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O que essa foto representa para o futebol brasileiro?

Renata Mendonça

21/08/2019 04h00

Foto: CBF

Talvez a menor novidade anunciada nesta terça-feira na CBF tenha sido a primeira lista de convocadas da técnica Pia Sundhage para a seleção brasileira. Até porque, nesta estreia, a convocação manteve muitos nomes que estiveram no Mundial e trouxe poucas surpresas. O que realmente marcou a história ontem foi o que aconteceu logo após a coletiva.

Em uma só foto, estão reunidas boa parte das comissões técnicas de todas as seleções femininas da CBF: principal, sub-20 e sub-17. É a primeira vez na história em que as mulheres foram maioria nesse contexto. O futebol feminino finalmente foi para as mãos delas.

Pode parecer mínimo, mas é simbólico. E é extremamente importante também. Porque o futebol feminino só vai evoluir quando quem tomar conta dele tiver a vivência de quem sofreu na pele o preconceito, a falta de oportunidade, de estrutura, o descaso. Faltavam ex-jogadoras fazendo parte da gestão das seleções brasileiras. Faltavam mulheres comandando o jogo que sempre foi negado a elas.

Na mesa do auditório da CBF, já era possível notar a diferença. De um lado a auxiliar técnica Bia Vaz e a treinadora Pia Sundhage, do outro o coordenador de futebol feminino Marco Aurélio Cunha e o preparador físico Fábio Guerreiro. Duas mulheres e dois homens, pela primeira vez equidade entre as vozes que discursariam sobre a seleção feminina. Talvez ainda seja pouco pelo tanto que queremos alcançar, mas é significativo, é relevante, é imprescindível que tenhamos mulheres ocupando esses espaços e tendo as mesmas oportunidades que eles sempre tiveram.

Foto: CBF

Ali, foram confirmados os nomes que vão compor as comissões técnicas das seleções sub-20 e sub-17. Treinador conhecido pelo trabalho que fez na base do Centro Olímpico e também no Sport, Jonas Urias foi o escolhido para a primeira, ao lado da assistente Jéssica de Lima, ex-jogadora que há anos prepara sua transição para o lado de fora dos gramados e trabalha com uma escolinha para garotas, além de ter comandado a base da Ponte Preta neste ano.

Na sub-17, a CBF trouxe a ex-atleta da seleção Simone Jatobá, que tem diploma de formação de treinadora na Uefa (Licença A), a também ex-jogadora Lindsay Camila, que acumula anos de experiência na base do futebol feminino da França, e Maravilha, ex-goleira das primeiras gerações do futebol feminino do Brasil. Aliás, esta será a primeira mulher a ocupar este cargo em uma seleção brasileira.

Na foto, são quatro homens (Fábio Guerreiro, preparador físico, Rogério Caboclo, presidente da CBF, Marco Aurélio Cunha, coordenador de futebol feminino, e o próprio Jonas Urias) e seis mulheres. Elas finalmente viraram maioria no comando da sua própria categoria.

Foto: CBF

É claro que no universo de treinadores de futebol no Brasil, as mulheres ainda são minoria absoluta. Elas representam apenas 1% (UM PORCENTO) de todos os técnicos que têm licença da CBF para atuar na área (15 em 1.368). Então é óbvio que é "mais fácil" dar oportunidade a um treinador do que a uma treinadora – o leque de opções entre eles é muito maior. Mas se a gente não quebrar o ciclo vicioso, se a gente não criar caminhos para que mais mulheres apostem nessa carreira (seja concedendo bolsas de estudos nos cursos da CBF que têm um custo muito acima do que o que o salário do futebol feminino pode pagar, ou abrindo espaços para que elas possam atuar como auxiliares e/ou técnicas em clubes e seleções), a realidade será sempre a mesma, e sempre injusta com aquelas que há décadas lutam por um reconhecimento no futebol.

A importância de se ter ex-jogadoras no comando de seleções femininas é enorme. Porque uma preparadora de goleiras como Maravilha, que viveu a realidade do futebol feminino, sabe exatamente que o problema delas não é o tamanho do gol, e sim a falta de preparo desde cedo. Auxiliares como Bia Vaz, Lindsay e Jéssica sabem que algumas deficiências técnicas e táticas de atletas de 16 e 17 anos (e até de outras mais velhas, profissionais) vêm da falta de uma base em um clube de futebol, do início tardio na modalidade. Técnicas como Simone Jatobá ou como Pia Sundhage entendem que as mulheres que passarem por suas mãos chegaram até ali por muita luta e muita resistência em um universo em que sobra preconceito e faltam oportunidades. Tudo isso ajuda demais na forma como elas vão conseguir lidar com as atletas e na conexão que as jogadoras vão sentir pura e simplesmente por se identificarem com aquelas que estão no comando.

Essa foto (lá em cima) representa uma mudança histórica no cenário do futebol brasileiro porque finalmente as mulheres estão sendo incluídas no jogo. Por muito tempo, a bola foi proibida para elas. Depois, elas puderam jogar, mas não decidir. Agora, chegou a vez delas definirem seus próprios rumos nos campos. Não foi uma concessão, foi uma conquista. Não veio de graça, veio por mérito e por muita luta. Aquelas que estão ali fizeram por merecer, e o futebol feminino está em boas mãos com elas no comando.

Foto de três anos atrás, com a comissão técnica da seleção principal sem nenhuma mulher

Ainda temos muito para avançar. Mas precisamos reconhecer cada passo dado. Não é para roubar o espaço dos homens, é para compartilhar o campo com eles. Três anos separam a primeira foto deste post e esta última. E pela presença dessas mulheres agora, muitas outras poderão sonhar com isso num futuro próximo. Haverá um dia que o número de representantes femininas em uma comissão técnica não será mais notícia. Por enquanto, ainda precisa ser.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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