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5 motivos que explicam eliminação do Brasil na Copa do Mundo feminina

Roberta Nina

24/06/2019 07h21

Foto: AFP

*Por Renata Mendonça e Roberta Nina

O Brasil se despediu da Copa do Mundo Feminina ao ser derrotado por 2 a 1 pela França, no Stade Oceane em Le Havre. Foi um jogo pegado, muito disputado, que só terminou na prorrogação, com as jogadoras brasileiras entregando tudo dentro de campo,

Mas os motivos da eliminação brasileira vão muito além do que aconteceu dentro de campo no jogo deste domingo. Falamos sobre alguns deles aqui.

– Erros na primeira fase 

O Brasil caiu no grupo C da Copa do Mundo e, na primeira fase, enfrentou Jamaica, Austrália e Itália. Passou em terceiro lugar do grupo com 6 pontos, a mesma pontuação da líder Itália e da Austrália, a segunda colocada. O que faltou para que o time brasileiro passasse de fase em uma melhor colocação foi a falta de gols.

No primeiro jogo contra a Jamaica, Cristiane foi a responsável por marcar os três gols da partida. O Brasil ainda teve chance de ampliar o placar com Andressa Alves que perdeu um pênalti ainda no primeiro tempo e outras chances claras de gol, especialmente com Debinha. A falta de gols contra a equipe mais fraca fez muita falta.

No segundo jogo, a seleção brasileira fez um primeiro tempo primoroso, como não se via há muito tempo. Com gols de Cristiane e Marta, o Brasil abriu 2×0 contra uma de suas maiores adversárias nos últimos anos. Mas, um gol das rivais a poucos minutos de acabar a etapa inicial ligou o alerta de que a partida não estava resolvida. Depois disso, o Brasil se abalou muito com o empate e não se achou mais em campo.

Contra a Itália, 15ª colocada no Ranking da Fifa e que não disputava uma Copa do Mundo há 20 anos, o Brasil penou para vence-las por um placar magro: 1×0 de pênalti aos 28 minutos do segundo tempo. Com a vitória encaminhada, Vadão optou por fechar mais o meio-campo na entrada de Luana em vez de seguir partindo para cima. Só que, se buscasse a vitória por 2×0, poderia passar na primeira colocação do grupo e evitar o confronto com as francesas na primeira fase de mata-mata.

Foto: Reuters

– Comissão técnica questionada pré-Copa

Vadão assumiu a seleção pela primeira vez em abril de 2014.  Apesar de ter perdido poucos jogos em 18 partidas oficiais – apenas dois em 2015 e quatro em 2016 – com Vadão o Brasil ganhou o benefício de contar com a seleção permanente e, ainda assim, foi eliminado das principais competições (Copa do Mundo e Jogos Olímpicos). Terminou o ciclo olímpico com o Brasil caindo de posição no ranking, de quarto para o nono lugar.

Em novembro de 2017, Vadão ganhou novamente da CBF a oportunidade de disputar sua segunda Copa do Mundo, após demissão precoce de Emily Lima, que comandou a equipe feminina em apenas 10 meses sem nenhuma competição oficial.

Com um ano e meio de trabalho até a Copa da França, Vadão esteve a frente da seleção brasileira em mais um título da Copa América (o heptacampeonato, já que o Brasil só perdeu esse título uma única vez) e garantiu a equipe na Copa do Mundo deste ano e nas Olimpíadas de Tóquio em 2020.

Depois disso, pensando no cenário mundial, acumulou derrotas e atuações ruins. Foram nove derrotas seguidas e pouca contestação por parte da CBF. Questionado pelo blog em abril deste ano sobre o que ainda justificaria a permanência de Vadão no cargo, o diretor de futebol feminino da entidade, Marco Aurélio Cunha, respondeu: "A confiança que possa melhorar e o trabalho que faz, a proximidade da Copa e tudo que já observou aliado à sua experiência como treinador. Não considero o desempenho tão ruim, e sim os resultados. Vários jogos que perdemos jogamos bem". 

Entre as derrotas inéditas sofridas pelo Brasil estão o 2×1 de virada para a Espanha e o 1×0 contra a Escócia, vigésima colocada no ranking e que foi eliminada da Copa pela limitadíssima seleção argentina na fase de grupos após levar um empate inexplicável quando vencia por 3×0.

Uma comissão técnica que não fez por merecer estar lá nem da primeira vez. Vadão nunca foi considerado um técnico de primeira qualidade quando atuou no futebol masculino, tem pouquíssimas conquistas no currículo e, no futebol feminino, também não conseguiu nem resultados, nem desempenho que justificassem sua permanência.

Foto: Reuters

– Falta de renovação no time brasileiro

Marta e Cristiane são as grandes referências do ataque brasileiro em Copas do Mundo desde 2003. Nunca nenhuma jogadora fez frente a elas em mais de dez anos. No meio de campo, Fomiga, aos 41 anos, segue intocável desde 1995, sem nenhuma expectativa de ter uma nova figura moldada por ela. Isso é normal? Não pode ser.

Tudo começa com o futebol de base, que deveria ser melhor pensado e desenvolvido pela CBF e pelos clubes brasileiros. Para se ter uma ideia, o sub-17 feminino foi campeão sul-americano em 2018, mas eliminado ainda na primeira fase do Mundial realizado no Uruguai, no mesmo ano.

E a seleção sub-20, muito promissora, também foi eliminada na primeira fase com duas derrotas e um empate. O treinador era Doriva Bueno, que comandou a equipe desde 2014 e seguiu intocável mesmo sem apresentar bons resultados. O treinador participou de três edições de Copa do Mundo e conquistou apenas uma vitória em 2016, contra a fraquíssima Papua-Nova Guiné.

Com Doriva, a seleção sub-20 disputou 10 jogos: perdeu seis (Estados Unidos, Alemanha, duas vezes para a Coréia do Norte, Japão e México), empatou três vezes (China, Suécia e Inglaterra) e goleou a Papua-Nova Guiné. O aproveitamento do treinador em uma das mais importantes competições foi de 20%.

Doriva foi demitido em 17 de setembro de 2018 e desde então, a seleção sub-20 feminina do Brasil segue sem treinador. Na época, cogitou a contratação de sua auxiliar, a ex-jogadora Daniela Alves para ocupar o cargo. Mas o convite não aconteceu e hoje Daniela comanda o time feminino sub-17 do Corinthians.

Seleção sub-17 foi eliminada na primeira fase da Copa (Foto: Divulgação FIFA-Getty Images)

Como podemos renovar uma seleção brasileira sendo que a categoria que deveria servir a principal segue sem treinador por quase dez meses? Qual trabalho é feito com essas meninas? Esse tipo de postura é impensável em tantas seleções em desenvolvimento, como a própria Espanha, que foi vice-campeã sub-20 e vencedora do sub-17, usando algumas jogadoras nas duas categorias. Em pouco tempo, essas atletas farão parte da seleção espanhola principal levando consigo experiências de outras torneios disputados.

No Brasil, a CBF criou o primeiro campeonato de base entre clubes só agora, com o Brasileiro sub-18. Não tem trabalho nessas categorias nem em nível de seleção, nem em nível de clubes – aí fica difícil ter qualquer renovação.

Quem é a nossa grande craque entre 17 e 21 anos? Não há ninguém como Daniela Alves e Cristiane, que serviram a seleção principal perto dos 15 anos por conta de seu talento nato. Hoje, mais do que a habilidade individual, as jogadoras precisam entender de tática, de posicionamento, melhorar seus recursos e fazer frente aos outros países. Não é nem de longe que isso acontece e sem trabalho focado na renovação, a tendência de evolução da seleção é cada vez menor.

– Desenvolvimento do futebol feminino

Em 2007, o Brasil chegava à final da Copa do Mundo feminina depois de eliminar o poderoso Estados Unidos na semifinal com uma goleada acachapante: 4 a 0. Na decisão, infelizmente o time de Marta, Cristiane e Formiga não conseguiu fazer frente à Alemanha e saiu derrotado por 2 a 0. No pódio onde receberam a premiação pelo vice-campeonato, as brasileiras levaram uma fronha de travesseiro com os seguintes escritos: Brasil, precisamos de apoio.

A "Young Nadeshiko" chegou pela primeira vez na final Sub-20 (Foto: Reprodução/Twitter FIFAWWC)

Era um apelo das jogadoras aos homens que comandavam a gestão do futebol na CBF e nos clubes para que olhassem para elas e investissem no futebol feminino. Doze anos depois, o reflexo das décadas de descaso pode ser visto no campo. A seleção brasileira feminina ficou para trás, viu outros países evoluírem e hoje só faz cair sua posição no ranking.

Aquele protesto aconteceu em 2007, quando o Brasileiro feminino sequer tinha um calendário anual organizado pela CBF. As competições nacionais aconteciam em uma cidade só, por uma semana ou coisa assim. O torneio só veio a ter um formato mais "profissional" com duração de quatro meses em 2013 – seis anos depois do auge da seleção feminina na Copa. E só em 2017 o Brasil criou a segunda divisão, possibilitando a entrada de mais clubes no cenário nacional e fortalecendo a competição.

A França tem sete divisões no futebol feminino profissional. Há 10 anos, o país começou um plano de desenvolvimento do futebol feminino e passou a garantir incentivos para os clubes que investissem. Assim, houve a formação de categorias de base, a criação de times e campeonatos para meninas no sub-7, sub-9, sub-11, sub-15, sub-17. É esse investimento que hoje se reflete no campo, com os resultados de uma das seleções mais fortes do mundo.

Com tantos países se estruturando no futebol feminino, com ligas fortes, clubes investindo, etc, a tendência é que o Brasil fique cada vez mais para trás. É preciso entender que só o talento não vai levar a lugar nenhum. Numa terra que respira futebol, é claro que existem inúmeras Martas, Cristianes e Formigas surgindo por aí, mas elas muitas vezes desistem no meio do caminho por não terem encontrado clube, campeonato, estrutura para jogar bola.

Hoje, a CBF tem registro de apenas 3.600 atletas jogando futebol formalmente nas competições nacionais e estaduais. É muito pouco para um país do tamanho do Brasil. Na França, nos Estados Unidos, na Inglaterra, esse número ultrapassa as dezenas de milhares. É preciso criar um plano de desenvolvimento a médio e longo prazo que tire o atraso do que não foi feito no passado pelo futebol feminino. Não é à toa que o Brasil segue colecionando recordes individuais entre as mulheres – Marta seis vezes melhor do mundo, a maior artilheira das Copas, Cristiane a maior artilheira das Olimpíadas, Formiga a recordista de Copas. Mas isso não se reflete em conquistas no coletivo, porque o trabalho no coletivo é muito mal feito. Falta gestão e planejamento para que os resultados possam vir.

– Gestão "importada" do futebol masculino

Desde 2015, a CBF trouxe Marco Aurélio Cunha para assumir a coordenadoria de futebol feminino da entidade. Independentemente de sua experiência na gestão esportiva – trabalhou em clubes como Santos e São Paulo -, Marco Aurélio nunca teve qualquer atuação no futebol feminino. Já imaginou pegar uma pessoa que construiu toda a sua carreira no futebol das mulheres e levar para substituir Edu Gaspar no cargo de coordenador técnico do futebol masculino na CBF?

Foto: CBF

O futebol feminino tem suas peculiaridades, que diferem muito da realidade do futebol masculino no Brasil. A falta de campeonatos e clubes de base, a falta de estrutura para desenvolver o futebol entre as meninas desde cedo, um calendário ainda deficiente, que faz com que muitos clubes não tenham nada além do estadual para jogar o ano todo. Por tudo isso, é bastante complicado que na gestão do futebol feminino na CBF não exista ninguém que de fato conheça a fundo essa realidade, que tenha trabalhado com ela por um tempo para poder diagnosticar os problemas e propor soluções.

Quando se fala em mulheres na gestão do futebol, sempre se reforça o discurso que "não basta ser mulher, precisa ser competente, precisa se preparar". Algo com o qual estamos totalmente de acordo. Mas o que faz com que um gestor sem qualquer experiência no futebol feminino seja mais "competente" do que uma mulher ou um homem que tenham atuado por anos e anos na modalidade?

Na Federação Paulista de Futebol há um exemplo claro sobre como é possível fazer um trabalho diferenciado em pouquíssimo tempo quando se tem no comando alguém com conhecimento de causa. Aline Pellegrino assumiu o cargo de coordenadora de futebol feminino da entidade em 2017 e já naquele mesmo ano organizou o primeiro campeonato de base do país – o Paulista sub-17. Ela também realizou desde então um "festival sub-14", que era um campeonato de uma semana para os clubes que tivessem equipes femininas nesta idade. Está fazendo agora pela primeira vez uma peneira para garotas de 14 a 17 anos, que serão observadas por todos os principais clubes do estado e terão a oportunidade de jogar em algum deles. A demanda por isso era tanta, que a FPF recebeu inscrições de meninas de 15 estados do país e até de fora – uma delas está vindo dos Estados Unidos para fazer o teste. São centenas de meninas que estavam apenas esperando uma oportunidade para jogar bola.

Formiga e Marta foram substituídas no intervalo do jogo contra a Austrália (Foto: CBF)

Em apenas dois anos, Aline Pellegrino conseguiu um trabalho invejável para o futebol feminino e tornou o futebol um sonho possível para as meninas. Isso é porque ela já conhecia os problemas da modalidade e recebeu as ferramentas para fazer as mudanças necessárias. Na CBF, nós temos uma gestão que desconhece os principais problemas da modalidade e tomou poucas atitudes para resolvê-los – a maioria das ações que tivemos até aqui foram muito mais uma consequência das exigências da Fifa e Conmebol (como a obrigatoriedade dos clubes masculinos de investirem no feminino) do que uma iniciativa da CBF.

Está mais do que na hora de entregar a gestão do futebol feminino a quem realmente gosta e entende da modalidade.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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