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Como o futebol se tornou um sonho possível para meninas nos últimos 10 anos

Renata Mendonça

29/05/2019 04h30

Maria Eduarda Machado e Isabela Christina, jogadoras do Em Campo e da base do Corinthians (Foto: Roberta Nina/dibradoras)

Não é que o futebol tenha sido um sonho "impossível" de se realizar para meninas e mulheres no passado – até porque elas driblaram até mesmo uma proibição por lei para seguir jogando. Mas, até pouco tempo atrás, as perspectivas reais para uma menina apostar no futebol como carreira não eram nada animadoras. Começa que ela não teria, literalmente, onde começar. Não tinha escolinha para menina. Também não teria onde jogar – não havia campeonato para menina. Os clubes eram poucos, os de base inexistiam.

Não dava para chamar de "profissional" um futebol que nem calendário tinha, não havia campeonato oficialmente organizado pela CBF, e até salário era raridade – o valor oferecido era mais uma "ajuda de custo" para bancar a alimentação e condução até os treinos. E, convenhamos, com essa realidade, ficava difícil alimentar os sonhos das meninas que tinham na bola sua paixão. Muitas acabaram desistindo no meio do caminho porque, na prática, "não havia" caminho.

Só que essa história está mudando. Mudou muito nos últimos 10 anos – aliás, até menos do que isso. Houve a criação de um Campeonato Brasileiro oficial em 2013. Houve a criação de uma segunda divisão desse campeonato em 2017. Pela primeira vez, a CBF ofereceu premiação aos clubes que disputam o torneio – isso veio também em 2017.

Teve a criação do primeiro torneio de futebol de base para mulheres do Brasil, o Paulista Sub-17, naquele mesmo ano. Teve transmissão do estadual pela internet e pela TV fechada no ano passado. Está tendo transmissão do Nacional e do Estadual na TV aberta neste ano. Teve a criação de categorias de base nos principais clubes do país em 2019. E está prestes a acontecer a primeira "peneira coletiva" da história do futebol feminino. Uma oportunidade para meninas de 14 a 17 anos mostrarem seu futebol para cerca de 14 times, entre os quais Palmeiras, Corinthians, São Paulo e Santos.

Foto: Divulgação Centro Olímpico

Se antes elas não tinham a oportunidade de sequer fazer um teste para jogar em um clube de futebol nessa idade, hoje poderão participar do evento que reunirá todas as equipes do Paulista Sub-17 – representantes deles irão selecionar jogadoras para fortalecer seus times. As inscrições acontecem até 31 de maio.

"Acho que é uma ação que mostra o quanto a modalidade evoluiu. A palavra pra essa peneira é oportunidade. Essa oportunidade que antes faltava. Agora elas podem estar sendo observadas pelos clubes que vão disputar o campeonato em agosto e fazerem parte de uma dessas equipes. Às vezes com 14 anos ela vai fazer a primeira vez, ficar nervosa, talvez não vai ter tanto sucesso, mas ela viveu aquela experiência, chegou perto, vai querer fazer de novo até conseguir entrar em um clube", explicou Aline Pellegrino, ex-jogadora e diretora de futebol feminino da Federação Paulista de Futebol (FPF), que está promovendo a peneira.

"Acho que vai acender uma chama de que elas podem sonhar ser jogadoras de futebol e que vão ter os campeonatos ali. Isso significa que elas têm para onde correr, onde tentar jogar, coisa que antes não tinha".

Foto: Divulgação

Não tinha mesmo. A própria Aline Pellegrino estreou no futebol direto no profissional. Daniela Alves, que hoje é técnica do Corinthians sub-17, foi para a seleção principal com 16 anos quando já jogava com as adultas no clube. Marta começou a carreira no Vasco passando num teste quando tinha 14 anos – e também não teve treinamento de base, jogou com a equipe principal. Muitas vezes há jogadores que pulam etapas para estrear cedo no profissional por serem muito bons, mas no caso do futebol feminino o que acontecia não era "pular uma etapa". Essa etapa simplesmente não existia.

A demanda reprimida era tanta que isso ficou claro quando alguns dos principais clubes do país promoveram suas primeiras peneiras para jogadoras sub-17. No Internacional, em 2017, mais de 700 meninas foram ao CT da Alvorada para os testes que selecionariam jogadoras para a base do time. No Corinthians, em 2018, foram mais de 800 inscrições para a peneira das garotas. São milhares, talvez milhões de meninas ao redor do país que sempre sonharam com uma oportunidade para jogar – e muitas vezes essa oportunidade nunca veio. Agora, a coisa começa a ser diferente.

Peneira do Corinthians para o sub-17 feminino

Com a exigência da CBF e Conmebol para os times de camisa manterem também as equipes de base no feminino, mais clubes surgiram no cenário de base e as meninas poderão começar a jogar mais cedo, com uma preparação mais forte antes de chegarem ao profissional. Elas terão o Brasileiro Sub-18 para disputar a partir deste ano. Começam a surgir também escolinhas de futebol para meninas, como o Pelado Real, que promove iniciação do futebol para meninas de 6 anos em diante. Os clubes passam a pensar em categorias de base para atletas cada vez mais jovens – o Fluminense e o Inter já tem sub-13 e sub-9, o Centro Olímpico em São Paulo mantém equipes do sub-9 ao sub-15.

E essa é a chave para o desenvolvimento do futebol entre as mulheres. Hoje, as meninas ainda começam muito tarde no futebol, com 7, 8, às vezes 10 anos de idade – enquanto os meninos começam com 2, 3. Sem estrutura de base, acabam chegando muito "cruas" ao profissional. E isso reflete automaticamente no nível do jogo. Quanto mais base as meninas tiverem, mais preparadas elas chegarão ao profissional e, consequentemente, estarão mais prontas para fortalecer a seleção.

A mudança está acontecendo. Já temos a melhor jogadora de todos os tempos, já temos mais visibilidade, já temos transmissões de jogos na TV, e temos uma multiplicação de clubes profissionais e de base em andamento. Por tudo isso, meninas como a Nati, do Avaí, a Jujugol, do PSG, e a Laura, da Ferroviária, já têm a resposta na ponta da língua quando ouvem a fatídica pergunta: "o que você quer ser quando crescer?". Jogadoras de futebol. Agora esse é, sim, um sonho possível e realizável.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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