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Formiga, o gênio que o futebol se esquece de reconhecer vai para 7ª Copa

Renata Mendonça

11/02/2019 07h35

Foto: CBF

Tudo começou, por incrível que pareça, com uma boneca. Miraíldes Maciel Mota, que hoje é carinhosamente chamada de Formiga, cresceu como a única menina em meio aos cinco filhos de sua mãe viúva e, aos 7 anos de idade, invejou a bola presenteada ao irmão. A ela restava sempre a boneca, então não lhe restou alternativa senão arrancar a cabeça do brinquedo para poder ter algo redondo para chutar de vez em quando.

Essa menina que começou no futebol fugindo dos próprios irmãos, que não permitiam que ela jogasse de jeito algum, está prestes a se tornar recordista absoluta do esporte. Daqui 4 meses, ela estará na França para disputar sua sétima Copa do Mundo aos 41 anos de idade. São 24 anos de seleção brasileira, ninguém vestiu a camisa amarela mais vezes do que ela (entre homens e mulheres). Uma jogadora a quem se convencionou chamar de "fenômeno", "mito" ou "de outro planeta", já que não há qualquer outra definição que explique o nível do futebol que essa meio-campista ainda apresenta em campo.

"A maior injustiça que o futebol já teve é a Formiga nunca ter ganhado um prêmio da Fifa de melhor jogadora do mundo". Essas são as palavras de Sissi, outro ícone do futebol brasileiro sobre a falta de reconhecimento para uma atleta do nível de Formiga. Não é só pelo fato de ela estar chegando ao seu sétimo Mundial – feito que até para jornalistas é difícil de conquistar, que dirá para um atleta -, mas principalmente pela versatilidade dela em campo. Há quem diga que Formiga poderia jogar em absolutamente todas as posições do futebol, tamanha é a aplicação tática dela e o entendimento sobre o jogo.

Foto: Getty Images

"Ela é a jogadora mais inteligente que já treinei, entre homens e mulheres. Ela sabe a hora de ir para cima, a hora de segurar, ela é completa. Formiga é praticamente uma treinadora dentro de campo, ela tem uma visão tão boa do jogo que consegue ali na hora perceber os erros e ir corrigindo com as outras jogadoras", pontuou René Simões, técnico da seleção brasileira na histórica medalha de prata  na Olimpíada de 2004.

A posição original de Formiga é volante. Só que, pela sua qualidade de passe e inteligência nas infiltrações, a jogadora já chegou a atuar como meia mais adiantada. E a verdade é que ela se faz presente em todos os setores do campo. Incansável na defesa, ela faz a proteção necessária para que as estrelas de Marta e companhia possam brilhar – assim como já fez brilhar a de Sissi no passado.

Foto: Arquivo Pessoal

"A Formiga fez meu trabalho se tornar tão fácil…quando precisava contar com a Formiga, ela estava lá. Uma jogadora especial que, infelizmente, as pessoas não prestavam atenção. Acho a maior injustiça do futebol o fato de ela nunca ter ganhado o prêmio de melhor do mundo. Uma jogadora que não faz muitos gols, mas era eficiente e consistente. Tem jogadoras que vão perdendo o rendimento. A Formiga, a consistência dela é algo impressionante, ela não tem aqueles altos e baixos. E até hoje, aos 40 anos, se mantém assim", disse a ex-camisa 10 da seleção brasileira.

24 anos de seleção

Para se ter ideia do nível de importância de Formiga para o futebol brasileiro, basicamente não existe quase nenhuma jogadora que tenha passado pela seleção brasileira e não tenha jogado com ela. São 31 anos desde que a primeira seleção foi formada e 24 anos desde que Formiga vestiu a amarelinha pela primeira vez, aos 16 anos de idade. A Fifa criou a Copa do Mundo de Futebol Feminino oficialmente em 1991, a única que a meio-campista não disputou.

De lá para cá, 1995, 1999, 2003, 2007, 2011, 2015 e agora 2019: todos os Mundiais tiveram a presença de Formiga, que inclusive ganhou o apelido por se multiplicar em campo, por ser incansável, características que mantém até hoje e que darão a ela dois recordes na Copa do Mundo da França – será a jogadora mais velha a disputar um Mundial (41 anos e ainda titular), e a que mais edições do torneio disputou (entre homens e mulheres).

É realmente impensável um atleta de alto rendimento conseguir se manter em forma e em altíssimo nível por 24 anos de carreira. Na seleção brasileira, ela está entre as primeiras do ranking de atletas com melhores índices no preparo físico. Hoje, ela é o maior exemplo que as mais novas têm para se inspirar dentro e fora de campo.

"A gente tem que cuidar. Com esse objetivo de chegar a mais um Mundial, eu não posso relaxar em momento algum, então mesmo às vezes estando de férias eu procuro estar treinando. É bem regrado, bem preparado. Mas o principal é lá dentro, não economizo. Então se eu der 100% no treino, pode ter certeza que vou dar 100% no jogo", afirmou a jogadora às dibradoras.

Foto: CBF

Esse, aliás, foi um dos maiores elogios que todos que já jogaram ou treinaram Formiga disseram dela. Uma atleta que gosta de treinar, que se dedica ao máximo na preparação e, consequentemente, se doa 150% no campo durante os jogos.

"A Formiga é bizarra. Não dá nem para fazer a brincadeira dos 10 anos com ela porque é a mesma cara, é o mesmo corpo, não tem nem graça com a Formiga. Ela é de outro planeta. É uma jogadora que está correndo mais que todo mundo de 20 anos. Serenidade no olhar que parece que a gente vai envelhecendo e ela parou no tempo", observou Cristiane, uma das veteranas desta seleção que joga há pelos 15 anos com Formiga.

Referência

Se dentro de campo a meio-campista tem essa liderança para comandar as jogadoras, fora ela é também a líder das brincadeiras. Mesmo com aquela carinha de tímida, silenciosa no início, mas quando se solta, Formiga se torna a mais brincalhona do grupo e diverte quem está ao redor.

É aquela que arma de colocar a jogadora mais baixa no bagageiro do ônibus, como contou Sissi, a que cria os apelidos mais doidos, que combina de esconder as coisas do treinador, como fazia com Zé Duarte no passado, enfim, a que ganha as jogadoras pela dedicação dentro das quatro linhas e pela diversão fora delas.

Foto: Arquivo Pessoal

"A Fu é sensacional, conviver com ela é um privilégio, pela dedicação que ela tem. Chego no treino, vejo a Formiga ali correndo mais que todo mundo…essa mulher é de outro mundo. Ela é brincalhona, faz a gente sorrir sempre. Tenho que desfrutar muito tudo o que ela passa para nós", disse Ludmilla, jovem atacante da seleção.

A questão com Formiga é que, apesar dos mais de 160 jogos com a camisa da seleção (superando Cafu como a jogadora que mais vezes vestiu esse uniforme), apesar dos 24 anos de dedicação incomparável dentro de campo, apesar de ser essa jogadora inteligente, completa, que organiza a defesa e o ataque do meio-campo, ela não é tão conhecida e reconhecida no futebol. Ao menos não tanto quanto merece.

Foto: CBF

"Sem dúvida nenhuma uma das maiores jogadoras da história do futebol mundial entre mulheres e homens. Para quem treinou, jogou, conviveu com a Formiga, sabe o quanto faltou esse reconhecimento individual nas competições que ela disputou. Acho que isso é uma grande injustiça pelo futebol que ela apresenta. Uma das maiores lendas do futebol mundial, uma honra para mim poder ter jogado com ela por tantos anos", observou a ex-capitã do Brasil, Aline Pellegrino.

Foto: Fifa

"O jeito de ela liderar era diferente. O jeito que ela mostrava a liderança dela era tranquila, o mundo poderia estar se acabando, mas parecia que nada a afetava. O povo tem que apreciar esse tempo que ela está jogando. Porque ninguém vai chegar a essa marca dela. Chegar com méritos. Desde que ela começou até hoje, ela deixa um legado incomparável. Ninguém vai conseguir substituir ou chegar perto do que ela fez até hoje", disse aquela que foi uma das maiores de todos os tempos também, Sissi.

Está aí mais um motivo para ligar a televisão no dia 7 de junho e só voltar a desligá-la no dia 7 de julho, quando acaba a Copa do Mundo, para poder aproveitar cada segundo de Formiga em campo. Afinal de contas, infelizmente, esse privilégio nosso de poder assistir seu futebol na seleção brasileira está chegando ao fim.

Clubes onde jogou:

1993-1997: São Paulo

1998: Portuguesa

1999: São Paulo

2000-2001: Santa Isabel

2002: Santos

2004-2005: FC Rosengard

2006: New Jersey Wildcats

2007: Jersey Sky Blue

2007: Saad

2008: Botucatu

2009: FC Gold Pride

2010: Chicago Red Stars

2010-2016: São José

2016: São Francisco

2017 até hoje: Paris Saint-Germain

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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