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Sem contrato, jogadoras do Vitória ficam à mercê do descaso de dirigentes

Renata Mendonça

15/06/2020 19h13

Foto: Divulgação / Maurícia da Matta

*Por Juliana Lisboa e Renata Mendonça

Não é de hoje que o Vitória demonstra seu descaso com o futebol feminino. Desde que Paulo Carneiro assumiu a presidência criticando abertamente o investimento feito na modalidade, o clube desmontou a equipe profissional que garantiu o acesso à primeira divisão do Brasileiro feminino e manteve um time amador apenas para cumprir a obrigatoriedade da Conmebol e CBF.

Mesmo sem ter um orçamento relevante destinado ao futebol feminino, o presidente segue "atacando" a equipe das mulheres como um "empecilho" na sua gestão em meio a tantos problemas acumulados, segundo ele, pelas administrações que o antecederam. E, nesta segunda-feira, em entrevista à Rádio Sociedade, Carneiro mais uma vez demonstrou seu desrespeito ao time feminino.

"O Vitória tem um problema muito mais grave do que esse, que é conseguir equacionar esse saco de problemas que nós herdamos e que ainda tenho que ouvir gente preocupada com o futebol feminino. Você vai dizer 'Paulo, você não se preocupa com o futebol feminino?'. Sim, eu me preocupo com as prioridades do clube. O clube tem prioridades monstruosas, criminosas para absorver e as pessoas estão preocupadas com o que é que o Vitória fez com os R$ 120 mil do futebol feminino", afirmou.

De acordo com o presidente, o dinheiro destinado pela CBF aos clubes da primeira e segunda divisão do futebol feminino para manter os salários das jogadoras durante a pandemia foi dado ao clube, e é o clube que vai determinar o que será feito com ele. "Eu quero dizer que os R$ 120 mil foram dados ao Vitória, sabe? O presidente do Vitória faz do dinheiro o que ele quiser e assume suas responsabilidades pelos seus atos perante o Conselho Fiscal, está aí o balanço publicado. Nós sabemos o que é melhor para o Vitória."

Foto: Divulgação

O presidente do Vitória, infelizmente, não está totalmente "errado". O dinheiro da CBF foi dado aos clubes sem exigência de nenhuma contrapartida e sem a especificação no recibo de que a verba teria que ser usada para o futebol feminino. Por não ter criado um mecanismo de fiscalização que garantisse que o dinheiro chegaria às atletas, a confederação não tem como penalizar as equipes por não fazerem isso. O que a CBF tem feito é denunciar os casos no comitê de ética – o que já foi feito após a declaração de Paulo Carneiro.

Oficialmente, o Vitória diz que irá repassar a verba às atletas, que estão sem receber desde abril. O motivo pelo qual isso ainda não foi feito, segundo o clube, é que o dinheiro ainda está bloqueado na Justiça por conta das dívidas acumuladas pelo time baiano.

"(A fala de Carneiro) É um desabafo, porque estão dando uma dimensão desproporcional a situação do futebol feminino, quando a própria sobrevivência do Vitória está em jogo, fruto das más gestões anteriores, enormes dividas de pagamento a curto prazo, Covid-19 e seus reflexos altamente negativos nas finanças do Clube", afirmou o diretor jurídico do Vitória, Dilson Pereira.

"A prestação de contas mostra o delicadíssimo estado financeiro do Clube. Quanto à questão de resolver o pagamento do futebol feminino nada mudou. Todo o empenho do Clube para resolver a situação e na medida que o Clube tiver caixa ele fará o pagamento. Para se ter uma ideia, foi divulgada a obtenção de uma decisão judicial ao Clube, mas até hoje o dinheiro não entrou na conta devido a letargia da Justiça, embora diariamente façamos cobrança a respeito do assunto."

Para complicar ainda mais a situação, as jogadoras do Vitória não têm qualquer contrato assinado com o clube. No fim do ano passado, a gestão de Paulo Carneiro decidiu dispensar as jogadoras que eram CLT e manter apenas um time amador, majoritariamente sub-17, para cumprir a obrigatoriedade de disputar as competições femininas. Elas não recebem nenhum salário, só uma ajuda com transporte e alimentação.

Segundo apurou a reportagem, houve um contato do clube com as jogadoras para pegar as informações de contas bancárias delas e fazer o pagamento da verba destinada pela CBF. No entanto, nenhum valor foi pago até agora.

Vitória é o único time nordestino na primeira divisão do Brasileiro feminino; clube entrará com equipe sub-17 para a disputa em 2020 (Foto: Divulgação)

Sem o contrato formal, fica mais difícil para elas reivindicar pagamentos do clube na Justiça. Quando o clube atrasa pagamentos a jogadores do time masculino, o atleta tem respaldo da legislação trabalhista para exigir seus direitos "rapidamente". São dívidas como essa, inclusive, no futebol masculino que levaram o Vitória a essa situação lamentável (de penhora de bens e bloqueio de dinheiro na Justiça). Mas no caso do futebol feminino, o processo seria muito mais complexo, já que não há contrato assinado entre as partes (nem pela CLT, nem sem a CLT).

Diante dessa situação, as jogadoras do Vitória ficam à mercê de dirigentes que fazem pouco caso da modalidade. O Vitória, que não valoriza o trabalho do futebol feminino no clube (que conquistou de maneira honrosa uma vaga na primeira divisão e se manteve lá ano passado), e a CBF que não fez o trabalho que deveria para assegurar juridicamente que o dinheiro doado para manter salários das atletas seria efetivamente aplicado nisso – o Vitória não foi o único clube que hesitou em repassar a verba ao futebol feminino.

Enquanto o imbróglio jurídico e financeiro não se resolve, a Frente Vitória Popular criou uma vaquinha online para arrecadar dinheiro para ajudar as atletas nesse momento difícil.

É triste ver o futebol feminino nas mãos de dirigentes tão preconceituosos e desrespeitosos como Paulo Carneiro. Por outro lado, a torcida rubro-negra abraçou de verdade as Leoas e tem cobrado o clube pelos direitos delas.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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