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O caminho de Edina até o Mundial da Fifa: ‘É uma conquista de todas’

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20/01/2021 04h00

Foto: CBF

O Mundial de Clubes de 2020 no Catar, que acontece em fevereiro, será mais um episódio inédito na vida de Edina Alves Batista. Aprovada nos testes físicos da FIFA ao lado da sua assistente, Neuza Back, a brasileira é a primeira árbitra mulher selecionada para comandar um jogo profissional masculino organizado pela entidade máxima do futebol mundial.

Fazendo história numa profissão majoritariamente masculina, a paranaense de Goioerê faz parte do quadro da FIFA desde 2016, e "quebrar barreiras" é uma das suas especialidades. "Eu fui por 10 anos presidente da Liga de Futebol de Goioerê, a primeira liga de futebol amador que deu premiação em dinheiro aos participantes. Chegamos a dar 35 mil reais ao campeão. Você vê… uma mulher presidindo a Liga", conta a árbitra.

E a ligação de Edina com o esporte não parou, nem começou aí. É uma relação de anos, de uma vida inteira. "Eu jogava futsal, basquete, qualquer modalidade. Futebol de campo era mais difícil porque naquela época não tinham meninas suficientes para montar time, mas fazíamos mistos sim. Meu irmão sempre jogou futebol, minha irmã mais velha vôlei", diz a paranaense.

Foi durante as práticas esportivas que surgiu a arbitragem na vida de Edina. "Eu não tinha noção nenhuma sobre arbitragem, não conhecia ninguém. Na verdade, tinha aquela noção de quando a gente joga, tinha o envolvimento de montar equipe, de ser até "chata" em questão de querer tudo a favor da minha equipe", explica a profissional. "Você acha que conhece a regra, né", brinca.

A estrada até o sonho e quem caminhou lado a lado

Terceira de quatro filhos, o caminho até o Mundial de Clubes da FIFA foi árduo e cheio de altos e baixos, talvez por isso a preocupação da família quando Edina optou pela arbitragem. "No começo a minha família não entendia muito. Lá em 1999, quando comecei, não era tão comum. Eles nunca foram contra, mas não gostavam muito. Aí depois viram que eu realmente queria isso e não colocaram nenhum empecilho no meio. Me apoiam e torcem por mim toda vez que tem jogo", diz a árbitra.

"Realmente querer" é pouco quando se fala em sonho. Edina precisou abrir mão de muita coisa para conseguir o dela. "Na época que me formei, em 2001, podia bandeirar e arbitrar, mas eu sempre quis ser árbitra. Lá no Paraná eu apitava a base e o feminino e bandeirava no profissional do masculino. Quando cheguei na CBF em 2007, precisei optar e acabei indo para assistente", conta a paranaense.

E é nesse ponto da vida de Edina que entra uma pessoa muito especial, e as duas começam a traçar juntas seus sonhos e objetivos. "Conheço a Neuza Back faz 11 anos, conheci lá em Caçador, jogo do Kindermann. Ela toda quietinha, nem conversamos direito, só coisas do jogo mesmo. Depois fomos para a CBF, começamos a conversar, trocar ideias de lances, viramos amigas. Em 2014 numa conversa com ela e o Sérgio Corrêa (presidente da Comissão Nacional de Arbitragem da CBF na época), Neuza contou a ele que eu queria ser árbitra, e ele me disse que eu teria que começar tudo de novo. Eu já estava na Série A do Brasileirão bandeirando, não pensei em nada, era o que eu mais queria", explica Edina.

Foto: Arquivo Pessoal

"Eu só precisava convencer o diretor de arbitragem do Paraná a mandar os documentos para a CBF informando da minha mudança. Foi difícil, eu ligava para ele e ele não queria falar comigo, ele sempre quis que eu ficasse como assistente, então peguei o carro e dirigi 560 km para chegar lá na Federação Paranaense para assinar tudo", completa.

Determinada e focada no seu objetivo de se tornar árbitra, Edina não se importou com o recomeço no auge dos seus 34 anos. "Já estava trabalhando na elite do futebol brasileiro, era aspirante FIFA e aí foi aquela coisa de trocar o certo pelo duvidoso. Mas para mim não importava. O que importa é fazer o que gosta, é a realização de um sonho, todo mundo tem um sonho e se você está pertinho dele, não importa se você vai cair, o importante é que você está próximo dele e vai lutar para subir", aponta a árbitra.

A realização e o êxito de uma parceria

Após passar por todas as divisões, agora como árbitra (ela começou nesta função em 2014), Edina recebe sua primeira oportunidade na Série A do Brasileirão em 2019 e se torna a primeira mulher a apitar um jogo como esse em 14 anos (a última foi Silvia Regina, em 2006). "Eu acho que para tudo existe uma preparação. Tudo é no tempo de Deus e você tem que estar preparada para isso. Tem que viver tudo, não pode pular as etapas. Eu estava há 2 anos e meio na Série B, estava bem, fiz quatro jogos muito bons. Aí no dia 27 de maio de 2019 fui escalada para fazer CSA e Goiás", conta a profissional.

Foto: Reprodução/Instagram @ neuzaback

O ano de 2019 proporcionaria para Edina o auge da sua carreira até então: apitar Inglaterra e Estados Unidos pela semifinal da Copa do Mundo Feminina na França. E quem estava novamente ao seu lado? "A Neuza (Back) estava comigo no primeiro jogo em que bandeirei na Séria A do Brasileirão, em 2013. Depois em 2019 de novo ela estava comigo num evento importante para mim, como minha assistente, e mais uma vez juntas, dessa vez na França. Agora é o Catar", diz Edina, que vê na companheira um dos seus principais pilares na profissão.

"A gente divide apê em São Paulo, temos os mesmos sonhos, os mesmos objetivos. Ela é disciplinada, focada, minha companhia para treinamentos, na alimentação. Durante a pandemia, por exemplo, treinamos dentro do apê e foi muito difícil, longe da família, buscando motivação para nos manter focadas, preparadas fisicamente e torcendo para que isso passasse logo, para o mundo não sofrer tanto", completa. Ela também destaca a ajuda que a CBF deu pagando uma taxa de arbitragem mensal para os árbitros durante o período de paralisação dos jogos.

Profissão dominada pelos homens

Ciente de que faz história, Edina espera ver outras mulheres conquistando o mesmo espaço. "Eu quero é que cada vez tenha mais mulheres, em todas as profissões. A gente ainda é minoria e temos capacidade de buscar. A arbitragem, por exemplo, evoluiu. Hoje somos tratados não mais por homem ou mulher, somos árbitros, vemos isso em várias federações, na CBF, na Conmebol, na FIFA. Se você faz bem feito e com qualidade, você ganha uma oportunidade", diz a árbitra.

Árbitra paranaense, Edina Alves Batista, realiza teste físico ao lado dos homens para conseguir apitar a Copa do Mundo Feminina em 2019 (Foto: Acervo pessoal)

Entretanto, a paranaense sabe que a caminhada é difícil. "Tem que ter resiliência porque você vai passar por muitas coisas. Depois, tem que amar o que faz, senão você não vai ficar. O homem tem aquele selo de qualidade, a mulher não, você tem que ir lá dentro e mostrar que conhece mesmo e não pode errar. É a vida, nada é fácil. Homem ganha bola quando nasce, mulher a boneca, por exemplo. (Muita gente) Tem o pensamento pequeno, acham que é um mundo para não estarmos incluídas", aponta.

Quando o assunto é dentro do campo, Edina destaca a firmeza para lidar com jogadores e prega pelo respeito. "Eu sempre tratei as pessoas com respeito, nunca faltei com educação com ninguém, também não gosto que faltem comigo. Às vezes as pessoas acham que acontece alguma coisa dentro de campo e é só pedir desculpas depois, mas educação tem que ser em qualquer lugar. Se você se comporta daquela maneira dentro de campo, você se comporta na sua vida, na sua casa", destaca Edina.

"Dentro do campo de jogo eles me respeitam porque eu aperto. Vai lá e erra para ver se eles ligam se é homem ou mulher. A maior dificuldade é a pessoa não entender que o árbitro é um ser humano comum e sujeito a erro, quantos gols um jogador não perde na frente do gol, sem goleiro e tudo? Aí o árbitro comete um erro, tem que ser chamado por isso, crucificado por esse erro. Sou um ser humano comum, passível a erro, busco dentro de campo sempre melhorar", completa.

Para Edina, a arbitragem precisa urgentemente dar um passo maior. "Tem que ter a profissionalização, é o ideal. Todo mundo ali do meio é profissional, menos o árbitro e ainda exigem que ele seja perfeito. O árbitro às vezes tem duas profissões, ele que tem que tirar do tempo dele, da família dele para treinar, se dedicar, estudar. O jogador não. Para você se dedicar realmente você precisa estar ali focada, e precisar de outro emprego fica difícil", diz a árbitra, que abdicou de uma empresa de eventos esportivos para se dedicar ao seu sonho.

Mundial de Clubes da FIFA

Em uma volta despretensiosa de mais um treino, Neuza Back, no volante e com Edina no banco do passageiro, recebe uma ligação. "Era o Gaciba (Leonardo Gaciba, Presidente da Comissão de Arbitragem da CBF) dizendo que íamos para o Mundial. Na hora eu pensei que era algo do feminino, depois que caiu a ficha. A emoção tomou conta, passou um filme na cabeça, descemos do carro, a Neuza me abraçou, vibramos muito. Era um objetivo que tínhamos de trabalhar numa competição masculina", conta a árbitra.

Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Aos 40 anos, Edina Alves embarca com Neuza Back rumo ao Catar no fim de janeiro. Junta-se a elas Mariana Almeida, assistente argentina. Além do trio feminino, outros sete – todos masculinos – também estarão no Mundial de Clubes de 2020.

"Não é só minha e da Neuza essa conquista. É uma conquista de todas nós. Vai ficar na história. Pela primeira vez a FIFA coloca mulheres em competição de masculino e vai estar lá o Brasil", finaliza Edina Alves Batista.

*Reportagem por Mariana Pereira

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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