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Por que ninguém manda árbitros lavarem roupa quando eles erram?

Roberta Nina

24/09/2020 13h12

Jairzinho em transmissão da Botafogo TV (Foto: Reprodução/Youtube)

O "vai lavar roupa" que insistem em nos dizer no meio esportivo deu as caras, mais uma vez, na noite desta quarta-feira (23). Durante a transmissão de Vasco x Botafogo – partida válida pela Copa do Brasil – feita pela Botafogo TV no YouTube, o comentário machista foi feito por Jairzinho, ex-jogador e ídolo do clube alvinegro.

Depois de não gostar da marcação da árbitra assistente, Neuza Ines Back, Jairzinho opinou. "Está dando mesmo (dor de cabeça), está dando mesmo. Vai lavar roupa, pô. Pelo amor de Deus. Essa Federação Carioca de Futebol, pelo amor de Deus. Pô, bota para lavar roupa, pô."

Neuza tem 36 anos e começou a atuar como árbitra assistente pela CBF em 2008. Em 2014 foi promovida ao quadro de árbitros da FIFA. Já atuou em partidas de Jogos Olímpicos e Copa do Mundo – foi escalada para a semifinal do Mundial feminino em 2019, entre EUA e Inglaterra. Em nota oficial, a FPF (Federação Paulista de Futebol) repudiou o episódio e classificou os comentários de Jairzinho como "machista e misógino".

Não foi primeira e nem será a última vez que ouviremos – infelizmente – comentários desse tipo que nada servem para criticar o trabalho da profissional, mas sim, desqualificá-la como mulher. O "vai lavar roupa" que há anos despejam sobre as mulheres tem um único sentido: reduzir seu espaço de atuação e impor que seu lugar não é no campo de futebol, mas sim no tanque ou nos afazeres domésticos.

Claro que é importante observar que o comentário foi feito por um senhor de 75 anos que, com certeza, viveu essa época em que a presença das mulheres na sociedade se resumia a cuidar do lar, do marido e dos filhos. Obviamente que idade não exime a responsabilidade de quem agiu com machismo, mas há esse ponto a se observar.

O dever de combater o machismo, o racismo, a homofobia no dia-a-dia (inclusive no futebol) é de todos nós, sem exceção. É nosso papel não tolerar assédio na arquibancada, não compactuar com racismo na nossa torcida e na torcida do adversário, não se calar diante de contratações de atletas envolvidos em denúncias e processos criminais, não "passar pano" para ídolos que agridem mulheres e por aí vai.

Durante a transmissão da partida, Jairzinho estava ao lado de outros dois homens – bem mais jovens do que ele – e que não fizeram coro ao que o ídolo disse, mas também não o corrigiram no momento da fala. Essa intervenção é mais do que necessária para que o preconceituoso consiga refletir sobre o que disse. E também para não deixar passar incólume uma frase dessas, como se ela fosse aceitável em 2020.

O dever de combater o machismo não é só das mulheres, é de todos. É um posicionamento urgente que precisa acontecer independente de qual seja o nosso papel: cidadão comum, torcedor, amigo, parente ou jornalista.

Transmissão da Botafogo TV (Foto: Reprodução/Youtube)

O combate ao preconceito precisa estar presente nas redações, nos clubes de futebol, na arquibancada, nos bares, no ambiente de trabalho ou familiar. Precisamos ser parte dessa mudança, tomar atitudes, estarmos atentos e não tolerar mais que esse tipo de situação passe batido.

Não há mais espaço para o silêncio. Desmond Tutu, defensor dos Direitos Humanos e nome importante na luta contra o Apartheid na África do Sul, eternizou uma frase que devemos levar para a vida: "Se você fica neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor."

A reação dos torcedores e não-torcedores do Botafogo foi imediata nas redes sociais. Homens e mulheres repudiando a fala de Jairzinho demonstram que opiniões como a que foi dita na transmissão não esperam o dia seguinte chegar para que o erro seja reconhecido.

O clube deve se pronunciar em torno do assunto ainda nesta quinta-feira (e pelas redes sociais, o ex-jogador pediu desculpas à arbitra), mas a maior lição que fica é de que nós não podemos mais ser coniventes. O silêncio também é uma forma de se posicionar e, quem estava assistindo ao jogo naquele momento, percebeu que tudo seguiu na normalidade.

Não é mais normal, não é mais aceitável. Não basta apenas lutarmos contra o preconceito e injustiças se, quando ela acontece ao nosso lado, nós nos calamos. Não se trata de culpar a falta de posicionamento de quem estava na transmissão, mas vale ressaltar que nosso papel como cidadãos e comunicadores é de tomar partido, sim!

Eu, como mulher, torcedora de arquibancada, assumo esse papel dentro do estádio. Incomoda ver torcedores e até mesmo amigos usando termos machistas para nos ofender. Criticar o erro de um árbitro ou árbitra dentro de campo é totalmente aceitável e faz parte do futebol. O que não dá pra tolerar são insultos machistas e xingamentos desrespeitosos – muitas vezes obscenos – para desqualificar o trabalho de quem está no campo.

Goleiros e zagueiros falham, atacantes perdem gols, treinadores erram ao escalar um time e, vejam só, árbitros também erram. A diferença é que ninguém diz para esses homens que aquele lugar não pertence à eles ou que eles não nasceram para trabalhar com futebol.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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