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Após 20 anos, futebol feminino volta ao Morumbi em momento histórico

Renata Mendonça

04/11/2019 04h00

Foto: Divulgação São Paulo

Ao entrarem no vestiário do Morumbi para o aquecimento, as jogadoras do São Paulo deram de cara com algo inusitado. Não era só o uniforme que esperava por elas, mas também uma foto de cada uma que separava onde estava a camisa de quem. Uma situação comum e recorrente para Tiago Volpi, Hernanes, Antony e companhia, mas que para Carla (goleira), Yayá (volante) e Cristiane (atacante) é completamente novidade.

Adentrar os túneis daquele estádio, aliás, já era algo inédito por si só. Não que elas nunca tivessem passado ali, mas não em um dia de jogo. Em um dia para jogar. Foi a primeira vez em 20 anos que o São Paulo abriu o Morumbi para as mulheres entrarem em campo. Na semana que vem, será a Arena Corinthians que fará isso para o time feminino bicampeão da Libertadores. Oportunidades únicas que vieram com a final do Campeonato Paulista feminino e que, esperamos, não parem por aí.

A emoção de jogar no estádio oficial do clube é única. E tudo já começou com a surpresa no vestiário para as jogadoras do São Paulo, com suas fotos juntamente com frases de atletas que fizeram história pelo Tricolor no passado – Emily e Juliana Cabral. Em campo, um jogaço com direito a bicicleta de Cristiane, lambreta de Cacau e o único gol do dia com Giovanna Crivelari para o Corinthians – mostrando que a lei do ex também não tem gênero.

Foto: Divulgação São Paulo

É claro que é clichê dizer isso, mas quem acompanha a luta do futebol feminino há mais tempo sabe que o resultado aí foi só um detalhe. Quando um campeonato das mulheres termina com as duas finais sendo sediadas pelos principais estádios dos clubes envolvidos, com a torcida presente,transmissão em três canais de TV e pela internet, e até com coletiva de imprensa oficial no dia anterior à partida, não tem como haver derrotados.

"A gente vive um sonho de criança. Todo mundo sonha em jogar em um estádio histórico como o Morumbi, com a torcida, e num campo maravilhoso como esse. Clássico é sempre muito disputado, até par ou ímpar vale. Foi muito legal o vestiário também", descreveu a goleira são-paulina Carla em entrevista às dibradoras.

"É um momento especial, experiência bacana de jogar dentro de um estádio onde os melhores passaram. Torcemos para que outros estados façam o mesmo com futebol feminino. O primeiro passo está sendo dado daqui. O torcedor só tem a ganhar com isso", opinou a veterana e artilheira Cristiane, na coletiva oficial organizada pela FPF ainda na sexta-feira, um dia antes da partida.

(Foto: Bruno Teixeira)

Os ingressos foram distribuídos gratuitamente ao longo da última semana e mais de 17 mil foram retirados. No dia do jogo, o estádio computou a presença de pelo menos 8 mil pessoas. Dentro de campo, uma partida do mais alto nível, com lances bonitos, muito disputados e com muito talento dos dois lados. Quem acompanhou da arquibancada ou da TV (Rede Vida, TV Cultura e Sportv transmitiram) com certeza não se arrependeu.

Essa foi a primeira experiência de mulheres jogando no Morumbi nas últimas duas décadas. A última vez que isso aconteceu, na verdade, foi em 2001, quando o São Paulo tinha uma equipe feminina fortíssima e os jogos das mulheres antecediam o dos homens no estádio. À época, o futebol feminino atraía também milhares de pessoas para as arquibancadas – um time com Sissi, Formiga, Katia Cilene, Juliana Cabral e outras não poderia ser diferente.

Foto: Divulgação Sâo Paulo

De lá para cá, o São Paulo chegou a ter uma volta rápida à modalidade em 2015, quando foi vice-campeão paulista e mantinha sua sede em Barueri, mas não houve tempo para mandar qualquer jogo no Morumbi. Agora, neste retorno aos investimentos, o clube chegou a tentar trazer a final da série A2 do Brasileiro para o seu campo, mas não houve acordo com a CBF por conta dos horários da TV. Mas, enfim esse sábado chegou, as jogadoras finalmente tiveram a chance de pisar esse gramado.

Demorou muito mais do que deveria esse retorno, mas não dá para dizer que seria possível algum outro momento melhor do que esse para ele acontecer. Após uma Copa do Mundo feminina que quebrou todos os recordes de audiência no Brasil e no mundo, o futebol feminino mostrou que tem muito público interessado nele e que há um mercado a ser explorado nessa área. Há muito a ser feito ainda, mas esse primeiro passo, de dar às mulheres os mesmos campos são oferecidos para os homens é um reconhecimento importante para uma luta que, infelizmente, ainda está só começando.

Essa é mais uma conquista que prova que o futebol feminino é resistência. E não importa quantos "torçam contra", elas seguirão resistindo até o fim – já sobreviveram até mesmo a quatro décadas de proibição por lei, não serão meia dúzia de preconceituosos que vão fazê-las parar.

(O jogo de volta entre Corinthians e São Paulo para definir o campeão paulista será no dia 16 de novembro às 11h na Arena Corinthians).

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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