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'Futebol feminino é terra do lesbianismo', diz presidente do Tolima. Sério?

Renata Mendonça

20/12/2018 19h52

Foto: Divulgação Tolima

A partir de 2019, qualquer clube que vá disputar a Libertadores masculina precisará cumprir a nova regra da Conmebol: ter um time feminino (uma decisão que aconteceu em 2016, dando dois anos para as equipes se prepararem).

No entanto, como já era esperado, a resistência por parte das equipes até tardou, mas não falhou. Com a aproximação do prazo para o cumprimento da determinação, algumas equipes já classificadas para a Libertadores começam manifestar seu preconceito – e seu desconhecimento sobre a modalidade. Nesta quinta-feira, foi a vez do diretor do Tolima, time pouco tradicional da Colômbia, perder a oportunidade de ficar calado.

"O futebol feminino é um tremendo terreno fértil para o lesbianismo", afirmou Gabriel Camargo, presidente do Tolima.

"Isso (obrigatoriedade) é errado, não rende nada economicamente, e as mulheres só trazem problemas, são mais beberronas que os homens. Perguntem ao pessoal do (Atlético) Huila como estão arrependidos de terem conquistado o título (da Libertadores feminina) e por terem investido tanto na equipe", disparou o dirigente.

Uma fala cheia de preconceitos que gerou reações até mesmo de jogadoras colombianas. A meio-campista do Huila, Yoreli Rincón, se manifestou pedindo mais respeito pelo futebol feminino ao presidente do Tolima.

"Presidente Camargo, não se esqueça de onde vieram seus filhos. De uma mulher. Tomara que consiga fazer seu time bicampeão com jogadores que não bebem e não têm mais de uma mulher", afirmou a atleta em suas redes sociais.

 

Será interessante ver o mesmo presidente do Tolima daqui a alguns meses apresentando à imprensa a equipe feminina do clube. Porque, independentemente do que pensa ou deixa de pensar, de sua opinião sobre a modalidade, se Camargo quiser ver seu time masculino disputando a Libertadores, terá de se adaptar à regra da Conmebol e criar um time de futebol feminino.

É justamente por conta desses pensamentos retrógrados que essa obrigatoriedade infelizmente precisa existir. Em países mais desenvolvidos e evoluídos em termos de sociedade, o investimento no futebol feminino tem acontecido de maneira natural pela oportunidade de negócio que os clubes enxergam na modalidade. Foi por isso que o Manchester United criou sua equipe feminina neste ano, seguindo os exemplos do City, do Arsenal, do Liverpool, do Chelsea e de tantos outros que já tinham seus times femininos.

Na Espanha, aconteceu da mesma forma. O Barcelona oferece toda a estrutura para a equipe feminina, assim como o Atlético de Madri. O campeonato lá já teve um aumento substancial de audiência do ano passado para esse (40%) e tem caído cada vez mais no gosto das pessoas.

Mas em terras sul-americanas, segue o pensamento dos dirigentes velhos e ultrapassados. "Futebol feminino é a terra do lesbianismo", claro. Pesquisas comprovam que se uma mulher for vista chutando uma bola, semanas depois ela aparecerá com uma namorada. Afinal, é o futebol que tem o poder de determinar com quem ela irá se relacionar sexualmente. Faz todo o sentido, né?

Existem mulheres lésbicas no futebol, assim como existem mulheres heterossexuais que também jogam. Assim como existem homens hétero e homens gays que jogam (apesar de eles não poderem falar abertamente sobre isso por puro preconceito dos torcedores e dirigentes). A orientação sexual não é determinada pelo esporte que se pratica.

Huila investiu recentemente no futebol feminino e foi campeão da Libertadores neste ano (Foto: Divulgação)

Dizer que o futebol feminino "é território fértil para o lesbianismo" além de ser uma grande besteira e demonstrar ignorância sobre o tema, é também algo irrelevante quando o assunto deveria ser pura e simplesmente técnico. Um time de futebol feminino precisa apenas de mulheres que saibam jogar futebol. A orientação sexual delas não importa – o que importa é que elas saibam jogar bola. Ou seja, a justificativa dada pelo presidente do Tolima para não querer investir no futebol feminino não tem qualquer fundamento.

Sobre o fato de "não dar retorno econômico", como também disse o dirigente colombiano, isso é um pouco controverso. Primeiro porque fica difícil dizer isso quando ele sequer se propôs a investir na modalidade ou a conhecer o mercado do futebol feminino. Segundo porque há muitas experiências que têm provado o contrário.

Mais uma vez, o exemplo da Inglaterra e da Espanha mostram que há, sim, uma oportunidade de negócio na modalidade. Em Londres, a final da FA Cup feminina na última temporada teve recorde de público, com quase 50 mil pessoas no estádio. No México, a final do campeonato nacional também ultrapassou a marca de 40 mil na arquibancada.

No Brasil, a semifinal e a final da Olimpíada de 2016 (sendo que a final sequer envolvia o Brasil em campo) tiveram quase 70 mil pessoas no Maracanã. A quarta maior audiência dos Jogos Olímpicos por aqui foi um jogo da seleção feminina (quartas-de-final contra a Austrália). O maior público do Santos na Vila Belmiro neste ano foi o da Sereias da Vila, quando 13.867 pessoas estiveram no estádio na final do Paulista.

Tudo isso mostra que há, sim, um mercado e uma oportunidade de negócio. Quem quiser investir direito, pode, sim, ter um retorno. Mas quem quiser seguir reproduzindo preconceitos, até pode escolher esse caminho – só que vai acabar tendo que engolir as palavras e fazer o que manda a regra: ter um time de futebol feminino. Esperamos ver o mesmo Gabriel Camargo apresentá-lo no ano que vem – será que ele diria para as suas jogadoras o mesmo que disse hoje?

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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