Com treinos em campo sintético e sem Reffis, jogadoras levaram SPFC à final
O São Paulo é um dos clubes de futebol mais tradicionais do país e conta com uma estrutura de treinamento e fisioterapia que é referência tanto para a base quanto para o profissional. Portanto, seria normal imaginar que o time feminino montado lá teria também à disposição os melhores campos e equipamentos para que as jogadoras tivessem todo o suporte necessário para simplesmente jogar futebol.
Mas a realidade é um pouco diferente disso. Desde o início do projeto, apresentado oficialmente no início deste ano com a apresentação de Cristiane no Morumbi, o São Paulo prometeu às atletas a mesma estrutura que dava não às suas equipes profissionais, mas aos seus associados. Com o benefício de um contrato com carteira assinada – uma exceção até mesmo em grandes clubes do futebol feminino – e da moradia no Morumbi, as jogadoras poderiam treinar no campo social do clube – que tem grama sintética – e também usar a academia de lá, a mesma que qualquer sócio do São Paulo tem acesso.
"A proposta deles foi a gente usar a estrutura social, já que as atletas ficam alojadas no clube. O campo é sintético para os treinos diários que fazemos, a fisioterapia, a academia, é tudo lá. Aí dentro da nossa necessidade, a gente pede espaço pra treinar em Cotia ou na Barra Funda. O campo sintético não é o ideal. Futebol se você joga na grama, você tem que praticar na grama. Mas o sintético é o refúgio que a gente conseguiu ter", explicou Amauri Nascimento, supervisor de futebol feminino no São Paulo, que acumula experiências com o futebol feminino nas seleções de base e no Santos.
"Vamos contornando dentro dessa logística. Nesta semana de final, queremos pelo menos fazer dois treinos na grama, tentar um em Cotia e outro no Pacaembu na véspera do jogo".
O aparato para fisioterapia e recuperação de jogadoras lesionadas também é diferente do que o oferecido aos jogadores. Qualquer um deles que esteja se recuperando de lesão tem a disposição um dos centros de referência na área, conhecido como Reffis (Núcleo de Reabilitação Esportiva Fisioterápica e Fisiológica) na Barra Funda (para o profissional) e em Cotia (para a base). No caso das atletas do time feminino, a estrutura disponibilizada para a recuperação de lesões é a mesma do clube social. É ali que Cristiane faz suas sessões de fisioterapia para tratar o problema na coxa que a tirou dos jogos do São Paulo desde a Copa do Mundo.
Em nota às dibradoras, o São Paulo afirmou que "escolher formatar um projeto de dentro para fora utilizando a própria estrutura e não emprestar a camisa a um projeto já existente implica em um trabalho diário de reorganização que o São Paulo cumpre com prazer. Nossa equipe feminina tem o Morumbi e o complexo social do clube como centro de alojamento e treinamento, e conta com disponibilidade para utilizar as estruturas do CT da Barra Funda e do CFA Laudo Natel sempre que possível, em dinâmica que trabalhamos para que seja cada vez mais ágil nos próximos meses. Queremos fazer mais e melhor".
Os jogos, que no início eram realizados em Cotia, já vieram para o Pacaembu na fase final (o que também aproximou o time da torcida), e a final até seria realizada no Morumbi, se fosse possível a troca de data do jogo.
Mesmo com as dificuldades de estrutura para treinamento – e com a ausência da principal jogadora em boa parte da temporada (Cristiane ficou com a seleção em um período antes da Copa, voltou lesionada e ainda não conseguiu retornar a campo) -, as jogadoras conseguiram um resultado importante já no primeiro ano de projeto: garantiram a vaga na primeira divisão (o São Paulo jogou a segunda esse ano por ser estreante na modalidade) e estão na final da série A2 do Brasileiro.
Elenco jovem
Na montagem do elenco, Amauri e Lucas Piccinato – técnico da equipe que veio com um bom trabalho feito no Centro Olímpico, clube referência na base do futebol feminino – priorizaram jogadoras mais jovens que tinham alguma experiência em clubes de menor tradição e que teriam "sede" de conquistas. Eles até tentaram atrais alguns nomes mais experientes que atuam no Brasil, mas o fato de o São Paulo disputar a segunda divisão não foi um atrativo para essas jogadoras abraçarem o projeto.
"O plano era montar um elenco jovem com meninas que já tinham conquistado algumas coisas com camisas que não tinham tanta projeção nacional. Contratamos algumas jogadoras do Sport, que teve o fim de um projeto, do Centro Olímpico, que passaram às vezes por seleção de base. Então a minha grata surpresa foi que a gente conseguiu ter maturidade dentro de campo com um time formado por meninas de 19 e 20 anos, que é o caso da maioria. A contratação da Cristiane foi pra dar um norte pra elas", explicou Amauri.
"Ela não está em campo, mas tem feito um trabalho importante de bastidores, de conversar com as meninas e tal. Ver um grupo jovem se comportando de uma forma tão madura dentro de campo é muito legal. Elas tiveram o primeiro tropeço no campeonato contra o Taubaté nas quartas e souberam reverter isso na volta, esse time tem uma entrega até o último minuto."
A capitã e um dos principais destaques do time, Ary, tem apenas 19 anos e carrega a responsabilidade de ser a camisa 10 em campo. Ottilia, atacante e outro destaque da equipe, tem 22, e Valéria, que forma a dupla com ela, tem 20. Mesmo bem jovem, a equipe conseguiu resultados importantes no Paulista – ainda está invicta na competição – e está na final do Brasileiro com apenas uma derrota em 11 jogos.
Atenção da diretoria
Os resultados chamaram a atenção da diretoria, que começa a enxergar o futebol feminino de outra forma. A esperança de Amauri é que, para 2020, quando o time disputará a primeira divisão, seja possível ter uma estrutura mais adequada para treinamento físico e tático com as jogadoras.
"A gente tem conversado com a diretoria, está todo mundo começando a abrir a cabeça pra ver como o São Paulo na séria A1 vai ser formatado. Esse foi um início de projeto que está sendo vitorioso já. Pra quem queria apenas "participar", estamos na final. Nosso passo foi devagar", explicou o supervisor.
Um ponto positivo importante que Amauri apontou nesse início de projeto no São Paulo foi a sintonia com a equipe de comunicação e marketing com o time feminino. Além disso, morando no Morumbi e treinando algumas vezes na Barra Funda, as jogadoras têm a oportunidade de estarem mais perto de ídolos do futebol masculino e isso gera uma integração legal entre eles. O atacante Pablo, por exemplo, esteve na semifinal contra o Palmeiras no Pacaembu falando com as atletas. O lateral Daniel Alves, recém-chegado, também fez um contato com elas, que estavam empolgadas em uma das salas no Morumbi no dia da apresentação dele.
"Dá para ver que hoje eles (diretoria) começaram a acreditar mais (no projeto). A gente tem que ver que, na cabeça das pessoas, o futebol feminino é algo diferente do futebol. As pessoas não conseguem visualizar o futebol feminino ainda com um simples olhar de uma categoria de base que seja. A modalidade é a mais 'nova' que tem, surgiu oficialmente há 30 anos só. Então você teria que ter os mesmos cuidados de uma base. Uma estrutura que o sub-17, sub-20 tem. Vejo que eles estão começando a perceber, pelos nossos resultados, pela dedicação das atletas, entrega delas em campo, como elas estão respeitando a instituição, o potencial de um projeto como esse", finalizou.
O primeiro jogo da final da A2 entre São Paulo e Cruzeiro acontecerá neste domingo às 14h no Pacaembu.
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