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A genialidade de Marta, mais uma vez entre as 3 melhores do mundo

Renata Mendonça

03/09/2018 11h51

Foto: Getty

*Por Juliana Arreguy e Renata Mendonça

Nesta segunda-feira, mais uma vez Marta foi anunciada como uma das três finalistas do prêmio de melhor do mundo da Fifa. Ninguém venceu mais do que ela essa premiação – foram cinco troféus entre 2006 e 2010. Ninguém conseguiu manter essa constância – foram 14 indicações desde a primeira, em 2003.

É engraçado como às vezes parece que algumas pessoas vieram ao mundo predestinadas a mudar o curso da história. Marta Vieira da Silva dividiu a história do futebol feminino no Brasil – e até no mundo. Existe o futebol feminino pré-Marta e existirá um dia o pós-Marta. O que ela fez nesse meio tempo é inacreditável, inimaginável, incomparável. Algo que, se não existissem vídeos (como esse aqui) para contar, dava até para duvidar.

Leia mais: Para além de Neymar, precisamos falar mais sobre Marta

Mas infelizmente, apesar de sua importância inestimável, a história de Marta ainda não é tão conhecida por aqui. O maior ícone do futebol feminino passou por dificuldades sem fim, da pobreza em Dois Riachos, à viagem de ônibus de mais de 20h para o Rio de Janeiro, de clubes fechando as portas e a deixando sem nada até o frio absurdo da Suécia que congelava os pés – e, mais do que adversários, Marta enfrentou todo o tipo de preconceito. E venceu.

E como homenagem a ela em mais um dia em que seu nome figura entre as 3 melhores do mundo, trazemos aqui detalhes pouco conhecidos da história da nossa eterna camisa 10.

(OBS: o anúncio da vencedora do prêmio acontecerá em cerimônia em Londres no dia 24 de setembro).

 

Infância

Dois Riachos, no interior do Alagoas, sequer constava no mapa do Brasil quando Marta veio ao mundo. Criada pela mãe e pelos irmãos, sem ter sequer uma certidão de nascimento, encarou a labuta desde cedo para ajudar em casa.

Aos cinco anos conseguiu comprar seu primeiro calção de futebol com economias que havia juntado da venda de sorvetes. Ainda criança, atuou como goleira em jogos de handebol na escola Dom José Júlio de Freitas. Mas estava destinada a brilhar com a bola nos pés.

Foto: Divulgação Vasco

A canhota talentosa atraiu a atenção do professor de educação física, que a levou para disputar um torneio juvenil em uma cidade próxima. Com 9 anos, Marta era a única garota na equipe local que participou da competição.

Eleita artilheira e sagrada campeã em sua segunda edição, a menina não foi vista com bons olhos por muitos dos pais e mães que acompanharam suas atuações; a diretoria do torneio recebeu reclamações sobre a participação "de uma garota". Irmão mais velho de Marta, José a trancou em casa algumas vezes para impedir que jogasse futebol – ele temia que a caçula sofresse alguma hostilidade na rua.

No entanto, já dando mostras da forte personalidade que apresenta em campo, Marta sempre arrumava uma maneira de fugir para jogar bola. Depois de atuar por um tempo pelo CSA de Dois Riachos, recebeu um convite que mudaria sua vida. Marcos Roberto Silveira Pires, funcionário do Banco do Brasil que a viu no torneio de Santana do Ipanema e estava de mudança para o Rio de Janeiro, propôs que ela viajasse com ele para realizar um teste no Vasco.

Início

De posse de seu primeiro documento oficial, uma RG tirada às vésperas da viagem, Marta chegou ao time feminino do Vasco em 2001. Logo em seu ano de estreia foi convocada para a Seleção de base e, no ano seguinte, aos 16 anos, terminou eleita segunda melhor jogadora do Mundial sub-19, atrás apenas da canadense Christine Sinclair.

Marta, a maior artilheira do Brasil (Foto: Divulgação/CBF)

A recepção de Marta ao retornar do Mundial não foi das melhores: a equipe feminina do Vasco anunciou que fecharia as portas por falta de apoio. Sem outra perspectiva no Rio, Marta mudou-se para Contagem-MG, na Grande Belo Horizonte, para jogar pelo Santa Cruz, equipe amadora local. Com ajuda de custo de R$200, continuou enviando parte do ordenado para ajudar a família em Dois Riachos.

Mesmo jovem, aos 17 anos, herdou a antiga camisa 10 de Sissi na Seleção principal para atuar na Copa do Mundo de 2003. O Brasil foi eliminado pela Súecia nas quartas-de-final, mas o desempenho de Marta na derrota por 2 a 1 captou a atenção dos diretores do Umea IK, que acompanhavam a partida. O que, para a Seleção, parecia uma perda, para Marta significou a maior das reviravoltas: uma proposta para atuar na Europa. Aquilo parecia tão improvável para Marta, que quando ela recebeu o primeiro contato do time sueco, tinha a certeza de que se tratava de um trote.

"Eu nem sabia onde ficava a Suécia. Recebi aquela ligação e desliguei, achava que era trote", contou ela. Mas com a ajuda de sua primeira treinadora no Vasco, Helena Pacheco, ela verificou a procedência e a seriedade da proposta e logo estava de malas prontas para a Europa.

"Cheguei lá em fevereiro, estava nevando. Eu nem tinha casaco para aquele frio todo. Eu pensei: não é possível, devem ter me mandado pro lugar errado. Não tem como jogar futebol nesse frio todo", contou às dibradoras.

Apesar do frio, Marta não demorou muito para se adaptar no novo país. Aos 17 anos, chegou, enfrentou o frio, a neve, os pés congelando na chuteira, a língua que ela não conhecia – "mas futebol é uma língua mundial, né, dentro de campo a gente se entendia", disse ela – e logo o mundo foi descobrindo o talento daquela que um dia seria chamada "a melhor de todos os tempos".

Foi naquele mesmo ano, em 2003, que ela recebeu sua primeira indicação ao prêmio de Melhor Jogadora do Mundo da Fifa – outras 13 viriam em seguida.

Foto: AFP

Com o Umea IK, conquistou a Champions League feminina (2003-04), a Supercopa da Suécia (2003-04), quatro vezes o Campeonato Sueco (de 2005 a 2008), uma vez a Copa da Suécia (2007).

Foi lá também que ela desenvolveu o melhor de seu futebol para brilhar na seleção. Em 2003, já encantou a América ao ajudar a seleção brasileira a conquistar o ouro no Pan-Americano. O futebol feminino, que até então era completamente ignorado no Brasil, passou a ser lembrado por causa daquela menina que encantava os olhos de qualquer um que gostasse de futebol. E ela só tinha 17 anos.

No ano seguinte, em 2004, ela seria essencial na campanha histórica da seleção brasileira na Olimpíada de Atenas, onde veio a primeira medalha de prata do Brasil na modalidade.

Saindo da Suécia, Marta foi vive a experiência de jogar nos Estados Unidos, o berço do futebol feminino, no Los Angeles Sol, passou pelo Santos, voltou a terras americanas, viu seu time fechar as portas, jogou no Golden Pride, depois no New York Flash, depois voltou para a Europa – jogou no Tyreso e no Rosengard, ambos da Suécia – e agora brilha no Orlando Pride, nos Estados Unidos.

Mas talvez um dos jogos mais marcantes de Marta tenha vindo três anos depois, em 2007, na Copa do Mundo. Era a semifinal da competição diante dos Estados Unidos, o mesmo time que tinha derrotado o Brasil na dramática final olímpica de Atenas. Mas Marta liderou o time para uma goleada histórica: 4 a 0 em cima das poderosas americanas com direito a esse golaço que, como disse Luciano do Valle, foi de "de gênio".

O título não veio, ficou no vice de novo, quando paramos nas alemãs na final, mas ali já era possível dizer que Marta, a artilheira da competição com 7 gols, estava quebrando paradigmas e mudando a história do futebol feminino. Vendo ela jogar, não dava para dizer que "mulher não sabe nada de futebol" – ô se sabe. E como sabe.

Foto: AP

Auge

Uma das coisas que chama a atenção em Marta é como ela conseguiu manter seu auge por um longo período. Como ela é constante! E os anos de 2006 a 2010 provam isso. Foram cinco prêmios seguidos de melhor jogadora do mundo da Fifa conquistados com todo o merecimento. O mundo todo se curvou para Marta – nenhum homem jamais havia conseguido aquilo (hoje, Messi já atingiu o feito, mas não de maneira consecutiva).

No total, desde 2003, foram 14 indicações ao prêmio – e por 13 vezes, Marta ficou entre as três finalistas, incluindo esse ano, quando disputará o troféu com Ada Hegerberg, da Noruega, e Dzsenifer Maroszan, da Alemanha, ambas jogadoras do Lyon.

Fora isso, ela virou a maior artilheira da história da Copa do Mundo feminina, com 15 gols, em 2015 e, no mesmo ano, tornou-se a maior artilheira da história da seleção brasileira entre homens e mulheres, ultrapassando Pelé, que tem 95 gols em 114 jogos. Quando ultrapassou a marca, Marta tinha 14 jogos a menos. Hoje ela já tem mais de 100 gols com a camisa da seleção – e contando.

Marta foi eleita como melhor jogadora de futebol do mundo entre 2006 e 2010 (Foto: Reprodução)

Mas a maior conquista para ela não foram os prêmios individuais, nem os títulos com clubes e seleções. Marta considera que o que de melhor poderia acontecer em sua carreira veio em 2016, na Olimpíada do Rio de Janeiro.

"A gente foi aplaudida em todos os lugares que a gente passou. Enchemos os estádios, uma coisa de louco. Até hoje não conseguiu cair a ficha. Foi o maior prêmio que a gente podia ganhar", disse ela.

"Me deixa muito orgulhosa ver todo esse carinho, porque tá valendo a pena tudo isso que eu passei e que eu ainda passo. Uma vida inteira dedicada a isso, vale a pena."

Por tudo isso, o que temos que dizer hoje é OBRIGADA MARTA, por ter transformado a história do futebol feminino no Brasil. Graças a você, milhões de meninas se inspiraram e passaram a jogar bola, a sonhar um dia poder vestir a 10 da seleção brasileira. O prêmio da Fifa é só um detalhe, nosso maior orgulho é poder dizer que vimos você jogar.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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