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Como formar jogadoras? O desafio do Brasil na base do futebol feminino

Renata Mendonça

18/09/2019 10h34

Foto: Laura Zago / CBF

A formação de um jogador de futebol já é um grande desafio aqui no Brasil, onde não faltam meninos jogando bola, mas muitas vezes falta a estrutura correta para dar suporte a eles ao longo do desenvolvimento como atleta. Mas para formar uma jogadorA, o buraco é ainda mais embaixo. A começar porque a maioria delas não encontra clube para jogar até os 15 ou 16 anos. Quando finalmente ganha a chance em um clube, acaba tendo que pular etapas e estrear direto no profissional.

Essa é a realidade da maioria das jogadoras da seleção brasileira principal feminina hoje. Muitas delas nunca passaram por uma equipe de base, foram direto ao profissional. Agora, com as mudanças proporcionadas pela resolução da Conmebol que obriga times masculinos que disputam a Libertadores a manterem equipes principais e sub-18 femininas, o cenário começa a ficar diferente. Mas o desafio de formar uma atleta ainda com tão poucos clubes e competições disponíveis para categorias mais jovens ainda é enorme.

É essa missão que terão as novas comissões técnicas das seleções sub-20 e sub-17 por aqui. O melhor resultado que o Brasil já obteve nessas categorias em Mundiais foi um terceiro lugar em 2006 na Copa do Mundo sub-20 (o time que tinha a geração de Marta em campo). De 2010 para cá, foram 5 edições do torneio, e o Brasil só passou da fase de grupos uma vez.

Após quase um ano sem comando – e, consequentemente, sem atividade -, novos treinadores foram anunciados para as duas seleções de base e começam agora um trabalho com um objetivo ousado: formar as jogadoras que poderão levar o Brasil ao topo no futebol feminino.

 

São eles: Jonas Urias (técnico) e Jéssica De Lima (auxiliar) na sub-20 e Simone Jatobá (técnica) e Lindsay Camila (auxiliar) na sub-17. Jonas e Jéssica já estão passando pelos primeiros testes nesta semana na Liga Sul-Americana sub-19 na Argentina – o Brasil venceu o Uruguai por 6 a 1 e a Bolívia por 9 a 0 por enquanto. Conversamos com eles sobre como formar uma jogadora no país que só é do futebol para os homens.

Jonas Urias, técnico da sub-20, e Jéssica de Lima, sua auxiliar (Foto: Laura Zago / CBF)

– Desafio técnico

Esse, sem sombra de dúvidas, é o maior desafio para o desenvolvimento do futebol feminino como um todo. Não porque as mulheres não tenham técnica para jogar futebol, mas porque elas têm um inicio muito tardio com a bola nos pés e isso faz com que esse "atraso" muitas vezes tenha que ser tirado já no profissional.

Por exemplo, enquanto os meninos ganham a bola ainda na maternidade, as meninas costumam ganhar bonecas e, em geral, demoram mais para ter uma iniciação esportiva – uma pesquisa do IBGE revelou que enquanto 41% dos meninos começa a praticar esportes entre 6 e 10 anos de idade, menos de 30% das meninas têm a mesma experiência.

Sendo assim, elas começam a jogar bola mais tarde e também têm mais dificuldades para encontrar escolinhas de futebol ou clubes para desenvolver a prática. Não foi à toa que a menina Natália, que passou numa peneira masculina para o time sub-10 do Avaí, precisou pedir pra ser aceita numa equipe de meninos para seguir jogando em sua cidade.

Foto: Laura Zago / CBF

Sem clube, a menina acaba chegando aos 15, 16 anos sem ter tido base no futebol. E isso dificulta muito o trabalho dos clubes e das próprias seleções.

"Esse novo olhar para o futebol feminino (para a base) comparado à minha época é gigantesco, uma diferença muito grande.Ter base acelera demais o processo. Chega num estágio que a gente não precisa despender muito tempo de treinamento com situações básicas de futebol. O clube sofre muito com isso. Às vezes há jogadoras muito desniveladas tecnicamente jogando junto. Isso atrapalha o jeito de jogar, o modo de mudar o esquema tático, porque talvez a outra jogadora não tenha esse acompanhamento", explicou Jéssica de Lima, auxiliar da seleção sub-20.

– Desafio na captação de atletas

Esse é uma consequência do primeiro problema. Como não se tem muitos clubes que investem na base do futebol feminino, restam "poucas" opções de jogadoras nesta idade para abastecerem as seleções.

Claro que esse "poucas" aqui faz sentido quando olhamos o contexto brasileiro. No chamado "país do futebol", é claro que existem milhões de meninas jogando bola pelas ruas. Mas quantas delas estão desenvolvendo esse futebol em clubes, buscando uma carreira no esporte? Segundo dados de um estudo da Fifa divulgado em julho deste ano, são apenas 475 jogadoras abaixo dos 18 anos registradas em clubes brasileiros. Para se ter ideia do comparativo, nos Estados Unidos, são 1,5 milhão de atletas registradas nessa idade.

Foto: Laura Zago / CBF

"Precisamos conseguir a captação dessas atletas mais cedo. Precisamos dar condição de treinamento frequente e de qualidade para as meninas. Dar oportunidades para que elas iniciem mais jovens no futebol já pensando em um projeto de carreira", pontuou Jonas, técnico da seleção sub-20.

– Desafio de competir

Se o futebol feminino como um todo já enfrenta um problema para preencher um calendário durante o ano todo, na base a situação é ainda mais complicada. Até 2017, não havia no país qualquer competição de base oficial para as mulheres. Tanto é que já aconteceu de equipes femininas entrarem em competições masculinas para conseguirem disputar algum torneio – como foi na Copa Moleque Travesso de 2016, vencida pelas meninas inclusive.

Há dois anos, a Federação Paulista de Futebol criou o Paulista sub-17. Neste ano, a CBF pela primeira vez organizou um torneio sub-18 para fazer jus à regra da Conmebol que exige que as equipes masculinas times femininos nesta categoria. Ainda assim, o torneio recebeu muitas críticas por ter acontecido com jogos acumulados em um intervalo de menos de 48 horas.

Equipe de base feminina do Centro Olímpico foi campeã da Copa Moleque Travesso em 2016 (Foto: Divulgação)

"Todo primeiro passo não é o ideal. Teve o sub-18, que teve reclamação, muita carga de jogo. Mas vai perguntar se a atleta quer jogar 3 ou 6 jogos? Ela quer seis. E competir forma. Se você pegar o futebol de 20 anos atrás, o masculino de 40 anos atrás, onde você não tinha tanto investimento na base, os jogadores só iam para jogo e isso já formava os craques. Jogar formava essas meninas. Jogar é sempre bom. Claro que a cada ano tem que melhorar, acho fundamental dizer que não é o ideal, porém desfrutar ao máximo do que tem", avaliou Jonas Urias.

Ele reforça que a criação de mais campeonatos é o que fará a "máquina do futebol feminino" girar, preparando e formando as jogadoras cada vez mais cedo.

"Estamos vendo mais competições de base e isso gira a roda e faz com que os clubes comecem a investir também nas categorias de base do futebol feminino, dando condição de treinamento, de estrutura. Mais competições, jogos, isso é o primeiro passo para que a máquina do futebol feminino gire e a gente veja cada vez mais meninas jovens praticando futebol no Brasil", concluiu.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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