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Eles criaram o time para as filhas jogarem e hoje decidem título brasileiro

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22/10/2018 04h00

Doroteia e Chicão, os dois responsáveis pelo sucesso do Rio Preto (Foto: Rodrigo Corsi / FPF)

Doroteia conheceu Chicão nos campos de São José do Rio Preto – ele jogando, ela assistindo da arquibancada. Os dois se apaixonaram e foram viver essa história de amor, que começou mesmo com a paixão em comum pelo futebol.

Quando a esposa ficou grávida, Chicão já sonhava em ensinar os primeiros ~dibres ao menino que viria. Mas não veio um menino. Nem na primeira, nem na segunda, nem na terceira gravidez da mulher – de todas elas, nasceram três meninas, que, por incrível que pareça, tiveram o mesmo destino que o garotinho teria: a bola no pé.

Milene, Sharlene e Darlene jogavam futebol desde a infância – e ai de quem ousava não deixá-las jogar. A caçula, Darlene, chegou a ameaçar furar a bola com uma faca quando os meninos quiseram excluí-la do jogo na rua. E foi assim, vendo as três meninas envolvidas com o esporte na escola, que o pai Chicão, e a mãe Doroteia decidiram: por que não criar um time para as filhas jogarem? Assim, acabariam de vez com a graça dos meninos que insistiam em deixá-las de fora do jogo.

Foi assim que nasceu o Juventude, a primeira equipe de futebol feminino de São José do Rio Preto, em 1996. Um time que foi crescendo na região, sendo convidado para disputar diversas competições e conquistando troféu atrás de troféu – foram 16 títulos nos Jogos Regionais sem perder uma partida e diversas medalhas nos Jogos Abertos da região.

Com as vitórias, a equipe de Doroteia e Chicão foi se estruturando e ganhou o apoio da prefeitura de Rio Preto no ano 2000. Ele trabalhava como técnico, ela era a presidente que administrava o clube. Das três filhas, só Darlene permaneceu no futebol, mas as duas mais velhas foram fazer faculdade de educação física e não deixaram de auxiliar na equipe, tanto na administração, como na preparação física.

Deu tão certo que o Rio Preto hoje é uma das equipes mais tradicionais do futebol feminino no Brasil, campeão brasileiro em 2015, vice em 2016, semifinalista em 2017, e atual finalista do torneio – está disputando o título com o Corinthians (o primeiro jogo foi 1 a 0 para o time alvinegro e o segundo acontece nesta sexta-feira, no Parque São Jorge, às 20h30. Sabia mais aqui). 

Foto: Divulgação

História

"Foi nessa brincadeira das meninas mais velhas jogando na escola que o pai teve a ideia de montar um time de futebol feminino. Aí a gente começou com essa brincadeira – e era brincadeira mesmo. Mas depois foi ficando sério", contou Doroteia, a presidente do clube, em entrevista ao podcast das dibradoras.

Mulher forte e decidida, ela conta que teve de enfrentar muito preconceito desde que começou a trabalhar com o futebol e que, muitas vezes, pensou em desistir.

"Eu sofri muito preconceito no começo. Uma mulher no clube, que absurdo…eu ouvi muito isso. Eu fui administradora de uma empresa, comandei um escritório, já tenho experiência nisso. Mas preconceito eu ouvi muito. Só que hoje muita gente brinca quando tem um time que está mal: vai ser presidente do clube tal para resolver os problemas", conta, aos risos.

Dentre todas as adversidades, o Rio Preto foi conseguindo seu espaço com a eficiência de Doroteia na administração, a competência de Chicão como técnico e o talento da artilheira Darlene no time. Em 2013, a equipe conseguiu chegar à semifinal do Brasileiro feminino e ficou com o quarto lugar. No entanto, no ano seguinte, veio o balde de água fria: o Rio Preto não teria vaga para jogar a competição.

À época, o ranqueamento que definia as 20 equipes do torneio era bastante baseado no desempenho dos clubes no masculino – os melhores times de camisa do futebol masculino de Série A e B tinham vaga garantida na competição feminina, ainda que muitos sequer tivessem uma equipe na modalidade. Como o time masculino do Rio Preto não ia bem, o feminino, quarto lugar no Brasileiro de 2013, ficou de fora do campeonato em 2014. Um absurdo completo, pelo qual Doroteia teve que brigar.

Foto: Divulgação Rio Preto

"Ficamos em quarto lugar em 2013 e no ano seguinte nós ficamos fora. Era o ranking, que ninguém entendia. O ranking prioriza times de camisa, do masculino. Isso indignou todo mundo, de várias equipes do feminino", afirmou Doroteia.

"Mas aí em 2015 eles  deram essa chance. Eu falei pra eles: eu vou mostrar pra vocês que o Rio Preto tem condições de chegar e de ser campeão. E a gente mostrou pra eles: fomos campeãs."

Foi exatamente isso que aconteceu. Na volta ao torneio, o Rio Preto conquistou o título por puro merecimento e colocou de vez seu nome entre os grandes do futebol feminino. Em 2016, o time foi campeão paulista e novamente estava na final do Brasileiro, perdendo o troféu para o Flamengo em um jogo mega disputado. Em 2017, mais um título paulista e agora em 2018 a disputa novamente pelo título nacional. 

Rio Preto tem colecionado títulos no futebol feminino (Foto: Rodrigo Corsi / FPF)

De presidente à treinadora nas horas vagas

Trabalhando juntos há tanto tempo, Doroteia e Chicão têm uma cumplicidade uma sintonia gigantescas. É claro que uma hora ou outra, sai uma briguinha aqui ou outra ali por causa dos assuntos do time, mas a filha Darlene explica que é a mãe quem coloca ordem na casa.

"Ela sempre diz: 'fora do campo, mando eu, você manda dentro de campo'".

Mas há exceções. Quando o Rio Preto vai jogar fora de casa e precisa viajar longas distâncias, quem fica no comando do time é Doroteia. Isso porque Chicão morre medo de avião e não entra em um nem mesmo para levar suas atletas a uma partida mais distante.

"Eu sempre gostei muito de futebol, tenho meu conhecimento, a gente trabalha em conjunto. Então como ele tem esse medo pavoroso de avião, eu acabo indo. A gente conversa bastante antes, a gente fala no telefone, faz tudo em conjunto. No intervalo, ligo pra ele, converso, falo as trocas que quero fazer. É tranquilo", conta Doroteia.

O exemplo da cumplicidade e da luta dos pais inspira Darlene também na carreira. Sem conseguir vestir a camisa de outro clube – "Eu não teria a menor condição de jogar contra o time da minha mãe", ela diz. Agora, porém, pela primeira vez está longe na disputa do Rio Preto por um título: ela está vivendo o sonho de jogar na Europa defendendo o Benfica em Portugal.

"Acho bem legal a história dos meus pais. É cansativo por ser só os dois que estão sempre ali dando a cara pra bater. Mas tenho muito orgulho da história que eles construíram", afirmou Darlene no podcast das dibradoras. "Acho que eles só não desistiram porque tinha eu também no time, e eles queriam que eu seguisse jogando."

Ouça o podcast das dibradoras com Doroteia e Darlene

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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