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Após 6 meses, caso de abuso na ginástica teve 4 delegadas e segue sem prazo

Renata Mendonça

16/10/2018 11h51

Seis meses após a divulgação do maior escândalo de abuso sexual do esporte brasileiro, pouco se avançou no inquérito policial que investiga Fernando de Carvalho Lopes, um dos técnicos da Confederação Brasileira de Ginástica até 2016. Os casos estão sendo acompanhados na delegacia de defesa da mulher de São Bernardo do Campo, que já teve quatro delegadas diferentes desde o o início da investigação há 2 anos e meio – contando a partir de abril, quando outras dezenas de vítimas foram reveladas pela reportagem de Joanna de Assis no Fantástico, foram duas trocas e três diferentes titulares na delegacia atuando no inquérito.

Toda vez que chegava uma nova delegada, era preciso que ele se inteirasse de todos os casos em andamento naquela delegacia para seguir com as investigações e os pedidos de oitivas (depoimentos) de cada uma delas.

"Já mudou de delegada 3 vezes o caso nesse meio tempo. Acho surreal. Porque quem faz a denúncia é o Ministério Público, mas ele depende da delegacia terminar inquérito e entregar para eles. Mas eu estou esperando. Não é porque (o caso) ficou famoso, é porque ele cometeu um crime, mais de um até. Contra várias crianças. Tem alguma coisa que ele fez sistematicamente com liberdade e que ninguém viu, ninguém fez nada", relatou às dibradoras a repórter Joanna de Assis, que tem acompanhado de perto o escândalo que denunciou em abril.

Segundo a delegada responsável hoje, Kátia Regina Cristófaro Martins, a troca aconteceu por conta da saída da delegada titular, que fez com que interinos assumissem o comando até que se achasse quem ocuparia o cargo em definitivo. Ela garante que isso não interferiu na velocidade do processo e explica que todas as etapas da investigação estão sendo cumpridas à risca, mas não da uma estimativa de prazo para o fim do inquérito.

"Não houve demora por não ter um delegado fixo. Eu cheguei há 2 meses, mas cheguei e saí de férias, porque já estava marcado. Aí demorou para o inquérito voltar do fórum, porque havíamos pedido mais prazo. Nenhum delegado de polícia vai procrastinar num caso da gravidade desse. Por isso também não pode ser feito às pressas, porque se não corre risco de errar.", afirmou a delegada à reportagem.

"Eu não posso ter um prazo, porque a ciência criminal, o processo penal, a investigação policial não são ciências exatas. Depende de muita coisa", completou.

Questionada sobre quantas vítimas haviam no inquérito até agora, ela não soube responder. Segundo apurou o blog, são cerca de 14 atletas (entre adolescentes e adultos) que passaram por equipes treinadas por Fernando e foram à delegacia prestar queixa contra o ex-técnico. A reportagem da TV Globo contabilizou pelo menos 42 que admitiram terem sofrido abusos por parte do treinador.

A investigação sobre o técnico começou, na verdade, há dois anos, quando ele foi afastado da CBG em 2016 por conta de uma denúncia de abuso feita pelos pais de um menor de idade. Mas foi a partir de abril deste ano que mais casos foram levados à polícia e, com isso, o inquérito policial teve andamento com novos depoimentos e recolhimento de provas. Por enquanto, Fernando ainda não é réu, nem responde a qualquer processo – ele é apenas investigado há 2 anos e meio pela polícia e será o último a ser ouvido conforme manda o protocolo. Caso encontre motivos para recomendar a prisão do treinador, o inquérito será encerrado com esse pedido à promotoria, que levará (ou não) o caso ao juiz para análise do caso. Enquanto não há conclusão na investigação, o inquérito segue em aberto.

"Acho que esse caso está demorando demais, porque na verdade é um inquérito que começou de fato há 2 anos e meio. Uma pessoa que continuou trabalhando com menores na maioria desse tempo. Casos envolvendo crianças têm prioridade por lei, então essa investigação deveria ter tido prioridade e, na verdade, ela só andou depois da matéria da Globo. As famílias das vítimas me ligam e dizem: 'está vendo? Não vai dar em nada isso'. A impressão delas é essa", afirmou a advogada de algumas das vítimas, Cristiane Battaglia.

Desde que as denúncias vieram à tona, Fernando de Carvalho Lopes foi afastado das funções que exercia no Mesc, clube de São Bernardo do Campo onde treinavam muitas das vítimas que o acusaram de abuso sexual. Ele se manifestou em depoimentos à CPI dos Maus Tratos no Senado negando as acusações.

Foto: Reprodução TV Globo

"Com relação a muitos que me acusam, são os mesmos que bateram na minha porta pedindo para voltar a treinar comigo", disse.

"Eu fui um treinador que trabalhei com rendimento, é impossível você agradar todo mundo. Com certeza eu causei muito mais descontentamentos que satisfações. Só que eu nunca fui um técnico manso, pelo contrário, muitas vezes rígido. As crianças treinavam muitas vezes chorando, porque tinham que cumprir suas tarefas."

Por enquanto, ainda falta ser ouvido o técnico da seleção brasileira de ginástica Marcos Goto, que foi mencionado pelas vítimas por supostamente ter conhecimento dos abusos de Fernando e não ter tomado qualquer atitude com relação a isso. O treinador chegou a se posicionar sobre o caso publicamente em maio em entrevista ao Sportv. "Em primeiro lugar, boatos não são fatos. Os boatos existiam na ginástica. O mundo da ginástica inteiro no Brasil sabia dos boatos. Todos já tinham ouvido sobre esses boatos, mas os atletas jamais tinham chegado em algum adulto e falaram realmente o que aconteceu", afirmou. Ele será ouvido em Santo André, a pedido de seu advogado.

Segundo a delegada do caso, a investigação está caminhando no curso normal do tempo previsto e está sendo tratado com todo o cuidado que um inquérito como esse exige.

"O que acontece é a cultura do povo brasileiro de achar que só resolve na hora que prende. Só que ninguém pode ser preso antes de ser investigado. Na verdade, a resposta para a sociedade foi dada no momento que se começou a investigar. Mas a investigação policial é uma coisa que demanda tempo e cuidado", concluiu. 

Escândalos de abuso sexual no esporte ainda são tabus muito grandes no Brasil. Depois que os casos da ginástica vieram à tona, novas denúncias apareceram envolvendo atletas da base do atletismo brasileiro. Duas jovens menores de idade denunciaram o ex-técnico da seleção de base, Luiz Antônio Lino, por abuso sexual e os casos estão sendo investigados em Osasco. Ele nega as acusações.

É de suma importância que, cada vez mais, esse assunto venha à tona e esse tabu seja quebrado. É preciso falar sobre esse assunto, relembrar esses casos e acompanhar de perto as investigações para que situações de abuso não sejam mais silenciadas no esporte.

Leia mais: Os motivos que ainda calam o abuso sexual no esporte

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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