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Roupas proibidas e regras ultrapassadas ainda atrasam tênis feminino

Roberta Nina

29/08/2018 15h45

 

*Atualizado em 30/08/2018, às 12h42. 

Esporte requintado, de elite e "bonito de se ver" quando mulheres entram em quadra com seus vestidinhos e sainhas brancas que levantam a qualquer movimento feito.

Os corpos esguios combinados aos figurinos "femininos" se tornam um atrativo na modalidade e quem ousa não seguir esse padrão pré-estabelecido pode ser criticada e até mesmo proibida de vestir o que quiser.

Nos últimos dias, casos de punição e proibição no tênis feminino vieram à tona, evidenciando o fato de que, apesar de tantas lutas travadas pelas mulheres, o esporte ainda as trata de maneira desigual e sexualizada.

Cornet punida

Um caso curioso envolvendo punição aconteceu nesta terça-feira (28/8) durante a primeira partida do US Open. Em quadra – além da temperatura absurdamente alta – as tenistas Alizé Cornet e Johanna Larson se preparavam para o intervalo que aconteceu entre o segundo e o terceiro set.

A pausa de 10 minutos foi estipulada durante os jogos femininos para que as atletas pudessem se hidratar, refrescar e até mesmo trocar a roupa que vestem.

E neste intervalo, a francesa Cornet trocou a blusa que usava. Voltou para a quadra, pronta para retomar a partida quando percebeu que havia vestido a blusa ao contrário.

E ali, no fundo de quadra, em questão de segundos, ela tirou a blusa que estava do avesso e a colocou de forma correta. A atitude gerou uma advertência por parte do árbitro que chamou sua atenção por conduta antiesportiva.

Cornet não perdeu nenhum ponto, mas foi chamada a atenção por violação de código de conduta e corria o risco de ser multada pelo ato.

A atleta não escondeu o espanto quando o árbitro geral da partida aplicou a regra. Ao que parecia, a imposição partia da WTA (Women's Tennis Association), a Liga das Tenistas Mundiais. Mas a Associação se pronunciou por e-mail na quarta-feira (29/8), esclarecendo que a regra que puniu Cornet não é uma regra imposta pelo circuito feminino.

Informou que se trata de uma aplicação da USTA, a federação americana, que organiza o US Open, e que aplica as regras utilizadas nos Grand Slams. A WTA disse ainda que não impoe nenhuma regra contra mudança de roupa em quadra.

A USTA, por sua vez, divulgou um comunicado dizendo que todos tenistas (homens e mulheres) podem trocar de roupa enquanto estiverem sentados em suas cadeiras. O torneio lamentou a punição a Cornet e conversou com os árbitros para que não aconteça novamente.

É importante citar que a polêmica gerou uma discussão. Afinal, para os homens, as trocas de roupas acontecem naturalmente. É comum ver tenistas como Nadal e Djokovic, se secando ali na beira da quadra, trocando de roupa, se hidratando, sem sofrer nenhuma atitude punitiva.

Djokovic enfrentou um calor de 39º no Aberto da Austrália este ano (Foto: Thomas Peter/Reuters)

Eles podem se vestir quantas vezes for necessário durante o jogo sem nem precisar sair de quadra. Para eles, todo o conforto e refresco necessário, para elas, uma bela advertência – e neste caso especificamente, a tenista apenas tirou a blusa porque estava no avesso e a vestiu imediatamente.

Não dá para aceitar que esse tipo de regra siga em vigência. As mesmas mulheres que brigaram por direitos igualitários e fundaram a WTA na década de 70 (falamos sobre o assunto aqui) precisam  realmente se posicionar contra essa proibição que, nos dias de hoje, soa antiquado.

Billie Jean King foi uma das grandes responsáveis pelas reivindicações por igualdade no tênis (Foto: Getty Images)

A ATP (Associação de Tenistas Profissionais), criada em 1972, defende os interesses masculinos dentro do tênis e para os jogadores, não há qualquer proibição neste sentido.

Nadal em competição, em 2014 (Foto: Reprodução/Rafael Nadal Fans)

O episódio causou espanto até mesmo em Judy Murray, a mãe do tenista Andy Murray, que reforçou a ideia de que os homens podem mudar a camiseta dentro de quadra.

Na tarde de quarta-feira (29/8), a direção do US Open divulgou um comunicado onde afirmou se arrepender pela advertência dada e que não irá punir a atleta. "Nós nos arrependemos de ter dado uma 'Violação do Código' a Srta. Cornet ontem. Felizmente, ela ficará apenas com o aviso dado em quadra e não receberá nenhuma penalidade ou multa. As jogadoras, se quiserem, podem também trocar de camiseta em um local mais privado próximo à quadra se quiserem", finalizou.

O comunicado ainda entrou no mérito sobre a política de mudança de trajes. "Todos os jogadores podem trocar de camiseta enquanto estão sentados na cadeira e isso não é considerado uma violação do código". Ainda bem!

Serena proibida

Ela não é branca, loira, de olhos azuis, alta e magra. Serena Williams é negra e forte, não segue em nada os padrões das demais tenistas que acabam ganhando os holofotes por conta de seus corpos e títulos de musas.

Já foi chamada de gorda, criticada por ser forte demais, com características masculinas que, para muitos, não condiz com a estética estabelecida para as tenistas mulheres.

Mas a resposta da atleta aparece dentro de quadra: maior ganhadora de Grand Slams da Era Moderna, foi campeã do Australian Open em 2017 – quando estava grávida – e soma 23 títulos das principais competições do tênis mundial no currículo.

No final de maio deste ano, Serena Williams, a maior tenista de todos os tempos – entre homens e mulheres – voltou às quadras após licença maternidade. Por conta do nascimento de sua filha Alexis, a tenista ficou afastada por um ano do esporte e retornou recentemente para disputar o torneio de Roland Garros.

Já falamos sobre as complicações que Serena enfrentou durante a gravidez, parto e pós-parto aqui e quando retornou ao tênis, a jogadora optou por um figurino totalmente fora do padrão para seu primeiro jogo em uma grande competição.

Retorno de Serena às quadras, em 2018 (Foto: EFE)

Vestindo uma calça comprida bem colada ao corpo e uma blusa preta, o traje de Serena recebeu o nome de "Mulher Gato" e ela mesma fez uma referência ao filme "Pantera Negra" ao dizer que estava se sentindo como uma "rainha de Wakanda".

A verdade por trás daquele traje vai além da estética. Tratava-se de um uniforme incomum, mas foi escolhido, em primeiro lugar, pela funcionalidade (auxiliava sua circulação sanguínea), por garantir seu rendimento e, ao mesmo tempo, sua saúde.

"Eu perdi as contas de quantos problemas de coágulos eu tive nos últimos 12 meses. Há uma funcionalidade para esse uniforme. É divertido, mas é útil também, para eu poder jogar sem ter problemas", explicou a jogadora na época.

Pois bem, há poucos dias, o traje de Serena virou alvo de uma polêmica. O presidente da Federação Francesa de Tênis, Bernard Giudicelli, disse em uma entrevista, que as calças e camiseta preta usados por ela não serão mais aceitos. Frisou ainda que os vestuários das atletas seguirão um código mais rígido e a direção precisará aprovar previamente os designs dos uniformes antes de serem usados. Em declaração à agência Associated Press, Giudicelli afirmou que "o traje desrespeitava a tradição do jogo".

Serena minimizou a polêmica, dizendo que havia conversado com o presidente e estava tudo bem. Mas durante entrevista aos jornalistas que cobriam o US Open, nos Estados Unidos, a tenista adotou tom de brincadeira em uma de suas respostas. "Quando se trata de moda, você não quer ser um infrator reincidente", disse ela.

Mas é claro que ser um ícone do esporte tem lá suas vantagens. Diante do que aconteceu, Virgi. Abloh, diretor criativo da Loius Vuitton Hommes e da Off-White, desenvolveu especialmente para Serena um traje especial para que ela pudesse jogar o torneio dos Estados Unidos.

Serena e o figurino desenhado especialmente para ela (foto: Julian Finney/Getty Images/AFP)

E foi assim, com um figurino único, que a maior estrela do tênis estreou na competição nesta terça (28/8). Com o conceito all black, a tenista usou um vestido preto de um ombro só com uma saia de tule bem rodada juntamente com uma meia-arrastão e um tênis branco.

"Com Serena, temos como musa uma das mais poderosas e inspiradoras atletas de nossa geração", explicou o estilista em comunicado. "Tentei captar o espírito dela e trazer algo desejável e novo para o tênis."

(Foto: AFP PHOTO / EDUARDO MUNOZ ALVAREZ)

O traje desenvolvido por uma das marcas mais importantes do mundo fashion não comprometeu em nada os movimentos da atleta em quadra. "É meio aerodinâmico, com o braço livre. É muito bom e fácil de jogar com ele. Foi divertido", afirmou Serena.

Serena venceu a partida derrotando a polonesa Magda Linette e respondeu a proibição de sua roupa antiga com estilo. O uniforme atual foi desenvolvido em parceria com a Nike – nas cores preta e branca – e faz parte de uma coleção inspirada na atleta que leva o nome "The Queen".

Na época da polêmica, a própria Nike – que patrocina Serena – se posicionou em suas redes sociais dizendo "você pode tirar um super herói de suas roupas, mas você nunca poderá levar embora seus super poderes."

No final das contas, o tênis feminino não pode mais aceitar ser refém de padrões estéticos e ser tratado como um esporte menos interessante do que o masculino. Elas precisam sim de direitos iguais em premiações, em regras e precisam ser livres para escolher a roupa que desejam em quadra.

Detalhe do figurino de Serena desenhado por Virgi. Abloh, diretor criativo da Loius Vuitton (Foto: AFP)

O esporte praticado por elas deve ser atrativo por conta de seu nível técnico, pela habilidade das atletas, pelo que elas representam no esporte e pela inspiração que são capazes de transmitir para tantas outras mulheres.

Jamais o que elas vestem ou simples fato de ver uma jogadora desvirar uma blusa que estava do lado errado pode ser mais importante do que o esporte em si.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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