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Gestão do Flamengo teve ano ‘quase perfeito’: mas faltou futebol feminino

Renata Mendonça

26/11/2019 04h11

(Foto: Ursula Nery)

Campeão carioca, campeão brasileiro e campeão da Libertadores. O Flamengo teve um ano dos sonhos no futebol e calou todos os críticos. E, diante do sucesso dentro de campo, não dá para esquecer o caminho trilhado fora dele para que isso fosse possível: anos de uma reestruturação financeira e uma gestão responsável deixaram o clube em condições de montar a seleção que tem hoje no elenco para poder brigar sempre por títulos. Hoje, o Flamengo não é só o time da maior torcida do Brasil – é também o time com o maior poder de investimento do país e, por isso, pode sonhar alto nos próximos anos e se manter no topo.

Foi um caminho quase perfeito até aqui. Faltou apenas um detalhe, um assunto que o Flamengo parece sempre se esquivar na hora de comentar – o investimento no futebol feminino. O clube mantém uma parceria com a Marinha desde 2015, onde é responsável apenas por organizar logística, enquanto o setor de exército paga os salários, oferece a estrutura de treinos e comanda a gestão da equipe. Nem mesmo a montagem do elenco fica nas mãos do Flamengo, já que as atletas precisam passar em concurso militar para poderem vestir a camisa rubro-negra. E a decisão sobre prioridades de disputa também é da Marinha – o que fez com que o time feminino desistissem de disputar a Libertadores neste ano para jogar os Jogos Mundiais Militares.

Foto: Divulgação Flamengo/Marinha

A grande "reclamação" dos clubes de camisa sobre a obrigatoriedade de investir no futebol feminino (em regra imposta pela Conmebol e pela CBF) é a "falta de dinheiro" para bancar um projeto que não tem, na cabeça deles, retorno financeiro. Pois bem, se tem algum clube que não pode reclamar de falta de dinheiro, é o Flamengo. O superávit de 2019 deve chegar a mais de R$74 milhões (dados de outubro). Além disso, o argumento de que o futebol feminino "não dá retorno" está começando a ficar pra trás. Já estão começando a surgir patrocinadores para os times femininos – o Corinthians, por exemplo, conta com a Estrela Galícia na equipe das mulheres e já tem boas propostas para ampliar isso no ano que vem; o São Paulo tem a Giuliana Flores; o próprio Campeonato Brasileiro feminino ganhou patrocínio da Uber. Será que o clube da maior torcida do Brasil não seria capaz de atrair marcas interessadas em apoiar o futebol feminino rubro-negro?

Raiza comemora o gol marcado na decisão contra o Fluminense (Foto: Marcelo Cortes/Flamengo)

Quando procurado, o Flamengo diz que a parceria com a Marinha "é ótima para os dois lados". E questionado sobre possíveis planos futuros para assumir essa gestão, o clube desconversa e dá uma resposta pouco objetiva.

"O clube trabalha com um planejamento a longo prazo. Hoje temos a categoria Sub-18, que disputou o Brasileiro da categoria (e ficou em quinto lugar com apenas cinco meses de trabalho) e o Campeonato Carioca. Estamos investindo nessas meninas, dando todo apoio possível e vamos manter tudo isso nos próximos anos. Nessa edição do Carioca Adulto, algumas jogaram no time profissional e a ideia é que essa transição aumente mais em 2020. Temos a Maria Peck, atleta nossa de apenas 15 anos, que foi convocada recentemente para a Seleção Brasileira Sub-17 e é considerada uma das melhores do país na posição e na categoria. Pretendemos fazer mais peneiras no Rio de Janeiro (como já fizemos duas esse ano) e seguir buscando atletas. Nós queremos fidelizar o futebol feminino e ajudar a modalidade a crescer ainda mais no Brasil", afirmou Vítor Zanelli, vice-presidente do futebol de base (pasta em que está o futebol feminino).

Foto: Divulgação Flamengo/Marinha

A torcida já cobra há algum tempo um comprometimento maior do Flamengo com o futebol feminino. Na final do Carioca neste ano, mas uma vez se ouviu na arquibancada o grito: "Não é mole, não, assume logo o feminino do Mengao". 

Mas a reportagem apurou que existe uma resistência interna quanto à participação do clube no futebol feminino. Alguns dirigentes não têm interesse e demonstram até certo desprezo pela modalidade. Até mesmo para conseguir um posicionamento para esta reportagem, foi preciso insistir bastante na comunicação, e nenhum pedido de entrevista formal com o responsável do clube pelo futebol feminino foi aceito – até porque, formalmente, não existe uma pessoa específica que cuide da gestão da modalidade de perto.

Organizada presente para apoiar o Flamengo (Foto: Laís Malek)

O que o Flamengo (e muitos outros clubes) ainda não enxergaram é que o futebol feminino hoje não deve ser pensado como um "projeto social", nem ter caráter "beneficente". Há inúmeros sinais de que esse é um mercado com potencial enorme, aqui e no resto do mundo. Não à toa a Copa do Mundo feminina na França bateu recordes de audiência e de interesse de mídia e patrocinadores. Não é por acaso que a "Womens Super League" na Inglaterra já tem patrocínio milionário da Barclays e segue aumentando a média de público a cada jogo (e o investimento dos clubes também). A Espanha tem um crescimento expressivo também de audiência e de público nos estádios – tanto que as atletas que jogam no pais chegaram a entrar em greve para pedir melhores pagamentos e condições de trabalho de um negócio que já começa a ser lucrativo para os clubes que investiram nele. No Brasil, chamou a atenção também a audiência de jogos do Brasileiro e do Paulista feminino, além do recorde de público de quase 30 mil pessoas na arena Corinthians na final do estadual. Para o Brasileiro de 2020, já existe disputa de TVs para definir quais canais irão transmitir. O momento não poderia ser mais propício. E não dá pra negar o potencial do Flamengo, tanto para investir, quanto para lucrar com o futebol feminino 

Vale ressaltar: há ainda que se questionar sobre a forma como o clube tem lidado com as famílias que reivindicam indenizações pela tragédia do Ninho do Urubu. Um dos episódios mais tristes da história do Flamengo que ainda está muito mal resolvido.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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