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Por que Corinthians x Fla feminino não pôde ser preliminar do masculino?

Renata Mendonça

22/07/2019 04h00

Foto: Bruno Teixeira / Corinthians

Corinthians e Flamengo se enfrentaram duas vezes em São Paulo neste domingo. Não, você não leu errado. Os dois times entraram em campo pelo Campeonato Brasileiro feminino e masculino. O primeiro jogo aconteceu no Pacaembu às 14h e teve a vitória corintiana por 1 a 0, que manteve o time alvinegro dividindo a liderança com o Santos na tabela. O segundo foi na Arena Corinthians às 16h e terminou empatado.

Aliás, os dois jogos também passaram na TV – a partida das mulheres na Band, e a dos homens na Globo. Ainda teve o jogo do Brasileiro sub-20 masculino que também aconteceu ontem, só que no Parque São Jorge e com transmissão do Sportv.

Ao longo desta semana e até mesmo neste domingo, esse fato chamou a atenção dos torcedores corintianos e de amantes do futebol feminino e muitos questionaram: por que não fizeram o jogo feminino como preliminar do masculino na arena?

A pergunta é simples, mas a resposta nem tanto. Fomos atrás das explicações e resumimos tudo aqui:

As preliminares do passado

Quem tem boa memória talvez se lembre de nomes consagrados do futebol feminino por aqui, como Sissi, Roseli, Pretinha, Michael Jackson. Essas atletas, que brilharam na seleção brasileira, também brilharam vestindo a camisa de equipes tradicionais no futebol das mulheres – como o Saad (em São Paulo) e o Radar (no Rio).

Na década de 1980 e 1990, foi comum ver jogos femininos antecedendo partidas do futebol masculino. Era uma forma de chamar a atenção dos torcedores para um novo esporte e também de ter um pouco de repercussão na mídia com o futebol das mulheres. Depois de quatro décadas de proibição, a modalidade precisava de algo assim para "se mostrar" ao grande público.

Foto: Arquivo Pessoal

"No passado, nos anos 1980, 1990,  as preliminares foram um grande fator de divulgação do futebol feminino. Foi um sucesso na época. Imagina o desafio que era para as meninas também enfrentar Maracanã, Morumbi, Brinco de Ouro, com públicos superiores a 50 mil pessoas. O Saad jogou para 120 mil pessoas no Morumbi e o Radar jogou pra 150 mil no Maracanã", contou às dibradoras Romeu de Castro, supervisor de competições do futebol feminino na CBF e ex-dirigente do Saad.

"As preliminares aconteceram de 1983 a 1988 principalmente. Em 1986 a gente teve uma fase final inteira do Paulista feminino realizada na preliminar do quadrangular final do Paulista masculino, sempre com público superior a 80 mil pessoas. A última grande preliminar foi uma final da Taça São Paulo, em 1993. Foi em São Paulo, mais de 90 mil pessoas no Morumbi, para o jogo entre Saad e Mogi das Cruzes. A Band transmitiu também, foi um sucesso."

Foto: Reprodução

É possível fazer hoje?

Com dois jogos envolvendo os mesmos clubes com o mesmo mando acontecendo no mesmo dia no feminino e no masculino, pareceria óbvio pensar em juntar ambos no mesmo estádio e chamar a torcida para uma rodada dupla. Mas não é tão simples assim.

A reportagem conversou com o técnico Arthur Elias do time feminino do Corinthians sobre a decisão de colocar o jogo delas no Pacaembu, e ele reforçou que não seria possível fazer preliminar por conta do horário. "Nosso jogo é o da TV (Bandeirantes), então tem que ser 14h. E aí não dá tempo de entregar o estádio para o jogo masculino às 16h."

Romeu também alerta para as diferenças de protocolo hoje que impossibilitam fazer o mesmo que já foi feito no passado. "Antigamente, o aquecimento não era feito no gramado. Naquela época, a gente terminava o jogo feminino faltando 20, 30 minutos para começar o masculino. Além disso, hoje você tem várias dificuldade estruturais para realizar isso. Primeiro que por questões comerciais, placas de publicidade e etc, você tem que ter o gramado liberado uma hora antes do jogo principal. Se a gente for falar da estrutura do futebol feminino, para um jogo masculino que começa 16h, teria que começar o jogo delas às 13h", pontuou.

Meninas do Nacional se trocam para o jogo contra o América em tenda improvisada no Independência ( ANA PAULA COELHO, JOGADORA DO NACIONAL)

"A estrutura de vestiários também é importante, se a gente estiver falando de Brasileirão feminino, obviamente que a gente quer dar o mesmo conforto pra todas as equipes participantes, então nós ficaríamos restritos a arenas que tenham pelo menos quatro vestiários. Enfim, são algumas situações para a gente pensar."

A questão dos vestiários é tão importante, que já causou um grande problema no passado. Em 2015, um jogo do time feminino do América-MG foi agendado para ser preliminar da partida do time masculino no Independência. Mas os vestiários ficaram reservados para os jogadores e as atletas precisaram improvisar tendas para se trocar.

Além disso, há clubes que alegam que não seria possível realizar o jogo das mulheres como preliminar no mesmo estádio porque "estragaria o gramado".

O que pensam os clubes?

A reportagem conversou com representantes de alguns clubes do futebol feminino e as opiniões a respeito de fazer os jogos delas como preliminares dos jogos dos homens ainda são um pouco divergentes. Barbara Fonseca, gestora do futebol feminino do Cruzeiro, é a favor de um esforço coletivo para que as preliminares aconteçam em algumas ocasiões específicas.

"A identificação do torcedor consequentemente gera o consumo daquele produto. Esse torcedor já esta fidelizado ao masculino, então a preliminar facilitaria essa aproximação, o torcedor criaria identidade facilmente, fazendo a roda do investimento girar. Trazendo público, trazemos a mídia também. A CBF precisa facilitar pra isso acontecer, determinar um prazo menor entre uma partida e outra e desconstruir essa ideia de que há um dano significativo no gramado. O futebol precisa se reinventar, fazer o evento ser mais atrativo e acredito que duas partidas,uma de cada gênero  aumentaria significativamente o número de interessados", observou.

A questão do protocolo dos campeonatos dificulta um pouco a realização da preliminar, porque seria preciso começar a partida feminina pelo menos três horas antes da masculina – o que significaria colocar as mulheres para jogar uma da tarde aos domingos, um horário pouco adequado para o futebol por conta do sol. Além disso, muitos defendem a ideia de que seria importante para o futebol feminino criar seu próprio público, em vez de estabelecer essa "dependência" do masculino.

Jogadoras do Corinthians agradecendo o apoio do público em partida realizada no primeiro semestre no Pacaembu (Foto: dibradoras)

"Tenho algumas ressalvas em relação a preliminar. Acho que o público é diferente. Vejo que, divulgando bastante, promovendo ações, etc, confio que colocamos um excelente público somente com nosso jogo. Contra o Iranduba foram mais de 5 mil. E isso fortalece porque as pessoas vão pra assistir ao feminino e isto fica claro. Na preliminar fica a sensação de depender do masculino, e acho que não dependemos", afirmou Arthur Elias.

 

Há ainda uma possibilidade sendo estudada de fazer o jogo do feminino após a partida do masculino. O que, para Romeu Castro, poderia ser mais efetivo. "Com 20 minutos depois do jogo profissional, você já conseguiria ter o gramado livre, aí a torcida sabendo, ela é convidada a ficar e acho que você mantém o público efetivamente interessado", avaliou.

A conclusão a que se chega é que pode ser interessante ainda neste momento fazer algumas rodadas duplas de futebol feminino e masculino no mesmo estádio, mas sempre considerando o melhor cenário para todos os envolvidos: atletas e torcedores. Mas nunca sem abrir mão de promover o futebol feminino por si só, porque ele tem mostrado cada vez mais seu potencial para andar com suas próprias pernas. Já houve a confirmação nesta semana do primeiro patrocinador do Brasileiro feminino e bons públicos registrados tanto na A1, quanto na A2.

 

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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