'Nunca tive tanto tempo livre': como técnicos de futebol lidam com pandemia
Com um calendário cheio de jogos ao longo do ano, a vida do técnico de futebol costuma ser bastante agitada. Num esporte em que tem "decisão" toda quarta e domingo, fica difícil encontrar tempo para ficar com a família ou fazer qualquer coisa fora da rotina de treinos e estudos dos adversários. Sendo assim, a quarentena forçada pela pandemia de coronavírus apresentou uma novidade na vida dos comandantes dos times que lideram o Campeonato Brasileiro feminino neste ano: tempo livre.
As atletas, como temos acompanhado nas redes sociais, seguem fazendo treinamentos em casa para manter minimamente o preparo físico. Mas o que fazem os treinadores com o dia a dia sem compromissos de treinos, nem reuniões táticas com o time ou momentos de traçar estratégias para enfrentar o próximo adversário?
Antes da quinta rodada do torneio nacional começar, havia três times disputando a liderança: Ferroviária e Santos (com 12 pontos somados em 4 jogos) e Corinthians em seguida (com 9 pontos em 4 jogos e podendo retomar a ponta se vencesse a Ferroviária em casa no jogo da quinta rodada). Conversamos com os três treinadores das respectivas equipes (Tatiele Silveira, Guilherme Giudice e Arthur Elias) para saber como tem sido a programação deles nesses tempos de isolamento social.
Os três, como todos nós, estão aprendendo a lidar com uma rotina em casa e sem os compromissos tradicionais de trabalho, que exigem uma correria de viagens, concentração e pouquíssimo tempo livre para descansar. Por isso, o momento é para aproveitar a família (que raramente veem nos tempos de trabalho normal) e se acostumar com um fluxo de trabalho diferente, mas não inexistente.
"Essa rotina de quarentena é um desafio. A gente continua trabalhando, pensando futebol, pensando como a gente pode utilizar esse tempo de uma maneira produtiva, eficiente, assistindo jogos, buscando novos conceitos. A gente até cria alguns debates dentro da comissão sobre algumas ideias que a gente acha interessante ou alguma dificuldade da equipe que a gente já tenha identificado, ou alguma coisa que a gente pense lá na frente em colocar em prática. Agora, na parte do lazer, a verdade é que nunca pensei em ter tanto tempo livre", brincou Tatiele Silveira, treinadora campeã brasileira com a Ferroviária em 2019.
"A gente aproveita para ver filmes, séries, tenta ler alguns livros que ficam guardados na mochila, porque na vida normal a gente não tem muito tempo para isso."
Para Arthur Elias, comandante do Corinthians campeão da Libertadores e do Paulista no ano passado, o melhor da quarentena é poder aproveitar mais momentos com o filho, Aloísio, de dois anos e meio. Na rotina de trabalho com o futebol, o técnico tem pouco tempo para brincar com o garoto, e os tempos de isolamento têm proporcionado situações marcantes em família.
"Essa convivência com a família 24h por dia é algo que eu nunca tive a oportunidade de ter, eu fico muito pouco em casa na minha rotina normal, então acho que é um ponto que nos traz um conforto, ficar um tempo com a minha esposa e meu filho. Tenho brincado muito com ele, jogamos futebol, vemos desenhos, fazemos coisas criativas que a gente tenta inventar. Gosto muito de cozinhar também, então tenho feito a maior parte das refeições aqui e ajudando no resto das demandas", pontuou Arthur.
Já o comandante do Santos, Guilherme Giudice, enfrenta um desafio ainda maior nessa quarentena em meio a um tratamento contra o câncer. Entre sessões de quimioterapia e tempos de descanso dentro de casa, ele tenta aproveitar a família e aprofundar também os estudos sobre futebol.
"Tenho deixado um tempo para os estudos, e principalmente tenho analisado nossos próprios jogos (os quatro do Brasileiro) e a partir dali pensar em treinos e variações para a equipe. No mais, estou cuidando do tratamento e curtindo bastante o pessoal em casa. O bicho pega na hora do jogo de tabuleiro", conta o técnico.
Preocupação com as atletas
O grande foco dos três treinadores nesse período sem treinos e com muitas incertezas sobre o calendário é manter as atletas ativas, saudáveis e focadas. Conscientes de que os treinamentos em casa não vão conseguir substituir o trabalho que era feito no dia a dia no clube, eles tentam se manter próximos de todas elas para garantir que a perda física seja mínima no retorno.
O Corinthians, por exemplo, usou uma estratégia de um questionário com as jogadoras para entender qual espaço e qual estrutura cada uma tinha em casa para treinar. A partir daí, os preparadores montaram treinos específicos para elas, e a comissão técnica acompanha à distância.
"O objetivo é mantê-las em atividade dentro do possível, mentalmente e fisicamente. O prejuízo físico vai ter, mas quanto melhor elas se apresentarem quando a gente retomar, melhor será a sequência do nosso trabalho. Eu tenho entrado em contato com elas por telefone, por mensagem, e a gente fez uma reunião bacana com todo o grupo online com o objetivo de todas se verem, dar umas risadas e a gente passar algumas informações, trocar ideias sobre esse momento tão imprevisível. Agora a gente está programando reuniões com grupos menores de jogadoras para que seja mais objetivo e a gente consiga passar informações mais técnicas dos estudos mais aprofundados para elas", afirmou Arthur.
A preocupação dos técnicos é também com a saúde mental das atletas. Para uma jogadora acostumada a uma rotina intensa de treinos e jogos, a mudança imposta pela quarentena é grande. E aí o acompanhamento deles não é só para garantir que elas cumpram uma rotina de exercícios.
"Eu as procuro mais para saber como estão, como têm passado. Esse momento é complicado. Ficar em casa o tempo todo não é fácil. Quero mais saber delas, dar risada. O preparador físico está cuidando dos treinos, a fisioterapeuta tem dado atenção às dores que algumas estão sentindo. Mas o importante agora é ficar em casa, cuidar da saúde nossa e do outro", disse Guilherme, do Santos.
Nesse sentido, Tatiele também faz reuniões semanais com as jogadoras e cria, junto com a comissão técnica, formas de mantê-las motivadas mesmo nesses momentos de incerteza no cenário do futebol.
"Temos enviado pra elas atividades da parte física, da fisioterapia, e lançamos uns desafios para criar uma competição entre elas, até para motivar um pouquinho, fazer uma coisa diferente.Tento na medida do possível também saber como elas estão lidando com essa quarentena, nossa psicóloga também está acompanhando isso de perto, formando grupos de atletas para trabalhar junto. Estamos lidando com a parte mental, a gente tem que se manter muito fortes. ", finalizou a técnica da Ferroviária.
Ainda não há previsão sobre quando o Campeonato Brasileiro feminino retornará às atividades, nem sobre quando começará o Campeonato Paulista feminino (que teria início nesta semana, pela previsão inicial). Enquanto isso, o mundo do futebol se adapta como todos nós a esses tempos de pandemia global fazendo o que precisa ser feito – em casa.
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