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Vingança por 1998? A história desse Brasil x França na Copa é das mulheres

Renata Mendonça

22/06/2019 14h37

Foto: CBF

Com a visibilidade que essa Copa do Mundo feminina está tendo, tem sido comum ver repórteres, narradores, comentaristas e grandes veículos da imprensa internacional recorrerem ao histórico de Brasil x França no futebol masculino para potencializar as expectativas desse confronto. Entre os homens, há mesmo uma grande tradição e rivalidade entre as duas equipes – a seleção francesa foi campeã do mundo em 1998 em cima do Brasil jogando em casa e eliminou os brasileiros também no Mundial de 2006, nas quartas-de-final.

Na mídia francesa, é perceptível o resgate desta tradição e a projeção desse "clássico" do futebol masculino agora também para o futebol feminino. Na entrevista coletiva do técnico Vadão neste sábado, um dos repórteres franceses perguntou ao treinador sobre um possível sentimento de vingança que as brasileiras poderiam ter em campo nessas oitavas-de-final para dar o troco pelas derrotas de 1998 e 2006.

+Como a França virou potência e favorita contra o Brasil na Copa feminina

"Não temos sentimento de vingança com a França. Perdemos um jogo que a França jogou muito bem em 1998. Mas acho que a França vivia um momento bom, não tivemos nenhum tipo de problema, provocação, nada que fosse criar clima hostil. Falando em feminino, menos ainda. Não temos rivalidade com a França a ponto de alguma vitória significar vingança ou qualquer coisa além do sentimento desportivo mesmo", respondeu Vadão.

Amistoso Brasil x França em 2015 (Foto: FFF)

Em geral, a imprensa francesa tem tratado esse França x Brasil na Copa feminina como um jogo de bastante peso. Só se fala nisso nos jornais e até nos programas esportivos. Conversando com alguns jornalistas franceses, eles explicaram que o futebol brasileiro é muito admirado na França e vive no "imaginário" dos torcedores – especialmente pelas referências que sempre tiveram dos grandes jogadores que fizeram sucesso com a camisa amarela.

"O imaginário de França x Brasil traz memórias felizes e nostálgicas de Zinédine Zidane em 1998 e 2006, e agora é a hora das jogadoras de Corinne Deacon escreverem sua própria história", mencionou a AFP em uma nota sobre as expectativas para a partida publicada neste sábado.

É mais ou menos isso. É claro que pelo fato de o futebol masculino ser muito mais antigo, ter sua origem há mais de um século e uma Copa do Mundo que está prestes a também completar seu centenário, é natural que as referências que temos do esporte venham em sua maioria dos homens em campo. Mas também é importante que a gente valorize a história que começa a ser escrita agora para que o futebol das mulheres tenha seu protagonismo próprio.

Primeiro confronto entre as duas seleções foi em 2003 (Foto: Getty)

Ninguém chega em uma coletiva de imprensa antes de um jogo Brasil x Estados Unidos no futebol masculino e pergunta ao técnico brasileiro se ele traz o sentimento de vingança para a partida por conta dos dois ouros perdidos pela seleção feminina nas Olimpíadas de 2004 e 2008 justamente para as americanas. Não se transfere a rivalidade que já foi construída entre as mulheres no futebol – como por exemplo essa entre Brasil e Estados Unidos – para os homens. Então por que fazer o contrário com elas? Por que projetar rivalidade, tradição e história do futebol masculino para o futebol feminino?

O histórico de Brasil x França entre as mulheres é mais recente, é verdade, mas já tem um dado curioso: a seleção brasileira nunca venceu as francesas nos sete confrontos registrados entre os dois times desde 2003. Foram cinco vitórias para a França e dois empates. E em vez de abordar justamente esse tabu que as francesas sustentam diante do Brasil, os repórteres locais insistiram em abordar a partida pelos resultados construídos pelos homens.

Isso tem acontecido no Brasil também em mesas-redondas e discussões na mídia sobre a Copa do Mundo feminina. Quando a seleção enfrentaria a Itália, muitos passaram a falar sobre o jogo como se fosse um "clássico" do futebol feminino. E, na verdade, nunca houve essa tradição no confronto entre as duas equipes. A seleção brasileira tem, sim, uma história na modalidade, tendo disputado todas as Copas do Mundo femininas até aqui, conquistando duas pratas olímpicas e chegando a um vice-campeonato mundial. Já a Itália nunca foi referência na modalidade, não tem grandes nomes consagrados no futebol feminino e tem uma história recente que é fruto do investimento que tem sido feito agora. Então tecnicamente não dá para chamar um confronto desses de "clássico".

Outro confronto da seleção brasileira contra a França em 2014 (Foto: AFP)

A rivalidade do Brasil no futebol das mulheres é com os Estados Unidos, com a Alemanha, talvez mais recentemente com a Austrália. São outras histórias e outros protagonistas no futebol feminino. Então não basta transportar o que já existe entre os homens e projetar isso para as mulheres em campo.

Na França, elas estão construindo sua própria história. Escrevendo mais um capítulo dela, na verdade. O futebol feminino pode não ter 100 anos de vida, mas já tem pelo menos 30 desde que se tornou "oficial", que passou a ter uma Copa do Mundo de quatro em quatro anos e posteriormente uma disputa olímpica também. E seria justo valorizar o protagonismo pelo qual elas lutaram muito ao longo desses anos destacando a história que elas mesmas construíram. Sem precisar recorrer ao histórico dos homens, à tradição dos homens.

Brasil x França nas oitavas de final desta Copa do Mundo será um jogaço por si só. Pelas jogadoras que estarão em campo – algumas das melhores do mundo, como Marta e Cristiane do nosso lado, Le Sommer e Henry do lado delas -; pelos personagens de fora das quatro linhas – a técnica Corinne Diacre, uma das grandes transformadoras do futebol feminino francês, Vadão, o técnico tão criticado da seleção feminina que chega à sua segunda Copa muito questionado.

Não tem nada de vingança por 1998. Tem a busca de um resultado histórico para o Brasil – que nunca venceu as francesas – e do outro lado a confirmação do favoritismo na disputa pelo título tão esperado em casa. A história desse jogo por si só já é gigantesca.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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