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Como Ferroviária se mantém no topo, mesmo com grandes no futebol feminino

Renata Mendonça

20/09/2019 09h10

Técnica Tatiele comemora com as jogadoras a classificação (Foto: Divulgação)

Em seis anos de disputa, o Campeonato Brasileiro feminino nunca teve um campeão repetido. De 2013 até aqui, Centro Olímpico, Ferroviária, Rio Preto, Flamengo, Santos e Corinthians conquistaram o caneco. É bem possível que essa história comece a mudar daqui pra frente, por conta da entrada e investimento dos times de camisa do futebol masculino, que agora são obrigados pela Conmebol a investir também em equipes femininas.

Provavelmente – assim como acontece no futebol dos homens – será cada vez mais difícil ver equipes com orçamentos mais modestos conquistarem títulos nacionais no futebol feminino. E, nesse contexto é que se destaca ainda mais a campanha da Ferroviária no Brasileiro deste ano. Sem nomes badalados e sem figurar entre os clubes que mais gastaram na temporada, o time de Araraquara chegou à semifinal do Campeonato Paulista e à final do Brasileiro, deixando pelo caminho, inclusive, times de muita tradição, como o próprio Santos nas quartas.

Para se ter ideia, aliás, na campanha da primeira fase do torneio nacional, a Ferroviária classificou em sétimo lugar, na penúltima vaga, conseguindo a pontuação no sufoco na reta final. Não era favorita diante das Sereias da Vila, atuais campeãs paulistas, nem mesmo diante do Kindermann, terceiro colocado na tabela. Ainda assim, venceu as duas equipes nos pênaltis e agora vai disputar o título com o "poderoso Corinthians", que vem se consolidando absoluto no futebol feminino, com 34 vitórias consecutivas neste ano.

Foto: Divulgação

Mas como a Ferroviária, time que nasceu de uma parceria com a prefeitura de Araraquara em 2001, que já foi campeão de tudo entre as mulheres (tetracampeão paulista, um título brasileiro, um da Copa do Brasil e um da Libertadores) poderia se manter no topo com um investimento tão inferior ao dos clubes de camisa? A missão soa impossível, porém a Ferroviária gosta de contrariar os roteiros prontos que a colocam como derrotada. E tem uma receita justamente na gestão de seu futebol para não "perder o bonde" no futebol feminino.

Conversamos com a gerente de futebol feminino do clube, Ana Lorena Marche, sobre os planos dela para garantir isso.

– Profissionalização

A Ferroviária tem equipe feminina há muito tempo – é um dos clubes mais antigos no contexto recente da modalidade. Tudo começou em 2001 em uma parceria com a prefeitura, que criou escolinhas e formou uma equipe adulta para disputar Jogos Abertos e Regionais (competições do interior de São Paulo). Isso vai até 2005. Depois disso, não há registros encontrados das atividades do clube até 2007 e 2008, quando o nome da Ferroviária passa a aparecer em súmulas e documentos oficiais da Federação Paulista de Futebol nas disputas de torneio federados no feminino.

Só que, nessa época, o clube pouco tinha a ver com o futebol feminino. Na realidade, o investimento para as mulheres vinha da prefeitura da cidade. Até que em 2016, houve uma reformulação para levar a gestão do futebol feminino para a Ferroviária. Isso passaria por uma profissionalização de todo esse setor dentro do clube.

Foto: Divulgação

"Nesses três anos, minha chegada veio principalmente para trazer esse projeto para dentro do clube. Profissionalizar a comissão técnica, que antes era da prefeitura, e hoje são funcionários de dentro do clube, com a gente escolhendo os nomes. Profissionalizar algumas coisas de estrutura e logística, metodologia de formação, a integração de base e profissional. E profissionalizar as atletas também, a gente começou fazendo carteira assinada para seis, hoje metade do elenco tem (são 29 atletas no elenco todo)", explicou Lorena às dibradoras.

"Para se manter no topo, a gente só vai conseguir com profissionalismo em todas as áreas, profissionalizando desde as categorias de base, profissional, ter parcerias cada vez maiores para o futebol. Saber a nossa capacidade de formar cada vez mais atletas. Fazer contrato de formação na base, contrato longo quando sobe. É como os clubes menores trabalham no masculino também", pontuou. 

– Formação de atletas

A melhor estratégia que a Ferroviária está usando para tentar fazer frente aos principais times do país (que carregam o investimento mais alto por terem mais recursos vindos do futebol masculino) é justamente aquela que sempre foi sua melhor qualidade: a formação de jogadoras.

Foto: Divulgação

Por ter nascido com a prefeitura, a essência desse projeto sempre teve escolinhas de futebol para meninas como pilar e também as equipes de categorias mais baixas. Com a gestão profissionalizada do clube, a ideia foi potencializar essa formação para que as atletas criadas ali fossem alimentando o time profissional.

"Nos dias atuais, com o investimento dos grandes clubes, a gente perde financeiramente. Temos um investimento muito menor do que os clubes de camisa. Como a gente compete com eles hoje? Com estrutura. Estrutura de carteira assinada, de contrato, de categorias de base. E o fato da Ferroviária sempre ter tido categorias de base ajuda muito", esclareceu Lorena.

"O investimento alto é feito na comissão técnica, na capacitação da comissão técnica pra gente formar essas atletas cada vez melhores e ter pratas da casa. Tentar melhorar o processo de captação, captar essas jogadoras mais cedo para formá-las, e aí elas vão chegar ao profissional mais prontas. Já tem meninas da nossa base que jogam Paulista sub-17 e estão no nosso elenco. Confiamos na comissão técnica para formar, temos um processo de análise de desempenho e de mercado muito bem feito para conseguir saber a característica da atleta que a gente vai trazer casando com o que o clube quer."

Foto: Divulgação

– Integração de base e profissional

Aí que vem o pulo do gato. Porque não adianta nada formar as jogadoras e "dá-las" de presentes para outros clubes – ainda mais para os rivais. Sendo assim, a Ferroviária criou um sistema interno que permitiu uma integração grande da base com o profissional para "abastecer" a equipe principal com os talentos formados ali.

"O auxiliar técnico do profissional é o técnico do sub-17. Isso é bom para para fazer a transição dela da base para o profissional. A gente criou uma metodologia própria na formação e também para o aproveitamento dessas atletas aqui dentro. Hoje 45% do nosso elenco é formado na base, isso diminui nosso custo, a gente forma nossas próprias atletas",   pontuou a gestora.

Foto: Divulgação

Ao contrário de projetos que acabaram sendo "temporários" no futebol feminino, a Ferroviária se manteve e hoje já criou raízes no clube para impedir que ele feche as portas para o feminino de repente. Consciente de sua própria capacidade e, ao mesmo tempo, ousando nos objetivos de onde quer chegar, a equipe de Araraquara foi galgando seu espaço em meio aos clubes de maior investimento no país e agora terá a chance de disputar o título brasileiro com o Corinthians neste domingo (e no próximo, dia 29) e também a própria Libertadores em outubro.

"A Ferroviária é um dos projetos mais antigos de futebol feminino do país. Com categorias de base, escolinhas para meninas de 8 a 12 anos, isso faz com que o projeto não acabe. Quando você tem essas escolinhas, esses projetos de base, elas vão fomentar o time principal, então com isso, a possibilidade de acabar é quase que nula. A tendência não é aumentar investimento, mas profissionalizar cada vez mais as estruturas", finalizou Lorena.

O primeiro jogo da final do Brasileiro acontece domingo (22) na Fonte Luminosa às 14h – com transmissão da TV Bandeirantes.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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