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Pela 1ª vez, lista de 100 atletas mais bem pagos não tem mulheres; por quê?

Renata Mendonça

05/06/2018 15h02

Foto: REUTERS/Benoit Tessier

A Forbes divulgou nesta terça-feira sua tradicional lista dos 100 atletas mais bem pagos do mundo. E, pela primeira vez não há nenhuma mulher figurando neste ranking.

Desde 2010, quando a revista criou o novo formato da listagem, incluindo 100 nomes em vez de 50 (como era antes), sempre havia pelo menos uma ou duas representantes femininas: as tenistas Maria Sharapova e Serena Williams.

Sharapova foi pega no doping e, consequentemente, perdeu patrocínios e rendimentos. Já a supercampeã Serena, a maior tenista de todos os tempos, ficou afastada das quadras por um ano e meio desde a sua gravidez e, apesar de ter mantido seus patrocinadores, acabou não acumulando as premiações de torneios e, por isso, deixou de aparecer no ranking.

Há uma explicação para essa lista ser dominada por homens desde a sua criação. Homens ganham mais porque suas competições rendem mais lucros. Isso é fato. Mas o erro é parar apenas nessa justificativa. Porque há também alguns motivos que explicam por que as competições masculinas geram mais lucro – não é pura e simplesmente uma questão de mercado; é, principalmente, uma questão de gênero. E é por isso que propomos a discussão em alguns pontos expostos aqui.

(Antes disso, apenas algumas considerações: sim, se fizéssemos uma comparação com os/as modelos mais bem pagos do mundo, as mulheres assumiriam absolutas o topo da lista. Mas isso também acontece pela mesma questão de gênero que separa homens e mulheres no ranking dos atletas. Assim como esporte é considerado "coisa de homem" na sociedade e, por isso, atrai mais investimento, visibilidade e patrocínios para eles, a moda ainda é considerada "coisa de mulher" e, consequentemente, são elas que atraem mais investimento, visibilidade e patrocínio. Além disso, a moda, infelizmente, ainda é um caso isolado de mercado em que as mulheres faturam mais do que os homens. Conseguem pensar em mais algum?)

Vamos ao debate:

1) O esporte é um reflexo da sociedade – e nela, mulheres ganham cerca de 30% menos que os homens para desempenhar a mesma função.

A disparidade de gênero existe, é um fato na sociedade como um todo e, no esporte, não haveria de ser diferente (infelizmente). No Brasil, segundo estudo feito pelo site de anúncios de empregos Catho em 2018, essa diferença de pagamento para homens e mulheres pelo exercício da mesma função chega a 38% (a maior disparidade acontece justamente nos cargos mais altos).

Foto: Reprodução

2) Atletas homens ganham mais porque eles geram mais lucro do que atletas mulheres; competições masculinas movimentam mais dinheiro do que as femininas, por isso pagam premiações maiores para eles.

Essa seria a tal lógica do mercado. Mas mesmo essa lógica nos prega algumas peças. Vamos pegar o caso da seleção de futebol feminino dos Estados Unidos.

Segundo o relatório financeiro de 2015 da Federação Americana de Futebol, a seleção feminina gerou US$ 20 milhões a mais do que a masculina. Mas os pagamentos oferecidos pela mesma Federação por amistosos e jogos oficiais às mulheres foram QUATRO VEZES menor do que aos homens.

Elas são tricampeãs mundiais, tetracampeãs olímpicas, geram mais lucro que eles e continuam ganhando quatro vezes menos. Qual seria a "lógica" de mercado aí então?

Diante da situação, as jogadoras da seleção feminina dos EUA chegaram a apelas para a Justiça por pagamentos iguais – e até mesmo os homens da seleção americana apoiaram o direito delas.

"Nessa briga recente da seleção feminina, muitos jogadores da própria seleção masculina as apoiaram, disseram: 'vejam, elas são muito mais bem-sucedidas do que nós, não faz sentido pagar a elas menos do que a nós'", disse às dibradoras Brian Fobi, professor de Jornalismo Esportivo de Harvard que trabalhou por anos na Fox Sports, um dos principais canais esportivos dos Estados Unidos.

Foto: Getty

3) Esportes masculinos geram mais lucro porque têm mais visibilidade e espaço na mídia – a diferença é gritante.

É verdade que na maioria dos esportes, as competições masculinas geram mais lucro para os organizadores do que as femininas. Mas será que isso é apenas uma "casualidade"?

Uma pesquisa recente divulgada na New Yorker apontou que em 2014, a ESPN, principal canal esportivo da TV americana, dedicou 97% de tempo no ar falando sobre esportes masculinos. Só 3% de todo o tempo dos programas e transmissões esportivas na televisão foram "cedidos" a modalidades femininas.

No Brasil, o cenário é parecido – uma pesquisa da Organização Gênero e Número com dois programas esportivos de TV realizada semanas antes do início da Rio-2016 mostrou que os esportes femininos ocuparam apenas 12,9% do tempo total de transmissão no período.

"A maioria dos argumentos que você ouve sobre isso é que as pessoas não gostam de esportes femininos. Bom, para mim o motivo disso é que as pessoas não conhecem os esportes femininos", pontuou Fobi.

Se são os esportes masculinos que estão na TV, são os esportes masculinos que receberão mais dinheiro de patrocinadores. Afinal, marcas querem visibilidade, e se a mídia só fala de competições de homens, elas só irão investir em competições de homens. Aí sim vemos a lógica de mercado funcionando.

Brasil x Austrália, pelas quartas-de-final do futebol feminino na Olimpíada do Rio, foi a quarta maior audiência do evento (Foto: Reuters)

4) "A mídia não transmite competições femininas porque elas não dão audiência", é o argumento que se usa.

Isso é uma suposição, já que atualmente quase nenhum canal exibe competições femininas para confirmar que elas não dão audiência. Na Olimpíada do Rio, por exemplo, a quarta maior audiência do evento na TV brasileira foi as quartas-de-final do futebol feminino, quando a seleção brasileira derrotou a Austrália nos pênaltis – e olha que o jogo foi numa sexta-feira à noite.

Nos Estados Unidos, o recorde de audiência de um jogo de futebol foi o da final da Copa do Mundo feminina em 2015. Mais de 25 milhões de pessoas assistiram ao jogo, segundo dados oficiais da Fox – nunca uma partida de futebol havia conquistado tantos telespectadores.

Então, será mesmo que as pessoas simplesmente não têm interesse em ver esportes femininos ou será que elas não veem simplesmente porque não estão acostumadas a ver, porque eles nunca estão na mídia?

"A ESPN é uma empresa e eles dizem que não vão perder tempo com esportes que não dão audiência. Mas não dão audiência porque a ESPN não perde tempo com eles. E aqui está uma coisa: até 1994, pouquíssimos americanos gostavam de futebol, fosse ele masculino ou feminino. Mas a ESPN gastou rios de dinheiro para promovê-lo e agora milhões de americanos assistem à Copa do Mundo. Isso mostra que se você promove algo da maneira certa, se você faz com que as pessoas se importem com ele, então elas vão consumi-lo", observou o professor de Harvard.

Conclusão

É claro que a disparidade de pagamentos nos esportes femininos e masculinos não vai acabar de uma hora para outra. A conclusão aqui é que chegamos a um ciclo vicioso: mulheres recebem menos nos esportes porque suas competições são menos procuradas e rendem menos lucro; rendem menos lucro porque não têm visibilidade; não têm visibilidade porque não estão na mídia; não estão na mídia porque nunca estiveram.

A lógica de mercado valeria para determinar quem vai ganhar mais se as condições dos dois lados fossem as mesmas. Não se pode tratar igualmente os desiguais por essência. Se as mulheres sofrem com o machismo (que ainda as afasta dos esportes desde o início), falta de estrutura, falta de cobertura e ausência de patrocinadores, elas precisam receber incentivos extras em relação aos homens para que, num futuro próximo, possam se igualar a eles na lógica de mercado.

Diversos esportes foram proibidos (por lei) para mulheres por décadas – como o futebol, por exemplo. As modalidades femininas estrearam em Olimpíadas muitos anos depois das masculinas. Sendo assim, o desenvolvimento técnico dos esportes femininos e masculinos é diferente.

É como se fosse uma corrida e, ao ser dada a largada, as mulheres começassem já centenas de metros atrás dos homens. Nem Usain Bolt seria capaz de vencê-la.

E qual é a origem de tudo isso? Essa é a reflexão que propomos aqui.

É claro que a lógica de mercado existe, mas não dá nem para começar a falar dela enquanto um produto for sempre privilegiado em detrimento do outro. Quando as modalidades femininas e masculinas forem incentivadas igualmente, aí sim poderemos dizer que é o mercado quem dita as regras.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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