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Seleção feminina resgata orgulho da torcida e joga com o coração na Copa

Renata Mendonça

23/06/2019 20h49

Foto: AFP

A seleção brasileira foi eliminada pela França nas oitavas de final na Copa do Mundo feminina e se despediu do Mundial após um gol tomando na prorrogação. A partida foi equilibrada durante os 120 minutos e terminou com a derrota por 2 a 1 para as donas da casa, que doeu demais para as jogadoras em campo e também para os milhões de brasileiros que acompanharam – muitos deles pela primeira vez – a saga da seleção feminina em um Mundial.

+ Como a França virou potência e favorita contra o Brasil na Copa feminina

A construção para esse jogo tinha a seleção francesa vista como absoluta favorita – não só para vencer a partida, mas também para conquistar o título inédito. O Brasil, afinal, nunca tinha vencido a França no futebol feminino e carregava um retrospecto recente incômodo de cinco derrotas e dois empates nos últimos sete jogos desde 2003. A técnica francesa, Corinne Diacre, e a atacante Le Sommer, reforçaram bastante a fraqueza defensiva da seleção brasileira na coletiva pré-jogo. O que se esperava ver em campo era uma superioridade da França e um Brasil talvez mais acuado.

A realidade foi outra. A seleção feminina adotou uma estratégia de marcação alta para tirar o espaço e anular a velocidade das adversárias. E isso deu muito certo por boa parte do jogo. Durante o primeiro tempo todo, pouco se viu das jogadas de Majri, a 10 da França, articuladas com Le Sommer pelo lado esquerdo delas – o direito da nossa defesa. Ludmila desempenhou um papel importante marcando muito esse lado e apoiando Letícia nisso.

Foto: AFP

As francesas também têm o mérito da estratégia de Corinne Diacre, que mudou uma jogadora e fez com que a seleção francesa explorasse, na verdade, o lado direito do ataque – o esquerdo da defesa brasileira. Diani foi a melhor em campo nesse setor e criou as principais jogadas. E Gauvin fez o gol delas num cruzamento por ali.

Só que a seleção brasileira não se abalou – ao contrário do que vimos acontecer em outros jogos, quando tomar um gol da adversária era um banho de água fria que desconcentrava muito o nosso lado. Uma partida exemplar de Thaísa, que foi a dona do meio-campo, roubando bolas e armando as jogadas de ataque. Formiga, mais uma vez uma monstra nesse setor, protegendo e tirando todas as bolas. Debinha que merecia demais ter saído dessa Copa com um gol no currículo – a jogada dela na prorrogação foi absolutamente espetacular, mas a zagueira francesa tirou no limite quando a bola ia entrando. Marta foi outra gigante, que atacava, defendia, jogava de lateral, volante, meia, e jogou ininterruptos 120 minutos correndo mais do que todo mundo. E o que dizer de Cristiane? Que visão de jogo, que habilidade, quanta maestria essa jogadora tem no ataque brasileiro. Tentou segurar até o fim, mas caiu em campo de tanta dor na coxa no primeiro tempo da prorrogação, uma guerreira.

Foi um jogaço, talvez o melhor da Copa até aqui e é preciso ressaltar a qualidade e a superação da seleção feminina em campo neste domingo. Elas foram na raça, no coração, e saíram de campo de cabeça erguida pela entrega que tiveram. Nem mesmo as francesas imaginavam que teriam tanta dificuldade para vencer o Brasil em campo, como a própria Thaisa destacou na zona mista pós-jogo. Elas achavam que a seleção estava morta – e as mulheres mostraram que nunca se pode duvidar do talento do futebol brasileiro. O coração foi para a ponta da chuteira, e elas terminaram o jogo extenuadas, mancando, mas ainda de pé.

Foto: Reuters

Há muitos erros que precisam ser apontados e urgentemente corrigidos e que ajudam a explicar por que, mais uma vez, o Brasil ficou pelo meio do caminho. Tem uma comissão técnica que está ali inexplicavelmente, mesmo tendo acumulado 9 derrotas antes da Copa, e que nunca demonstrou competência para ocupar um cargo de tamanha responsabilidade – e que tomou decisões equivocadas ao longo desse Mundial.

Mas neste momento ainda é preciso exaltar a coragem e a entrega dessas mulheres. É preciso levar em consideração que elas fizeram muito mais do que poderiam, se considerarmos o que receberam para chegar até ali. É claro que hoje a estrutura do futebol feminino na seleção é de altíssimo nível, mas vamos olhar um pouquinho mais para trás. Essas atletas nunca tiveram um clube de base. Estrearam direto no profissional, porque não existiam equipes juniores no futebol feminino. A maioria delas pisou um campo pela primeira vez já com 14, 15 anos de idade, porque antes disso nunca tinha tido essa oportunidade – os campos não são acessíveis para as meninas. E tiveram de lidar com olhares de desconfiança, de preconceito, com clubes fechando as portas, nenhum campeonato para jogar. É tanta coisa que elas precisaram driblar para chegar até esta Copa do Mundo, até a oportunidade de jogar num estádio lotado a principal competição do futebol sob os olhos do mundo inteiro. Então é preciso sim exaltar o que essa seleção fez em campo e o orgulho que ela resgatou no torcedor brasileiro.

"O apoio é óbvio que a gente perdeu muito tempo pra fazer isso. Aquela geração de 2004 e que levou até 2008 era um momento que a gente podia começar a lapidar outros talentos, para continuar a crescer o futebol feminino. As meninas queriam o tempo inteiro. Infelizmente a gente perdeu aquele momento de aproveitar aquela grande equipe para dar o apoio necessário, começar logo cedo. Um trabalho não vai fazer tanto efeito em meses. São coisas que acontecem em anos e anos", afirmou Marta na saída do jogo. 

Porque é verdade, essa foi a primeira grande oportunidade que os brasileiros tiveram de acompanhar uma Copa do Mundo feminina com a visibilidade que ela (que elas) merece(m). Houve jogos transmitidos antes pela Band? Sim, mas quando a maior emissora do país começa a mostrar o torneio, o impacto é gigantesco. Não à toa, dois dos três jogos do Brasil na primeira fase bateram os recordes de audiência de toda a história do Mundial. Brasil x Itália foi o segundo jogo mais visto na história da Copa feminina – só perde para a final de 2015 nos Estados Unidos.

E o impacto dessas transmissões foi sentido facilmente não só pela audiência, mas também pelas conversas nas redes sociais, pelos bares lotados de brasileiros vestidos de verde-amarelo para torcer por elas, pela própria torcida na França que fez questão de recepcionar o ônibus das jogadoras e acompanhá-las por todos os jogos aqui.

A torcida brasileira "descobriu" a seleção feminina nesta Copa do Mundo. E teve muito orgulho de torcer por ela. Que isso não acabe por aqui.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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