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Vadão: Cultura do futebol no Brasil só valoriza vitória, e não trabalho

Renata Mendonça

18/09/2018 04h00

Foto: CBF

Prestes a completar um ano em seu retorno à seleção brasileira de futebol feminino, o técnico Vadão coleciona resultados muito bons contra seleções mais fracas mas também acumula tropeços diante das equipes consideradas mais fortes e as reais adversárias da Copa do Mundo de 2019.

O aproveitamento dele no retorno (76%, com 17 jogos, 13 vitórias, 3 derrotas e um empate) é impulsionado principalmente pela campanha impecável na Copa América no início deste ano, aquela que garantiu a classificação do Brasil para Mundial e Olimpíada. Foram sete jogos e sete vitórias no torneio sul-americano, uma competição que a seleção só perdeu uma vez na história – o adversário mais forte enfrentado na ocasião ocupa a 26ª colocação no ranking da Fifa.

No entanto, nos últimos jogos, quando encontrou seleções que estão entre as 10 melhores do mundo, foram apenas duas vitórias e 3 derrotas (3 x 1 para a Austrália, 4 x 1 para os Estados Unidos e 1 x 0 para o Canadá). Um aproveitamento de 40%.

Mas o treinador atual da seleção brasileira não gosta de uma análise simplista dos resultados – e reclama que essa "cultura de vitórias" prejudica o trabalho feito no futebol brasileiro.

"Nossa cultura é a cultura da vitória. Então é complicado quando você joga campeonatos como esse do Torneio das Nações, que não é data Fifa, e aí você não consegue levar todas as atletas. Fizemos uma mescla para esse torneio, e acho que não foi o desempenho que a gente esperava", afirmou o treinador às Dibradoras.

"Temos que jogar somente contra seleções fortes. Nós temos que enfrentar esses adversários difíceis, mesmo que resultados sejam desagradáveis e que venham as críticas. Porque é isso que vai nos preparar para competições como o Mundial", reforçou.

Brasil só venceu o Japão no Torneio das Nações e perdeu para Austrália (3 a 1) e EUA (4 a 1) (Foto: Reprodução/CBF)

Vadão sabe da importância de construir esses resultados positivos, principalmente considerando o que já aconteceu no passado. Em setembro de 2017, ele substituiu Emily Lima, demitida após 10 meses no cargo por conta dos resultados que não vieram – ela teve 56% de aproveitamento à frente do time, com derrotas apenas para seleções do top 10 do ranking (Estados Unidos, Austrália e Alemanha, por exemplo).

Agora, terá um desafio ainda maior com a equipe: o Brasil enfrentará a Inglaterra no próximo dia 6 de outubro em amistoso marcado contra a quarta colocada do ranking da Fifa. Depois, em novembro, será a vez da França, que está em terceiro lugar.

"Tenho que levar o melhor time possível para tentar ganhar o jogo (contra a Inglaterra). Porque quando acaba a partida, ninguém quer saber se o time está mesclado ou não. O Torneio das Nações, ninguém quis saber se não foram oito atletas, quis saber só se o Brasil não jogou bem e não conseguiu bons resultados", pontuou Vadão.

"Por isso, não dá para chegar na Inglaterra com 10 jogadoras para testar. Temos que ir com o time que vem jogando. Senão a gente perde e você vai vir perguntar: cadê o padrão de jogo, cadê isso, cadê aquilo. Agora nós temos que olhar para o Mundial. Tenho que levar as melhores".

Neste papo com as Dibradoras, ele falou sobre o primeiro ano de trabalho no retorno à seleção, sobre a preparação para a Copa do Mundo do ano que vem e sobre a maneira de jogar que tem tentado implementar no time.

Leia os principais trechos:

~dibradoras: Como você avalia o desempenho da seleção no Torneio das Nações?
Vadão: O Torneio das Nações já estava programado para acontecer, foi fechado antes de eu chegar por dois anos esse compromisso nos EUA. É um compromisso que, para nós, brasileiros, é sempre um risco, porque a nossa cultura é a cultura da vitória. Esse torneio não é data Fifa, então você não pode levar todas as atletas. Dessas atletas mais experientes que nós costumamos levar, 8 delas nós não pudemos contar. então nós experimentamos outras atletas, jogadoras um pouco mais jovens, fizemos uma mescla para fazer esse torneio.

Não aprovei (o desempenho), não foi o que a gente esperava. Fizemos bom jogo contra Japão, bom segundo tempo contra a Austrália e contra os EUA foi o pior. Oscilamos muito contra as americanas. Mas quando você vai para um torneio desses em que você não treina, só joga, você vai para o primeiro jogo, aí pega o vídeo e tenta corrigir, não tem o trabalho de campo para corrigir. Se pegar o histórico nosso de bolas paradas, a gente vinha numa boa fase. E aí tomamos metade dos gols nesse torneio de bola parada.

~dibradoras: O Brasil também enfrentou duas vezes o Canadá, uma vitória e uma derrota. O que achou?
Vadão: Não gostamos do jogo contra o Canadá, principalmente do setor ofensivo. Tudo bem que era campo sintético, bola mais leve, mas nada disso justifica a gente não ter ofensivamente falando uma performance melhor, de ter criado mais chances. Foi um jogo muito truncado, tecnicamente ruim, feio. Não foi um bom jogo, numa bola parada, bate-rebate, elas se aproveitaram. No segundo jogo, nós tivemos muitas situações de gol. Tivemos uma performance melhor ofensiva, incomodamos o Canadá. Tivemos pelo menos cinco chances reais de gol.

~dibradoras: Uma das críticas que muita gente faz a você é sobre a falta de um padrão de jogo definido para essa seleção. Qual é a maneira da sua seleção jogar?
Vadão: Uma coisa é você jogar mal, outra coisa é você não ter padrão de jogo. Quem assistiu à Copa América, sabe que nós temos padrão de jogo. E esse padrão vem de uma herança da Olimpíada, a mesma maneira de jogar. Nós temos algumas variações, por exemplo, podemos jogar com a Marta pela beirada, ela consegue fazer muita jogada individual porque nós temos Bia e Cristiane como boas finalizadoras. Ou com a Marta por dentro, como atacante, aí você muda para um 4-3-3, então nós temos todas essas variações. Temos um padrão definido, nossa linha joga alta de acordo com o adversário.

Se você olhar a seleção, ela sempre tenta sair jogando, essa é a prioridade. Mas às vezes o adversário é competente e não dá essa oportunidade. Então quando somos muito pressionados, nós temos a opção que todo mundo vive criticando, mas parece que as pessoas precisam estudar um pouquinho mais, porque essa bola longa, nas costas do adversário que joga com a linha alta, é uma coisa que o mundo todo usa. Nós vimos na Copa masculina muitos gols gerados assim. Porque se você receber pressão na sua área, com certeza a linha de defesa do adversário está do meio campo para frente, tem um espaço maior, então na jogada longa a gente pode chegar, como chegamos várias vezes.

A seleção feminina conquistou a Copa América pela sétima vez em abril deste abo (Foto: CLAUDIO REYES A./AFP)

E essa jogada é raiz do futebol brasileiro: Gérson na Copa de 1970, Rivellino, vários jogadores que sempre jogaram com lançamentos perfeitos e longos. Faz parte da nossa herança. Você pra estar bem ensaiado, tem que estar treinando. Mas na Inglaterra a gente vai chegar um dia, treinar outro e jogar no outro.

~dibradoras: A falta de treino é real, mas é real também para as outras seleções, né?
Vadão: Sim. Mas tem que olhar para a fase das jogadoras. O Brasil está com algumas atletas entrando em férias nos Estados Unidos, algumas atletas em atividade na Europa, as da China jogam último jogo agora, e você vai pegar a Inglaterra que estava disputando vaga no Mundial. No auge. Diferente da gente que já tem a vaga. Não vou nem falar em motivação, mas em performance. A gente estava preparado em abril, qualquer equipe que fosse jogar com a gente em abril teria dificuldade, porque a gente estava muito bem treinado.

~dibradoras: Na Copa de 2015, o Brasil foi eliminado para a Austrália nas oitavas. Hoje, a Austrália já evoluiu bastante e tem feito frente às principais seleções do mundo. Mas o Brasil não teve toda essa evolução. O que fazer para chegar pronto na Copa para conseguir vencer essas grandes seleções? Como você pensa nessa preparação para o Mundial?
Vadão: Acho que nós tivemos na Olimpíada um poder ofensivo muito maior, nós temos que resgatar isso, porque as atletas são as mesmas. Não vou ficar justificando, nós mostramos isso nos Estados Unidos e no Canadá, então temos que melhorar o poder ofensivo.
Temos que jogar somente contra seleções fortes. Pegamos Canadá, agora Inglaterra, eu particularmente nunca enfrentei a Inglaterra, optamos por esse jogo para conhecer a Inglaterra de perto. Nós temos que enfrentar esses adversários difíceis, mesmo que resultados sejam desagradáveis e que venham as críticas. Para o ano que vem, tentaremos uma fase de treinamento no início do ano, tentar reunir pelo menos parte do grupo, a maior preocupação nossa é a parte física, trabalho de potência muscular. Na época da seleção permanente, teve atleta que ganhou 5kg de massa muscular. Na Olimpíada, nós chegamos muito bem fisicamente. Vamos fazer isso para dar uma base física para quem estiver disponível. Nós também estamos encaminhando para finalizar um torneio para enfrentar equipes fortes nas datas Fifa de fevereiro e março (de 2019).

~dibradoras: Quais posições você ainda vê como deficientes nessa seleção? A Formiga é uma que ainda não tem substituta…

Vadão: A gente vai mais uma vez conversar com a Formiga, porque ela está jogando em alto nível, foi campeã agora pelo PSG, então a gente vai falar de novo com ela para nos ajudar no Mundial. O que nos preocupa é que temos muita atacante que joga centralizada, a Debinha nos EUA, a Ludmilla, a Cris, só que não está mais surgindo atleta pelas beiradas, aquela que dá um ataque de velocidade para o 4-4-2.

Foto: CBF

A gente tem feito alguns testes, mas nesses amistosos, eu tenho que levar o melhor time possível para tentar ganhar o jogo. Porque quando acaba a partida, ninguém quer saber se o time está mesclado ou não.

~dibradoras: Um dos problemas do futebol feminino no Brasil é que a estrutura para a base é muito deficitária. Você quase não vê clubes com times juvenis, as jogadoras acabam indo direto para o profissional. Como vocês tentam fazer essa transição na seleção sub-20 (que hoje em dia tem sido muito elogiada pela 'boa safra') para a principal?

Vadão: É difícil mesmo quanto a esse preparo. Porque a seleção não tem o mesmo tempo que o clube. Quando tivemos a seleção permanente, ficamos com as atletas e aí houve uma evolução. Só que a seleção é um período muito pequeno para colocar tudo aquilo, tem que analisar cada atleta, a deficiência daquela atleta. Por exemplo, tem uma que sabe jogar bem ofensivamente, mas não defende bem. Mas é muito complexo porque nossa estrutura do feminino costumam ter orientação muito tarde. Uma atleta dos Estados Unidos, Canadá, França, começam a jogar com 6 anos. Então elas chegam com 11, 12 anos já com coordenação, com fundamento, chutando com as duas pernas.

As nossas atletas aqui, para cabecear, é um sacrifício. Não é a seleção que carece disso, é o futebol feminino brasileiro que carece de boas cabeceadoras. Aí você vai jogar com Suécia, Alemanha, elas cabeceiam. Porque o tempo de aprender os fundamentos para nós é pequeno. Imagina nós na seleção tendo que trabalhar fundamento? Mas no futebol feminino nós temos que fazer isso. O que precisa é os clubes começarem a ter base, para que na base sejam corrigidas algumas coisas que facilitam quando chegar na fase adulta.

~dibradoras: Quais adversários você considera que serão os mais difíceis na Copa de 2019?
Vadão: Antigamente se falava mais em Estados Unidos, Alemanha, até na França. Só que hoje você tem Canadá, Inglaterra, Austrália, não estou nem falando outras equipes que a gente não tem jogado…a Noruega, a Holanda. Mudou muito o cenário desses 3 ou 4 anos que eu estive.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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