'EUA x Todo Mundo': por que os Estados Unidos são tão 'arrogantes' na Copa
Chegou o dia de uma semifinal que vai colocar frente a frente o time mais campeão do futebol feminino e o time que mais tem investido nos anos recentes. Os Estados Unidos sempre foram dominantes entre as mulheres, mas a Inglaterra se reestruturou, criou uma das ligas mais fortes do mundo e chega a essa semi não com o status de favorita, mas como um dos poucos times que podem, sim, vencer as poderosas americanas.
+ 'Essas americanas são diferentes mesmo. Parecem um time masculino jogando'
Quem disse isso foi a própria Hope Solo, ex-goleira dos Estados Unidos e hoje comentarista da Copa do Mundo pela BBC. Segundo ela, pela primeira vez, as americanas podem estar "com medo" das adversárias – algo, porém, que jamais seria admitido pela equipe.
"Depois das vitórias inglesas nesta Copa, pode haver um leve medo dos Estados Unidos com relação a esse time inglês. E não é assim que os Estados Unidos estão acostumados a trabalhar. Nós simplesmente não temos medo de adversários. Há um pouco de arrogância no fato de que nós gostamos se impor medo nos outros, mas nós mesmas não tememos ninguém", disse a ex-goleira.
Arrogância foi uma palavra muito utilizada na prévia desse confronto. Os ingleses questionaram bastante a técnica Jill Ellis e a atacante Alex Morgan durante a coletiva sobre esse suposto sentimento de "superioridade" das americanas.
"É importante para o nosso time ter confiança. Eu não acho que esse time é arrogante, de nenhuma forma. Acho que esse time sabe que precisa merecer tudo, que nós temos adversários difíceis na nossa frente e que nós temos que fazer por merecer o direito de avançar neste torneio", respondeu a técnica Jill Ellis.
De fato, as americanas exalam confiança na equipe quando falam sobre o time na imprensa. Elas têm motivo para isso: têm um histórico invejável no futebol feminino, são as maiores vencedoras de Copas e de Olimpíadas e fazem um trabalho impecável com as mulheres do futebol desde a base.
EUA x "Todo Mundo"
O discurso das americanas costuma ser mesmo de um time que não "teme ninguém". A zagueira Ali Krieger chegou a dizer durante esta Copa que os Estados Unidos tinham "o melhor time do mundo e o segundo melhor time do mundo", fazendo referência à qualidade do banco de reservas. Para coroar tudo isso, houve no mês de junho o lançamento de uma coleção de camisetas com algumas das jogadoras americanas de modelos que trazia o claro recado estampado: "USA x Everybody" (na tradução: Estados Unidos x Todo mundo).
Há uma mistura de arrogância americana com um sentimento que é construído nas atletas dos Estados Unidos desde muito pequenas que é como uma "mentalidade vitoriosa". A técnica Ellis chegou a falar sobre isso ainda na primeira fase: "Você pode estar muito preparado fisicamente e taticamente. Mas pra mim, o que faz um time campeão é o mindset (mentalidade campeã)".
Megan Rapinoe, uma das artilheiras do time neste Mundial, também admite uma certa arrogância americana no time, que de certa forma também ajuda na confiança de sempre acreditar que a vitória é possível, mesmo nos momentos mais adversos. "Acho que tem um pouco da arrogância do americano, que acha que é melhor em tudo", riu Rapinoe. "Tem uma cultura desse time, nós competimos entre a gente mesmo dessa forma. E tem um pouco de insanidade nisso também. Um pensamento de: se tem um segundo apenas, você tem que dar tudo nesse um segundo", disse.
+ Não é só o hino: a representatividade de Alex Morgan vai além do campo
Do lado inglês, há a sensação de que esse time comandado por Phil Neville pode, quem sabe, "trazer o futebol para casa", como os ingleses gostavam de cantar na Copa da Rússia. E Hope Solo ressalta também essas qualidades que podem fazer a Inglaterra vitoriosa desta vez – sem esconder sua antipatia pela técnica americana, com a qual teve rusgas no passado.
"Jogadora por jogadora, o time americano é mais forte. Mas a Inglaterra tem o melhor técnico, taticamente. Nós vamos ver a tática sobressaindo nesse jogo mais do que em qualquer outra partida desse torneio, e estou animada para ver o que Phil Neville tem para mostrar. Ele é um líder verdadeiro e mostra coragem. Eu gostaria de ter jogado no time dele", afirmou a ex-atleta em sua coluna na BBC Sport.
Treinadores da mesma nacionalidade
Jill Ellis e Phil Neville têm algumas coisas em comum. Os dois são britânicos, ambos torcedores do Manchester United e ambos com família atuante no futebol. A diferença maior talvez tenha sido que Ellis precisou sair de seu país para conseguir jogar bola e sonhar com um futuro na área. Na Inglaterra, isso não era uma possibilidade para ela.
"Se eu tivesse ficado na Inglaterra, eu dificilmente seria treinadora hoje", disse a comandante da seleção americana. O pai dela era técnico e veio dele a inspiração para que Ellis seguisse essa carreira. Só que na infância, a menina apenas poderia acompanhar o pai e o irmão no campo, mas não poderia jogar. Essa realidade mudou quando eles foram morar nos Estados Unidos. Ellis passou a jogar na escola, foi para a faculdade e começou também no nível universitário sua carreira de treinadora, até chegar às categorias de base dos Estados Unidos e posteriormente à seleção principal.
A técnica, que hoje tem duas nacionalidades e está desde 2014 no comando das americanas, também elogia o trabalho que Neville tem feito à frente da Inglaterra. "Muitos de nós somos produtos do ambiente de onde viemos, e ele teve um ótimo mentor (Alex Ferguson). Não estou surpresa com o sucesso dele. Ele conseguiu bastante evolução, você pode ver a equipe jogando bem, acho que ele está fazendo um ótimo trabalho", afirmou Jill Ellis.
Já Phil Neville assumiu o cargo de treinador da seleção inglesa em janeiro de 2018 e em um ano e meio tem recebido muitos elogios pelo seu trabalho. Se na última Copa do Mundo feminina a Inglaterra chegou à semifinal como uma "surpresa", desta vez já era esperado um bom resultado do time comandado por ele, que inclusive foi campeão da She Believes Cup disputada nos Estados Unidos neste ano com o time da casa, o Brasil e o Japão. Agora, o desafio será ainda maior: passar pelas atuais campeãs do mundo para chegar à final tão sonhada.
"Sabemos da força dos Estados Unidos e respeitamos. Mas, se chegamos até aqui, temos que ter confiança. Se estamos na semifinal da Copa e não confiamos na nossa capacidade, há algo errado", disse ele.
A partida entre Estados Unidos e Inglaterra será nesta terça-feira, às 16h. A arbitragem fica por conta do trio brasileiro, Edna Batista, Tatiana Sacilotti e Neuza Back.
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