Nova coordenadora da FPF quer mostrar que o futebol feminino é rentável
*Por Mariana Pereira
Cria da rua, da bola, das quadras e dos campos, Ana Lorena Marche vive nesses últimos meses de 2020 seu maior desafio profissional. Atual coordenadora de Futebol Feminino da Federação Paulista de Futebol – ela assumiu o cargo com a saída de Aline Pellegrino para a CBF -, é sob seus comandos que acontece desde o último final de semana (17 e 18/10) o 23º Campeonato Paulista de Futebol Feminino, estadual – da modalidade – mais longevo do país.
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Aninha na família, Lorena no profissional, Ana Lorena às vezes e Lolo para os mais íntimos iniciou sua trajetória nesta área já na faculdade e em 2016 encontrou no feminino sua motivação profissional. "Eu percebi que não tinha nada de desenvolvimento de gestão no feminino, comecei a desenvolver esse projeto dentro da Universidade do Futebol e foi quando conheci a Pelle (Aline Pellegrino)", contou a gestora.
Das conquistas com as Guerreiras Grenás à FPF
"Comecei a entrar nesse mundo de não tem nada, gestão, nada. Em janeiro 2017 pedi aviso prévio de 6 meses na Universidade do Futebol, em fevereiro teve um evento da CBF Social, em Araraquara, e aí o pessoal da Ferroviária estava lá e recebi a proposta para ir trabalhar no clube", completou.
Os frutos dessa união a gente já conhece bem: criação do departamento feminino, profissionalização de atletas e comissão técnica, departamento médico próprio, rouparia e nada menos que seis títulos conquistados em três anos: Campeonato Brasileiro (2019), 2 Jogos Abertos (2017 e 2019), Festival Feminino Sub-14 (2019) e 2 Jogos da Juventude (2018 e 2019), além do vice da Libertadores (2019) e do terceiro lugar no Paulista Feminino (2019).
"Eu encontrei um clube que tinha tudo, atletas de nível seleção (Raquel, Luciana), que teve muitas glórias, mas com pouca estrutura – estrutura só de Prefeitura – e precisava melhorar para competir com clubes grandes que estavam entrando", contou Ana Lorena.
Muita coisa aconteceu de lá para cá. A Ferroviária sagrou-se campeã Brasileira, vice da Libertadores, Ana foi para a FPF trabalhar ao lado de Pelle, veio a pandemia do Covid-19 – tudo parou – e, enfim, o convite para Aline assumir a coordenação de competições na CBF. "Quando ela vai para a CBF, simbolicamente mostra que eu também posso entrar, eu também posso estar, isso é uma representatividade muito grande, como para mim, que olhei isso e vi que dava para entrar e que precisava", afirmou Ana.
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Sai Aline, assume Ana Lorena
O desejo de fazer mais tanto pela modalidade quanto pelos outros é o que norteia a carreira de Ana Lorena. A coordenadora da FPF sentiu na pele os obstáculos que cercam o futebol feminino e trabalha hoje para que isso não seja mais problema na vida de tantas mulheres.
"Minha vontade de estar aqui (na Federação Paulista) é de que as barreiras que eu tive, de não ter campeonato para competir, por exemplo, não exista mais. Eu quero mudar essa realidade. Meu desejo é principalmente ajudar a quebrar essas barreiras, e aqui vou poder ajudar mais do que em Araraquara, e sei que lá eu quebrei muitas barreiras. Agora quero atingir Rio Preto, Franca, São José dos Campos", explicou Ana Lorena.
Um levantamento feito pela Revista Movimento, da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, reforça a fala de Ana. O estudo teve como base o Brasileirão Feminino desde a sua primeira edição, em 2013, até o ano de 2019, e mostrou que são os homens que ocupam a grande maioria dos cargos de comissão técnica dos times: 85%.
"É meu objetivo pessoal ter mais mulheres em cargos de liderança, mais técnicas. E quero também quebrar a barreira para que a menina goste do esporte. O que acontece muito é que ela começa a praticar, percebe que não tem um ambiente seguro e ela sai. E não é só a FPF, são vários agentes que vão transformar. Vai criando caminhos para que a menina que se destaca possa chegar, mas a que não se destaca possa permanecer no futebol, ser jornalista, gestora, técnica, advogada", afirmou Ana.
O estudo da Revista Movimento apontou ainda que: "se não houver rupturas no processo de aumento linear e gradual na participação das profissionais nos próximos anos, é possível que a igualdade numérica entre homens e mulheres em cargos de comissão técnica seja alcançada a partir do ano de 2030".
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"Profissionalizar não é só dar carteira (de trabalho), é dar profissionalismo para tudo. Uma estrutura profissional. Comissão técnica com analista de desempenho, profissionais capacitados, que conheçam a modalidade. Passar pela barreira do marketing, do produto, quebrar este ciclo de que futebol feminino não dá retorno. Ele dá retorno, ele tem visibilidade se for bem trabalhado, bem feito, e pode ser a longo prazo", enfatizou a gestora.
"Valorizar todo mundo que trabalha"
Com a percepção de quem está inserida no assunto e consumindo cada vez mais a modalidade, Ana Lorena não driblou apenas as barreiras do preconceito e do descaso, mas também a da pandemia do Covid-19. O ano de 2020 prometia para o futebol feminino muito por conta do embalo das conquistas de 2019, e o que temos hoje é um Paulistão Feminino reduzido de 21 para 11 rodadas, mas que não deixará de acontecer.
Inclusive, os obstáculos passaram a não mais abalar a confiança de crescimento e das boas colheitas. O trabalho continua com as Anas, Alines, Dudas, Tatieles e tantas outras que vieram para ocupar este espaço.
"O produto Futebol Feminino é diferente em alguns sentidos e ele precisa ser trabalhado diferente, eu não posso tratá-lo igual ao masculino. Precisa ter treinamento específico para esse produto. Pesquisas mostram que o fã do futebol feminino é engajado com causas políticas, então, se eu não fizer um produto que converse com isso, eu não estou fazendo bem feito", explicou Ana Lorena.
"(O futebol feminino) tem uma história diferente que não pode ser ignorada. Temos muito o que aprender com o masculino, mas fazer muita coisa diferente", concluiu.
O primeiro grande desafio de Ana Lorena na FPF é a realização do tradicional Campeonato Paulista em tempos de Coronavírus. Sem a presença dos torcedores na arquibancada, o diferencial para esse ano são as transmissões por parte do Facebook – plataforma que também tem transmite a Libertadores da América e Champions League (ambos no masculino).
O campeonato começou no último fim de semana e tem previsão de término no dia 20 de dezembro. E Ana Lorena entende que a transmissão dos jogos e a produção de uma web-série chegam para oferecer ao público um campeonato de alto nível.
"É fazer cada vez melhor esse produto, fazer essa entrega e valorizar esses clubes, principalmente aqueles que estão passando por esse momento de dificuldade. Então é o campeonato, é o lançamento oficial, é a web-série, valorizar a história e tudo o que o campeonato Paulista já fez", afirmou às dibradoras.
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