As mulheres que ousaram treinar times masculinos no futebol
Se ainda existem barreiras para uma mulher comandar um time de futebol feminino fora das quatro linhas, imagine para aquela que deseja treinar um time masculino, então. São poucas as que conseguem, mas elas existem – e resistem!
Uma delas é Nilmara Alves, de 36 anos, a primeira mulher da história do futebol brasileiro a ter o seu nome registrado como treinadora no BID (Boletim Informativo Diário) da CBF. Ela comanda a equipe do Manthiqueira, que atualmente disputa a quarta divisão paulista.
Tímida e de poucas palavras (fora de campo), Nilmara treina o time de Guaratinguetá desde 2012. "Sou amante do esporte, principalmente do futebol e do futsal", afirmou Nilmara em entrevista ao podcast das dibradoras (você pode ouvir aqui). "Sempre joguei, mas chegou uma época da minha vida que precisei optar entre jogador bola e estudar".
Nilmara é formada em Educação Física, mora em Aparecida do Norte – cidade vizinha de Guaratinguetá – e sempre gostou de bater sua bolinha. Jogou contra times de cidades vizinhas de onde morava – Lorena, Taubaté a própria Guaratingetá –e acreditava ser possível ser uma jogadora profissional.
"Eu me via, sonhava às vezes que poderia jogar pela seleção brasileira, mas jamais pensei em ser treinadora, ainda mais de um time masculino, onde tem muito preconceito e a barreira é muito grande", revelou às dibradoras.
Quem lhe deu a primeira oportunidade para trabalhar com o esporte foi Dado de Oliveira, presidente do Manthiqueira, em uma escolinha de futebol para crianças que fazia parte do núcleo do São Caetano. "Fui trabalhando com homens e crianças e peguei amor pelo futebol masculino também", afirmou a treinadora que atualmente concilia sua profissão remunerada (é concursada da Prefeitura) com a profissão que lhe dar prazer, o futebol.
Mas antes de treinar a equipe, ela trabalhou como preparadora física do sub-15 e sub-17. No ano seguinte, o convite veio e Nilmara aceitou o a proposta e encarou como um desafio. "Aceitei para provar que a mulher pode exercer um cargo no futebol e provar que é tão competente quanto um homem", afirmou.
A treinadora confessa que no início, a novidade causou uma certa curiosidade nas pessoas da cidade. "Muitas pessoas não estavam acreditando. Iam pro estádio pra ver se tinha uma mulher mesmo ali treinando e me apoiaram.
"Com os jogadores, não tive muita dificuldade porque eu os conhecia da base e da escolinha do São Caetano e eles conheciam meu trabalho. E o presidente me deu total liberdade pra exercer o meu trabalho sem pressão. Achei que seria mais difícil, até que não foi tanto", disse.
Por ser um time pequeno e de uma cidade interiorana, o Manthiqueira – assim como tantos outros times – conta com o apoio da Prefeitura para se manter. "No primeiro ano, a gente se saiu bem, mas a gente não tem patrocínio, acaba que o presidente é quem banca o time e a gente não tem tanta verba", afirmou.
"Muita gente cobra um melhor desempenho dentro de campo, mas ninguém sabe o que a gente passa. O trabalho é feito da melhor maneira, o resultado é consequência. A gente vai no nosso limite, de acordo com o que a gente pode fazer", ressaltou.
Na profissão, Nilmara afirma ser uma treinadora que deixa o jogador tomar as rédeas do jogo sem interferir muito. "Como diz o presidente, o futebol é arte e o jogador é o artista. Na hora do jogo, ele tem a liberdade para tomar as decisões que achar melhor, claro, com responsabilidade. Se vejo alguma coisa ali da beira do gramado, passo uma instrução, converso, mas não fico ali berrando, cantando o jogo".
Um fato que marcou a trajetória da técnica –ainda no início de carreira – aconteceu quando ouviu um técnico adversário dizer abertamente que não aceitaria perder para uma mulher. "Foi um jogo contra o União de Mogi, nem lembro o nome do treinador. Acabamos o primeiro tempo perdendo por 3×0. Fui pro vestiário, dei uma dura na equipe e mudamos a postura pro segundo tempo. Sei que viramos o jogo e ganhamos por 4×3", relembrou.
O futebol no Manthiqueira volta à ativa somente no ano que vem, disputando a Copinha (Copa São Paulo de Futebol Júnior) e a quarta divisão paulista, que deve começar entre março e abril de 2019.
Para ano que vem também, Nilmara se prepara para dar mais um passo importante na carreira. Vai fazer o curso de treinador promovido pela CBF em julho. "Já fiz o Curso de Treinadores em São Paulo, mas é sempre importante estar preparada e adquirir conhecimento, ainda mais eu como mulher. A gente tem que se preparar mais ainda porque o preconceito e as críticas são maiores, então pra mim é muito importante", contou.
Olhando para o futuro, Nilmara tem objetivos que deseja cumprir. Um deles é levar o Manthiqueira a um patamar mais elevado do futebol e o outro tem a ver com o futebol feminino. "A princípio, o meu sonho é subir com o Manthiqueira e levá-lo numa série A1. Quero poder colocá-lo na mídia como um time forte, um clube de nome", revelou.
Mas apesar de estar no futebol masculino, a treinadora não abriu mão de realizar o desejo de trabalhar com o futebol feminino. A treinadora disse que não abre mão de 'fazer a cabeça' do presidente do Manthiqueira para que o clube também tenha a modalidade feminina. "A gente precisa arrumar patrocínio e meios de seguir", revelou.
Admiradora do trabalho de Emily Lima e Tite, a treinadora não abriu mão de realizar o desejo de trabalhar com o futebol feminino. Revelou também que não deixa de 'fazer a cabeça' do presidente do Manthiqueira para que o clube também possa ter a modalidade feminina.
"Quando me formei, meu sonho era montar uma equipe feminina em Aparecida. Mas os caminhos mudaram um pouco e eu fui pro masculino, mas não abandonei esse sonho, não", assumiu.
Além de Nilmara
Cada vez mais as mulheres estão ocupando espaços que seriam impensáveis de se conquistar anos atrás. O futebol feminino foi proibido de ser praticado por elas durante 40 anos aqui no Brasil e, se dentro de campo as barreiras existem, fora dele acontece o mesmo.
Há registros que contam que a primeira mulher a treinar uma equipe masculina foi Claudia Malheiro. Carioca, formada em engenharia agrônoma, Claudia trabalhou como preparadora física do Vasco-AC no ano de 1999, e chegou a ser técnica interina do time em uma oportunidade. Na ocasião, o treinador Ulisses Torres estava suspenso e coube à Claudia ocupar o cargo em algumas partidas válidas pela terceira divisão do Campeonato Brasileiro.
Depois do trabalho realizado no Vasco, Claudia recebeu o convite para ser a treinadora do Andirá Esporte Clube em 2000. Inicialmente, o trabalho no time acreano durou apenas um ano, mas ela retornou em 2006 e fez parte da campanha incrível que deu ao Morcego – apelido do time – o inédito vice-campeonato estadual.
Entre 2010 e 2012, Claudia trabalhou como coordenadora das categorias de base do Rio Branco-AC. Depois disso, ajudou algumas equipes na formação dos atletas.
Outro nome para destacar é o de Priscilla Mayla Grecco, ex-goleira, foi atleta de seleção brasileira e passou por diversos clubes como Juventus, Nacional, Internacional, Palmeiras, Cleveland Internationals e Santos.
Apesar de não ter conseguido ter uma carreira sólida na seleção brasileira, Priscilla foi campeã da Libertadores, Paulista e da Copa do Brasil. Encerrou sua carreira em 2011 e, dois anos depois, começou a trabalhar como preparadora de goleiros no Gremetal, time da Baixada Santista.
Formada em Educação Física e pós-graduada em Futebol e Futsal, Priscilla revela que se preparou muito bem pensando na transição de carreira. "Sempre tive em mente que precisava me preparar para o dia em que eu não estivesse mais jogando. O futebol me proporcionou muitas coisas boas, dentre elas a oportunidade de fazer faculdade. Quando parei de jogar, estava formada em Educação Física e iniciando uma Pós-Graduação de Futebol e Futsal. Foi na Pós-Graduação que tive o primeiro convite em trabalhar com futsal", contou em entrevista às dibradoras.
Hoje, a ex-atleta treina as categorias de base de futebol masculino do Gremetal e o sub-13 do Jabaquara. Sob o seu comando, a equipe avançou para a segunda fase do Campeonato Paulista Sub-13 como terceiro colocado no grupo 06, atrás apenas de Santos e Corinthians.
"Em fevereiro assumi o comando do sub-13 do Jabaquara. Naquele momento pude aplicar tudo que aprendi e venho aprendendo nos cursos e toda a minha vivência como atleta para orientar os jogadores da melhor forma possível. Vejo que o trabalho está em evolução constante, aos poucos conseguimos colocar nossas ideias de jogo", afirmou.
"O grupo que temos é muito focado e concentrado no que tem que ser feito dentro de campo, o que nos proporcionou chegar nas oitavas de final do Campeonato Paulista pelo segundo ano consecutivo, algo muito bom para o clube. O chaveamento do campeonato não era nada fácil, tendo como adversários Santos, Corinthians, Juventus, São Caetano e entre outros clubes tradicionais. Ficamos em terceiro lugar, atrás apenas do Santos e Corinthians", reforçou.
Além da formação e especialização, Priscilla se preparou ao longo da carreira para exercer sua profissão. Tem dois cursos promovidos pela CBF Academy, o de Preparação Física para categoria de base e a Licença A para Treinadores. Concluiu também o curso de Gestão no Futebol promovido pela Universidade do Futebol.
Mesmo apta e qualificada para exercer sua profissão, a técnica sabe das dificuldades que as mulheres enfrentam no futebol. "O futebol, infelizmente tem sua resistência em ter mulheres como treinadoras. Dentro de um corpo técnico de futebol as mulheres geralmente estão representadas como psicólogas, nutricionistas e assistentes sociais. Eu vejo que o futebol é para todos aqueles que estão qualificados para assumir qualquer cargo na área, seja masculino ou feminino. Até mesmo no feminino são poucas as mulheres no comando das equipes. Espero que no futuro tenhamos mais mulheres trabalhando com o futebol", revelou.
Como todas, Priscilla também precisou lidar com o machismo e o preconceito. "Uma vez, num curso de treinadores, um conhecido chegou até mim e falou que era melhor eu ir para a área de analista de desempenho do que ser treinadora, ainda mais no futebol masculino. Mas isso é algo que não me incomoda. Vejo o machismo como um paradigma que aos poucos estamos quebrando. Sei que o meu caminho e de outras mulheres no futebol masculino não vai ser nada fácil e teremos que romper barreiras. Com muito estudo e trabalho seremos reconhecidas e valorizadas no futebol, basta termos oportunidades para mostrarmos que somos capaz de comandar uma equipe de futebol", disse.
Para ouvir o podcast das dibradoras com Nilmara Alves, clique abaixo:
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