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Das dez atletas mais bem pagas do mundo, oito são do tênis; por quê?

Renata Mendonça

23/08/2018 15h56

Foto: Getty Images

A revista Forbes anunciou nesta semana a lista de mulheres mais bem pagas no mundo do esporte. E havia algo em comum entre elas. Das 10 atletas que figuram no topo, oito são tenistas – há ainda uma representante do badminton e outra do automobilismo.

Para se fazer um comparativo, na lista dos 10 atletas (homens) mais bem pagos do mundo, há seis modalidades no topo: boxe, futebol, MMA, basquete, tênis e futebol americano.

Não é que as atletas ganhem mais no tênis. É que essa é a única modalidade em que elas ganham "igual". Ao menos nas premiações dos principais campeonatos, os chamados Grand Slams, os pagamentos são os mesmos para homens e mulheres. Isso foi uma conquista delas há quase 50 anos que nunca retrocedeu – e que, infelizmente, nunca foi replicada em nenhuma outra modalidade. Até hoje, as diferenças de premiação entre homens e mulheres são imensas em competições de futebol, basquete…O que faz com que nenhuma jogadora de nenhuma dessas modalidades, por mais destaque que tenha (como Marta, cinco vezes melhor do mundo pela Fifa), consiga figurar no topo ao lado das tenistas.

Sendo assim, não é uma "mera coincidência" que das 10 atletas que mais recebem em todos os continentes, 8 sejam tenistas – há, na verdade, uma explicação histórica para isso, que remonta de um movimento importante de atletas reivindicando melhores pagamentos ainda na década de 1970.

Naquela época, a Era Open do tênis havia acabado de começar, e as mulheres se viam "deixadas de lado" pela organização dos Grand Slams. Elas ganhavam premiações muito menores que os homens (algumas chegaram a ⅛ do que eles recebiam), sempre jogavam em quadras secundárias e não eram olhadas com o mesmo respeito que eles.

Pois um grupo de nove atletas, juntamente com a dona de uma revista especializada em tênis (que trouxe o aporte financeiro de um patrocinador),decidiu boicotar um desses torneios tradicionais e organizar um novo, apenas para as tenistas. Era o Virginia Slims, que aconteceu em Houston em 1970 e reuniu as chamadas "The Original Nine" ("as nove originais", em tradução livre) – e que depois daria origem à WTA (Women's Tennis Association), a Liga das Tenistas Mundiais.

Billie Jean King foi uma das grandes responsáveis pelas reivindicações por igualdade no tênis (Foto: Getty Images)

Eram elas: Billie Jean King, Rosie Casals, Nancy Richey, Judy Dalton, Kerry Melville Reid, Julie Heldman, Peaches Bartkowicz, Kristy Pigeon e Valerie Ziegenfuss.

O torneio foi um sucesso e foi sucedido por um circuito de competições femininas em 1971, todas organizadas separadamente aos torneios masculinos tradicionais. À época, as tenistas ouviam que seriam excluídas dos Grand Slams e que estavam dando "um tiro no pé".

"Nós sabíamos que, para aquilo ter futuro, nós precisaríamos ter um tour ou uma série de torneios. Não tínhamos ideia do que iria acontecer, mas tínhamos aquele sonho. Nós queríamos que cada menina no mundo tivesse a oportunidade de jogar e de viver do tênis, se assim quisesse", contou Billie Jean King.

"Nós também estávamos falando sobre coisas além do esporte, sobre mudanças na sociedade. Era o início do movimento das mulheres. Nós fomos felizes pelo momento que escolhemos e acho que participamos desse movimento de alguma forma", concluiu.

Por pressão do movimento delas, houve em 1973 a fundação da WTA, que garantiu as reivindicações das mulheres no tênis mundial. Naquele mesmo ano, houve ainda aquela que ficou conhecida como "a batalha dos sexos", um momento histórico para as mulheres no esporte.

Billie-Jean King foi desafiada naquele ano pelo também tenista e campeão Bobby Riggs para uma "batalha dos sexos" em quadra. O episódio aconteceu no dia 21 de setembro de 1973, na frente de um público de 30 mil pessoas e com outras 90 milhões assistindo pela televisão.

King entrou em quadra para defender o sexo feminino, sua força e capacidade, mostrando que as atletas mulheres também mereciam atenção e premiações mais justas. Ela derrotou Riggs por 6/4, 6/3 e 6/3. Foi corajosa e pioneira na luta por igualdade. E a partir daí, o cenário do tênis feminino começou a mudar – não só na premiação, mas também na visibilidade.

A começar pelo US Open, que naquele mesmo ano, determinou que as premiações do torneio seriam iguais para homens e mulheres.

Ainda demorou para que outros Grand Slams fizessem o mesmo. O Australian Open igualou as premiações em 2001, Roland Garros o fez em 2006 e, finalmente, Wimbledon, aderiu à igualdade de pagamentos em 2007.

Desde então, o tênis é o exemplo melhor que se tem no esporte na questão da igualdade de gênero. Os ingressos para partidas de Grand Slams, aliás, são vendidos sem especificação de "feminino" ou "masculino" – somente as finais têm essa distinção. Até mesmo na Olimpíada, há essa diferença entre as modalidades, e ingressos dos esportes femininos tendem a ser mais baratos do que os masculinos.

Sharapova também figura entre as mais bem pagas (Foto: AP)

Tudo isso ajuda a explicar por que as atletas mais bem pagas do mundo são, em sua maioria, tenistas. Porque em uma movimentação conjunta, elas conseguiram o reconhecimento que mereciam – apesar de muitos ainda questionarem a lógica da igualdade de premiação, como fez Djokovic aqui.

Aí vão sempre citar a lógica de mercado como justificativa – com a qual nós também concordamos, contanto que a lógica de oportunidades também seja a mesma. Falamos sobre isso aqui.

E no mais, fica como modelo para as atletas de outras modalidades: mirem-se no exemplo daquelas mulheres do tênis. Um movimento forte como o delas em uma época em que os direitos das mulheres eram ainda mais reprimidos foi crucial para que se atingisse um outro patamar no esporte. Se hoje atletas como Serena Williams e Maria Sharapova podem figurar nessa lista de atletas mais bem pagas do mundo, isso se deve muito à luta de Billie Jean King e suas companheiras.

Lista das atletas (mulheres) mais bem pagas:

Serena Williams – tênis
Caroline Wozniacki – tênis
Sloane Stephens – tênis
Garbine Muguruza – tênis
Maria Sharapova – tênis
Venus Williams – tênis
PV Sindhu – badminton
Simona Halep – tênis
Danica Patrick – automobilismo
Angelique Kerber – tênis

Lista dos atletas (homens) mais bem pagos:

Floyd Mayweather – boxe
Lionel Messi – Futebol
Cristiano Ronaldo – futebol
Conor McGregor – MMA
Neymar Jr – futebol
LeBron James – basquete
Roger Federer – tênis
Stephen Curry – basquete
Matt Ryan – futebol americano
Matthew Stafford – futebol americano

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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