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As lições que o futebol me ensinou em 2018

Renata Mendonça

31/12/2018 12h20

Foto: Divulgação SPFC

A gente vive ouvindo e repetindo aquela famosa frase "não é só futebol", mas nesses tempos de final de ano, parei para resgatar os momentos de 2018 em que esse jogo apaixonante realmente me ensinou algo. Convido vocês a fazerem o mesmo, porque por mais que o futebol me faça sofrer (afinal, as derrotas serão sempre mais numerosas que as vitórias), ele me mostra nas lições que me dá todos os dias o quanto vale a pena insistir nisso.

Vamos começar essa retrospectiva com o primeiro campeonato do ano, a Copa São Paulo de Futebol Júnior, aquela que a gente sempre para pra ver, mas depois finge que não se importa quando nosso time é eliminado. Pois bem, nesse ano meu time não foi eliminado. Ele chegou à final jogando um futebol bonito de se ver. Mostrando a garra que a torcida pede para o time profissional. Lembro aquela semifinal chuvosa contra o Internacional, a bola mal rolava em campo diante de tanta chuva. Insistimos, persistimos, chegamos à decisão. Primeira lição: persistência.

Diante desse feito, o "empolgou" começa logo no primeiro mês do ano e não tem como fugir dele. Finalíssima no Pacaembu, eu estaria lá. Há tanto tempo não comemoro um título com meu time, que não tinha como perder essa chance.

Eis que fui acometida por uma conjuntivite dois dias antes do jogo. Eu não podia sair de casa, e agora? Infelizmente preciso confessar que não resisti, segui aquela primeira lição aprendida e persisti: álcool-gel na mão, óculos escuros no rosto e todo o cuidado para não encostar em ninguém, fui – já pensando como eu faria isso na hora do gol. Mas ele não veio. Talvez tenha sido essa a resposta do universo para a minha ousadia. Já imaginou quantas pessoas poderiam pegar conjuntivite por minha causa em uma simples comemoração?

Veio, então, a derrota dolorida. Que foi ainda mais sentida porque o jogo foi todo nosso. O São Paulo teve umas 30 finalizações no gol, o Flamengo teve uma – certeira, é verdade, foi dela o gol de Wendel que garantiu o título aos cariocas. Mas foi aquele típico jogo que você sai do estádio pensando: o futebol não é justo. E olha aí mais uma lição importante: a vida, afinal, muitas vezes não é justa, tem mais derrotas do que vitórias e, mesmo assim, vale a pena cair e se levantar porque são os tropeços que fazem as conquistas serem ainda mais gostosas. É filosófico, eu sei, mas vai dizer que não é real?

Foto: Staff Images/Flamengo

Comecei, então, o ano me iludindo, e terminei da mesma forma. O futebol às vezes parece aquele relacionamento difícil, que a gente insiste para dar certo, mas que sempre acaba nos fazendo sofrer. Foi assim o ano todo, quando a gente comemorou a liderança ainda com um pouco de pé atrás, mas sem perder a oportunidade de celebrar aquele momento que não acontecia há tantos anos. Hoje eu vejo o quanto isso valeu a pena.

Foi, sim, uma ilusão, mas no meio disso teve tantas alegrias. Tantos gols comemorados com os amigos nas arquibancadas do Morumbi. Teve até churrasco na calçada em frente ao estádio, num frio de 10 graus, que ficou aquecido pela presença dos amigos por perto (e da cerveja também, é verdade). A arquibancada, aliás, é uma das maiores lições do futebol. É triste que ela seja muitas vezes tomada pela violência e pelo preconceito, porque é ali que cultivo algumas das melhores memórias da vida. O ano não terminou como a gente gostaria, mas aprendi que, na vitória ou na derrota, o importante é sempre ter amigos por perto para compartilhá-las.

Mas as lições vão além do campo. Foi em 2018 que conheci como o futebol pode ser contagioso – e pode passar até de filha para pai. A Juju, uma menina de 8 anos de idade e craque de bola foi quem me ensinou isso. O pai nunca foi de jogar, mas a garota nasceu com um talento nos pés que só vendo. E, diante da paixão da garota pelo futebol, ele mudou sua rotina de trabalho para poder acompanhá-la em jogos e treinos e investiu no sonho da menina em se tornar jogadora de futebol.

"Passei a organizar meu trabalho de acordo com a agenda dela. O que eu mais admiro na Júlia é o tamanho da coragem dela. A coragem em lutar por aquilo que ela quer, por aquilo que a faz feliz , independentemente da maioria das pessoas aprovarem ou não. Ela segue firme, sempre. Essa coragem e essa determinação que ela tem com apenas 8 anos de idade me dão a certeza, como pai, do tamanho da mulher que ela vai ser tornar", disse Wellington, o pai.

Foto: Arquivo Pessoal

Hoje, Jujugol, como é conhecida nas redes sociais, é a primeira menina a disputar uma competição oficial estadual sub-9 – ela jogou o torneio no time dos meninos, porque não há categoria feminina. Junto com seu pai e sua mãe, Juju me ensinou que futebol não precisa ter gênero, só precisa ter fome de bola.

Neste ano, aprendi também que a paixão por esse esporte é mesmo para a vida toda. Eu sempre ouvia as histórias de Dona Vicentina contadas pelo neto, sobre como ela enlouquecia vendo os jogos do São Paulo aos 91 anos de idade. Mas quando a conheci pessoalmente, vi que o futebol traz vida para essa mulher incrível. Diante de tantas adversidades e até mesmo um câncer superado, Dona Vicentina segue firme e forte, torcendo, vibrando e principalmente xingando a cada jogo, fazendo a alegria da família toda que se uniu em torno do São Paulo por causa dela. Não há idade para viver o futebol, afinal. Está aí, mais uma lição – essa, literalmente, de vida.

E por fim, com a Silvia e o Nickollas aprendi aquela que é a essência do futebol e que muitas vezes não enxergamos. E não enxergamos porque não precisa. A mãe palmeirense que narra os jogos para o filho que tem deficiência visual nos mostraram que a maior maravilha do futebol é essa: não precisa ver, só sentir. Vale a pena fazer essa experiência no estádio em 2019. Fechar os olhos por alguns segundos durante a partida e tentar entender o que está acontecendo. Fiz isso num jogo em pleno Maracanã lotado neste ano e, em 15 segundos, percebi que futebol é muito mais o que você sente, do que o que você vê. Os olhos são só um detalhe, o que faz dele o melhor esporte do mundo é mesmo o coração.

É por tudo isso que eu sigo sofrendo, me iludindo e me apaixonando todos os dias por esse esporte. A gente passa horas discutindo times, contratações, erros e acertos da diretoria, mas o que importa mesmo do futebol é o que ele traz junto consigo: persistência, coragem, histórias, amigos e muita inspiração nessa vida. Nunca vai ser só um jogo.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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