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1ª técnica negra da NFL tentou suicídio antes de descobrir o esporte aos 42

Renata Mendonça

07/01/2020 04h00

Foto: Arquivo Pessoal

O futebol da bola redonda nos Estados Unidos é considerado "coisa de menina". Mas o futebol da bola oval carrega por lá barreiras ainda maiores para as mulheres do que qualquer outro esporte. O tal futebol americano é considerado um esporte violento e completamente masculino – tanto que não há times femininos nesta modalidade nas universidades. Foi por isso que Collette Smith quando criança não pôde sequer sonhar em ser uma jogadora profissionl.

"Eu não tinha permissão para ter esse sonho", contou ela, que esperou 42 anos para ter a chance de fazer parte de um time de futebol americano só de mulheres em Nova York. Dali, ela passou a estudar mais o jogo e se tornou treinadora. E por sua própria insistência e ousadia, em 2017 ela se tornou a primeira mulher negra a ser técnica de um time da NFL (a liga dos EUA de futebol americano) no New York Jets.

"Quando eu vi 50 mulheres com uniformes oficiais jogando futebol americano, eu não pude acreditar. Tinha uma Collette adormecida dentro de mim e, quando eu me deparei com esse time, foi como se ela gritasse: me deixa sair. Eu não sabia quem eu era. Eu olhava para todas aquelas mulheres fortes, guerreiras. Eu, como sobrevivente de um estupro, como sobrevivente do suicídio, e eu olhava para aquelas mulheres e me senti conectada com elas, com um senso de irmandade", afirmou.

Traumas

A história de Collette teve muitos tropeços e, ainda bem, uma quantidade ainda maior de voltas por cima. Quando era criança, ela adorava jogar futebol americano, mas não podia fazer isso "oficialmente". Jogava com os meninos na rua, mas na escola não podia treinar com eles por ser menina. Quando estava no primeiro ano da faculdade, Collette passou pelo episódio mais traumatizante de sua vida: ela foi estuprada por um homem de sua família quando voltou para sua cidade para celebrar o Dia de Ação de Graças.

Foto: Arquivo Pessoal

"Eu tentei contar pra minha família, e minha avó só dizia: deixa isso para lá. Eu tinha que voltar pra casa nos feriados e dar de cara com meu estuprador jantando com a gente", conta.

O trauma fez com que ela abandonasse a faculdade de Veterinária e passasse a usar drogas. Collette se envolveu com traficantes, chegou a tentar o suicídio e foi só aos 42 anos que encontrou sua salvação no esporte. Em 2011, ela viu um cartaz anunciando uma peneira para o New York Sharks, uma equipe feminina de futebol americano.

"Eu sabia que eu não conseguiria uma vaga no time. Eu fumava, usava drogas eventualmente, era zero atlética. Mas eu devia a mim mesma essa chance", disse.

Mas Collette passou na peneira e foi chamada para o time. Isso mudou completamente seu estilo de vida.

"O futebol me salvou. A partir daí eu comecei a malhar, a comer melhor e me afastei das pessoas que me faziam mal. Eu precisava de pessoas que me levantassem e me ajudassem a ser melhor."

'Acredite em você'

Collette Smith realizou o sonho (ainda que tardiamente) de ser jogadora de futebol americano por três temporadas, mas sofreu uma lesão no joelho em 2014 que a tirou de vez dos gramados. Mas sua carreira no esporte, no fundo, estava só começando. Primeiramente, ela apostou no futuro como diretora de marketing do próprio New York Sharks e, nessa função, sua ousadia a faria chegar mais longe.

Foto: Arquivo Pessoal

Todos os dias, Collette bombardeava as redes sociais do New York Jets falando sobre a equipe feminina da cidade e insistindo que poderia haver alguma parceria entre os dois times. Isso fez com que dirigentes dos Jets a notassem e oferecessem acesso a ela no clube para acompanhar os treinamentos. Ali, ela teve contato com o treinador do time na época, Todd Bowles, e não perdeu a oportunidade de dar alguns pitacos sobre o time. O comandante percebeu a paixão e o entendimento que ela tinha do jogo.

"Uma das coisas mais importantes na vida é o conhecimento. Você tem que saber do que está falando para aproveitar as oportunidades que aparecem. Ser confiante e se mostrar confiante é essencial para conseguir o que você quer na vida e no trabalho. E ser confiante é também estar preparado. Conhecimento é poder", diz.

Todd Bowles viu um grande talento em Collette Smith e, nove meses depois, a convidou para um estágio nos Jets. Dali ela se tornaria a primeira mulher negra nos Estados Unidos a atuar como treinadora em um time da NFL – ela fez parte da equipe que treinava a linha defensiva do time, mais especificamente os "defensive backs".

"O conhecimento dela sobre futebol americano era fora de série. E a gente só tinha estagiários homens. Mas eu não a convidei porque ela é mulher, e sim porque ela era uma excelente treinadora e poderia render junto com o time", afirmou Bowles.

Foto: Arquivo Pessoal

Collette Smith fez história em 2017 na NFL e continua fazendo história com seu trabalho no futebol americano feminino. Ela ajudou a criar uma liga das mulheres com 16 equipes no ano passado e fundou uma ONG chamada "Acredite em Você" para empoderar meninas e mulheres a perseguirem seus sonhos. Hoje, a ex-atleta e treinadora de futebol americano visita escolas e faculdades trazendo sua história inspiradora para motivar as pessoas.

"Oportunidade, paixão e propósito, é isso que você precisa ter na vida. O esporte faz toda diferença. Ele faz você entender o que realmente importa. Só comecei a me amar de verdade por causa do futebol americano", concluiu.

*Tivemos a honra de conhecer e conversar com Collette Smith no Encontro da AWSM (Associação de mulheres da mídia esportiva dos Estados Unidos) em novembro de 2019, como parte da programação do programa de liderança do departamento de Estado americano (IVLP – International Visitor Leadership Program) em empoderamento da mulher pelo jornalismo esportivo. 

 

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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