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O pai que deixou a carreira no escritório para apoiar a filha no futebol

Renata Mendonça

12/08/2018 04h00

Foto: Dibradoras

Até pouco tempo atrás (e ainda acontece hoje, embora com menos frequência), era comum ver mulheres abandonando suas carreiras no trabalho para cuidarem dos filhos em casa. Mas no caso de Júlia Rosado de Souza, mais conhecida como "Jujugol", a história foi um pouco diferente.

A menina nasceu com um talento nos pés que nem os pais sabem de onde veio. Quando ela tinha quatro anos, eles foram chamados na escola e alertados pelo professor: "Vocês já viram a Júlia jogando bola? Olha, ela tem talento, viu".

Não, nem Wellington Souza, nem Cláudia Rosado haviam notado aquilo até então. Mas a partir daí, começaram a prestar mais atenção na menina que, entre todos os brinquedos que já havia ganhado, escolheu a bola como preferida. Nem mesmo para dormir, Juju largava a redonda.

Se nas "regras sociais" tradicionais, costuma ser o pai a introduzir o futebol na vida da criança, na família de Juju foi ela quem introduziu o esporte na rotina dos pais. Foi a partir dela que eles começaram a acompanhar, gostar e incentivar a menina a jogar da maneira que podia.

O início "oficial" foi no colégio, mas logo aos 5 anos, o pai já matriculou a garota na escolinha do condomínio – onde ela era a única menina da turma – e, com o tempo, até isso acabou ficando pouco para ela. Hoje, com 8 anos de idade, Juju já passou pelo Barcelona (era a única menina da escolinha do clube no Rio de Janeiro) e agora está no PSG, ainda jogando com os meninos – e o pai dela é um dos grandes responsáveis por alavancar a carreira da filha.

 

Na verdade, tanto Wellington, quanto Cláudia são grandes incentivadores da menina e entenderam desde muito cedo que o sonho dela é ser jogadora de futebol – sendo assim, não medem esforços para ajudá-la a realizá-lo. Mas houve um momento em que a vida de Juju no futebol passou a exigir muito dos dois e foi preciso fazer uma escolha: um deles precisaria se dedicar quase que 100% do tempo para ela – são treinos todos os dias, jogos aos fins de semana, compromissos em várias cidades, redes sociais para alimentar, etc. Acompanhar a menina agora já é um trabalho por si só.

Foi aí que o pai decidiu adaptar sua agenda de trabalho à agenda da filha e largou a vida no escritório para ter horários mais flexíveis e conseguir acompanhar Juju no seu sonho no futebol.

Juju foi a primeira menina a jogar na escolinha do Barcelona no Rio de Janeiro (Foto: Arquivo Pessoal)

"Minha rotina de trabalho era muito pesada, eu saía de casa antes das 6h e a Júlia ainda estava dormindo e chegava em casa depois das 22h e ela já estava dormindo, então eu só via a Júlia acordada nos finais de semana quando eu não trabalhava", contou Wellington às dibradoras.

"Quando a Júlia estava perto de completar 6 anos de idade, algumas mudanças aconteceram na empresa que eu trabalhava, e isso fez com que eu trabalhasse mais tempo em home office. A Júlia também já começava a despontar para o futebol, já era destaque em torneios que disputava na categoria sub-7, já conquistava títulos juntos com os amigos e já começava a depender um pouco mais do nosso tempo e dedicação para acompanhar a evolução dela. Foi então que eu comecei a me organizar de acordo com a agenda dela."

Cláudia, mãe de Juju, e o pai junto com ela recebendo mais um troféu (Foto: Arquivo Pessoal)

Hoje, a rotina de trabalho de Wellington acontece de manhã, quando Júlia está na escola, e à noite, depois que ela vai dormir. Durante o dia, ele fica responsável por levá-la aos treinos e acompanhá-la em todos os compromissos do futebol.

"Não foi uma coisa pensada, foi algo que aconteceu e que aos poucos eu fui entendendo que estava sendo fundamental para o crescimento dela como atleta. Entendi como uma oportunidade de recuperar os anos que não fiquei ao lado dela pela grande carga de trabalho."

Nova profissão

Juju tem apenas 8 anos de idade, mas ela já é conhecida – e reconhecida – pelo seu talento com a bola nos pés. Destaque entre os meninos, não é raro encontrar matérias por aí falando da habilidade da garota. Isso também é resultado da nova "profissão" de Wellington: a de editor de vídeos e gerente de redes sociais da Juju – que ele faz nas horas vagas quando não está exercendo sua atividade de gerente administrativo.

O pai identificou a necessidade de divulgar o trabalho da craque da família (que ela gosta de chamar de "traversão", um misto de trabalho com diversão) e para isso foi atrás de aprender a gravar e editar vídeos dela jogando e também de entender quais seriam as melhores estratégias para divulgá-los nas redes sociais.

Wellington também gosta de aproximar Juju do universo do futebol feminino e leva a menina para conhecer os times – aqui, ela visita o Corinthians (Foto: Arquivo Pessoal)

"Muita coisa da vida dela direcionada ao futebol eu já encaro de maneira muito profissional. Sou eu que cuido pessoalmente das redes sociais da Júlia, já estamos com quase 10.000 seguidores no Instagram, temos uma relação de muito carinho com todos os seguidores dela, e me empenho junto com a Júlia de maneira que isso tudo seja divertido para ela, porque ela ainda é uma criança de 8 anos. A ideia é que esse trabalho ajude não somente na evolução dela, mas também no crescimento do futebol feminino no Brasil", explicou Wellington.

"Eu divido meu tempo entre os treinos, jogos e viagens da Júlia, com os meus compromissos profissionais. Só que isso é possível apenas porque eu conto com o apoio incondicional da minha esposa, Cláudia, uma supermãe, que mesmo tendo uma vida profissional muito agitada (como consultora comercial), encontra tempo para estar sempre que possível ao nosso lado. Inclusive foi ela que acompanhou a Júlia para a Disney Cup (em Orlando, nos EUA), porque eu não pude ir por conta de compromissos de trabalho. Aí nessa competição nós invertemos os papéis."

O que acontece na família de Juju não é excepcional e não deveria ser exceção. É apenas uma divisão mais igual de cuidados com os filhos – uma função que não é só da mulher, apesar de essa ser a visão predominante da sociedade.

 

E quem ganha com isso é simplesmente todo mundo: Wellington, que consegue ser um pai mais presente e acompanhar o desenvolvimento da Juju e do irmão mais velho dela, Gabriel; da Claudia, que consegue participar do crescimento da filha sem ter de abrir mão de sua carreira; e da própria Júlia, que consegue viver o futebol desde cedo e alimentar seu sonho de ser jogadora com o apoio incondicional dos pais.

"O que meus pais fazem por mim é incrível. Eles precisam ser estudados!", brincou a menina, em meio a uma tarde de quarta-feira em que encontramos os três para a gravação – Wellington a levou, e Cláudia saiu correndo de uma reunião de trabalho para poder estar com ela também.

A família toda acompanha quando Juju vai jogar (Foto: Arquivo Pessoal)

Sempre juntos, pai, mãe e irmão vão alimentando o sonho da garota, que ainda não pode prever o que será do seu futuro, mas sabe que, no que depender da família, o futebol fará parte dele.

"A maior realização que a Júlia me dá é o tamanho da coragem dela. A coragem em lutar por aquilo que ela quer, por aquilo que a faz feliz , independentemente da maioria das pessoas aprovarem ou não ou das dificuldades que aparecem. Ela segue firme, sempre. Essa coragem e essa determinação que ela tem com apenas 8 anos de idade me dão a certeza, como pai, do tamanho da mulher que ela vai ser tornar", finalizou Wellington.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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