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"Não queremos roubar espaço, só fazer parte", diz 1ª narradora Copa do NE

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07/03/2020 04h00

(Divulgação SBT)

*Por Juliana Lisboa, para a coluna ~dibres com dendê

Quando Manuela Avena foi escalada como a primeira mulher a narrar uma partida da Copa do Nordeste na história do torneio regional, vibrei demais por ela. E fiquei um pouco triste ao mesmo tempo. Explico: assim como ela, também estou escalada para trabalhar nesse jogo, Bahia x Confiança, às 16h deste sábado – mas em outra transmissão. Ou seja, estarei na torcida, mas não vou poder prestigiá-la.

E tem sido assim desde que nos cruzamos pelo jornalismo esportivo, há alguns anos: somos colegas de pauta, de bastidores, de resenha, sempre em veículos diferentes. Nunca tivemos a chance de fazermos parte da mesma equipe. A única vez em que dividimos o microfone foi numa transmissão de futebol feminino, Bahia x Olímpia, pela semifinal do Baiano de 2019. Manu na narração, eu nos comentários, e Luiza Peres na reportagem. Uma transmissão 100% feminina, promovida pelo próprio Bahia, aliás. Foi uma experiência deliciosa.

Naquela época, Manu estava fora do mercado de jornalismo esportivo. Ela também trabalha com publicidade, então estava nessa área até que foi chamada para compor a equipe esportiva da TV Aratu, afiliada do SBT na Bahia, que detém os direitos de transmissão da Copa do Nordeste em rede aberta.

Com experiência de Copa do Mundo (ela foi uma das narradoras selecionadas pela FOX Sports em para o Mundial de 2018, na Rússia, e até narrou gol de Neymar) Manu falou um pouquinho sobre a expectativa de voltar a narrar uma partida, a identificação com a Copa do Nordeste, a pressão de ser uma pioneira mais uma vez, a exposição da sua imagem e a vontade de abrir caminhos para outras mulheres. Tudo isso na meia horinha que conseguimos conciliar nossos horários.

Dibradoras: Quando você chegou na TV Aratu você vislumbrava a possibilidade de narrar uma partida?

Manu Avena: Eu fui chamada pra ser repórter da Copa do Nordeste em dezembro do ano passado e aceitei. Na época eu estava fora do mercado e achei uma boa oportunidade, sempre gostei muito da Copa do Nordeste. E essa é minha primeira experiência na TV. Eu já tinha trabalhado em rádio (na extinta CBN Salvador e na Rádio Sociedade da Bahia) e depois participei na FOX como narradora da Copa do Mundo, mas não fiz reportagem. E quando eu cheguei (na TV Aratu) ficava aquela coisa "ah, você é narradora, será que você narraria uma partida?", alguns torcedores perguntavam também. Eu sempre respondia "por enquanto não, mas quem sabe?", embora não fosse algo planejado ou discutido. Eu estava parada há muito tempo. E pra você narrar, estando sem prática por muito tempo, é complicado. Então foi isso que me deixou um pouco preocupada para esse sábado.

Dibradoras: Sua preocupação é mais técnica, então?

Manu Avena: Eu sei que as pessoas vão cobrar, então queria estar preocupada com a cobrança. Mas assim, como foi ventilada nos bastidores da TV essa possibilidade de narrar, então fiquei esperta e voltei a fazer meus exercícios. Eu venho do rádio, e quem vem do rádio vem com a cabeça muito acelerada. E eu sou acelerada por natureza, então é algo que eu preciso tomar cuidado com a TV. Nesse caso da Copa do Nordeste, eu fui repórter de campo em jogos fora de casa. Mas como esse jogo vai ser aqui em Salvador e Fábio Gomes vai assumir a reportagem, tive espaço para narrar. E casou com a proximidade do Dia Internacional da Mulher. É legal que reforça a homenagem.

Dibradoras: Então não foi um convite movido por conta do Dia Internacional da Mulher?

Manu Avena: Coincidiu, mas era uma coisa que já vinha sendo ventilada com Matheus (Carvalho, diretor de jornalismo da TV Aratu) e Pablo (Reis, gerente de conteúdo), mas nenhum papo sério. Foi só agora mesmo, quando eles me chamaram oficialmente e perguntaram se eu toparia o desafio. E eu topei!

Dibradoras: No caminho pro trabalho eu passei por dois outdoors com seu rosto estampado chamando para a transmissão. Como está sendo pra você essa repercussão?

Manu Avena: Eu não esperava que tomasse essa proporção, tá sendo a mesma da Copa do Mundo. Dá uma pressão porque, bem ou mal, tá todo mundo esperando. No Mundial, como eu nunca tinha narrado, eu estava menos pressionada. O treinamento, pra mim, foi algo quase que surreal, fantasioso. Ficar perto de gente que eu admirava… Demorou pra pressão bater, e foi bater justamente nos jogos. Eu fui narrar a Copa do Mundo sem ter narrado nada na vida. Eu não tinha bagagem nenhuma. E mesmo agora eu narrei, na minha carreira, uns 10, 12 jogos. Ainda é pouco. Normalmente quem narra começa com Série B de estadual, Série D de Brasileiro, e vai crescendo conforme vai amadurecendo. E eu comecei já na Copa do Mundo, foi um baque. Agora, quando eu vi meu rosto no outdoor, quando saiu a confirmação da escala e as pessoas começaram a me procurar pra falar, pra dar entrevista eu pensei "meu deus". Mas vou tentar dar o meu melhor.

Dibradoras: E os comentários? Têm sido animadores?

Manu Avena: Muita gente dizendo que vai ver, que quer conferir, que vai assistir. E curioso, tem torcedor dizendo "ah, tomara que ela seja melhor que Fulaninho ou Sicrano". Tem muita comparação.

Dibradoras: E comparação com homens…

Manu Avena: É, sempre com homens. Não tem como comparar com mulheres porque ainda somos muito poucas, ainda mais em rede aberta. Acho que as pessoas não entendem que a gente não quer tomar o espaço de ninguém, a gente só quer fazer parte desses espaços. E tem muita gente boa querendo espaço. Em rede social as pessoas dizem "mulher não tem que narrar, voz de mulher não passa emoção". Inclusive mulheres. Mas quem me aborda pessoalmente fala "pô, que massa que você vai narrar, bote pra lenhar"!
 
Dibradoras: O que você pretende fazer de diferente na Copa do Nordeste? O sotaque tá mantido? Vai usar gírias ou expressões daqui?

Manu Avena: Ju, na Copa do Mundo o sotaque foi o meu maior obstáculo. Eu tinha que limpar o sotaque e não conseguia. O sotaque é muito mais a entonação do que expressões, como o "a" ou "e" mais aberto ou mais fechado. Agora, que eu não preciso tomar cuidado com isso, fiquei mais tranquila. E sobre gírias… Tem muita coisa que você consegue planejar o que vai dizer, como uma saída de bola, por exemplo. Mas tem coisas que não, são do jogo, você tem que pensar rápido e aí você reproduz o que tem de repertório. No treinamento do Mundial, mesmo, narrei uma partida do Palmeiras na Libertadores e acabei soltando um "oxente, Dudu!", quando ele bateu super mal uma falta. E fiquei super nervosa com isso, embora o pessoal da coordenação tenha achado super espontâneo. Agora, então, eu posso usar e abusar do regionalismo porque sei que o público é "de casa", isso me deixa mais tranquila. Se eu sentir vontade de usar uma gíria, uma expressão, vou usar.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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