleção de futebol ou no nosso dia a dia, que tenhamos sempre a consciência: juntas, somos mais fortes.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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