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Fomos a Pequim para mudar a história do vôlei feminino, diz Fofão

Renata Mendonça

23/08/2018 11h12

Foto: Agência EFE

*Por Roberta Nina e Renata Mendonça

Até aquele 23 de agosto de 2008, a seleção feminina de vôlei era conhecida como aquela que sempre batia na trave – ou na rede, para adaptar a expressão para o vôlei. Eram dois bronzes conquistados em 1996 e 2000 e um amargo quarto lugar que veio em 2004 após uma derrota dolorida para a Rússia na semifinal – em um jogo que o Brasil vencia por 2 sets a 1 e por 24 a 19 o terceiro set, mas acabou tomando a virada.

Mas 2008 foi o ano para espantar todos esses fantasmas. Há exatos 10 anos, a seleção de Fofão e companhia conquistava o tão sonhado ouro olímpico com uma campanha para ninguém botar defeito: apenas um set perdido na final, todos os outros jogos terminaram em 3×0. Aquelas jogadoras haviam passado por tanta coisa até ali, que a história não poderia ter sido diferente naquele dia. Era ouro ou nada.

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"Acho que a gente mostrou o que é o vôlei feminino. Hoje, as pessoas olham para a modalidade de outra forma. Nós fomos lá para mudar a história do vôlei feminino – e conseguimos", disse Fofão, levantadora e capitã daquele time, às dibradoras.

Ela, mais do que ninguém, sabia o peso dessa história. Os Jogos de Pequim eram sua quinta Olimpíada e ela viveu de perto todas aquelas decepções até chegar no ano da glória. O jogo-chave para aquela conquista veio ainda na semifinal, segundo Fofão. Era contra as donas da casa, um time chato de jogar, que não deixa a bola cair por nada e que ainda contaria com todo o apoio da torcida.

"Contra a China, eu sabia que era a hora de decidir. Eram as donas da casa, é difícil jogar contra elas. Ali eu sabia que era tudo ou nada. Ou a gente mudava de vez a história do vôlei feminino ou retrocedia no tempo", afirmou a levantadora.

Foto: Divulgação CBV

Aquele jogo foi mais um atropelo da seleção brasileira. O placar foi de 3 sets a 0, com 27 a 25 no primeiro set, 25 a 22 no segundo e 25 a 14 no último. Uma lavada em cima das chinesas e a certeza de que, desta vez, não haveria quem tirasse delas o tão sonhado ouro.

Personagem importante dessa conquista, a ponteira Paula Pequeno também viveu um momento especial da carreira nessa Olimpíada. Ela havia sido cortada por lesão nos Jogos de Atenas, quatro anos antes, e sofreu vendo em casa a eliminação brasileira. Desta vez, ela conta que nunca viu um grupo tão determinado a voltar para casa com o ouro no peito.

"De todas as experiências que eu tive nesses mais de 20 anos de vôlei, eu nunca vi um time tão focado como aquele. Parecia que a gente estava em estado alfa. Estava conspirando mesmo para nós. Minha sensação era de que essa história jamais poderia ter outro final. O sentimento de vitória era muito forte", relatou a atacante às dibradoras.

 

Foto: Reuters

Pequenos cuidados rumo ao ouro olímpico

A liderança que Fofão exercia dentro do grupo parecia discreta para quem olhava de fora, mas, para cada uma das jogadoras do time, seu posicionamento era fundamental.

Capitã em 2008, ela não poupou esforços para ver o time focado no principal propósito: o pódio em Pequim. "Foi uma Olimpíada que eu tive muito cuidado, ainda mais pelo que eu vivi nas outras. Sabia que eu tinha uma importância e que eu era um ponto de apoio delas. Eu já fui jovem e sabia como era uma Vila Olímpica, então meu cuidado era com as mais jovens e com aquelas que estavam ali pela primeira vez", afirmou.

Ciente de que o contato com os atletas do mundo todo poderia distrair e desviar o foco do grupo, a atleta pediu ao treinador Zé Roberto que o time pudesse ter acesso a uma televisão exclusiva na concentração para assistir aos jogos da competição.

"A gente tinha uma TV para o prédio todo, que ficava na recepção, e ali chegava todo mundo, virava bagunça e aí perde o foco. Com a TV no apartamento, a gente se reunia mais e ali o objetivo era de estarmos sempre próximas", afirmou Fofão.

Foto: AFP

O foco, a união e o comprometimento com a equipe eram a marca daquele grupo. Até mesmo as jogadoras mais expansivas adotaram uma postura mais reservada para buscar o maior objetivo. Uma delas era Paula Pequeno, sempre muito agitada e brincalhona, mas que "surpreendeu" a capitã Fofão pelo comportamento contido em Pequim. "A Paula estava muito focada. Eu fiquei muito feliz com a postura dela porque a Paula é assim, ela já acorda bagunçando. Ela teve um comportamento e uma postura que chamou a atenção", contou.

Da mesma maneira em que buscava ter pulso firme, Fofão também sabia ser companheira e motivar suas colegas de equipe. Um dos gestos mais cuidadosos que a camisa 7 teve foi o de colocar bilhetinhos na porta dos quartos de cada jogadora para que elas soubessem o quão importantes eram para o time. "Foi uma maneira que encontrei de motivá-las", contou.

A conquista do ouro inédito para o Brasil foi como uma redenção, não só para Fofão que buscava o título desde 1992, mas também para outras jogadoras que, principalmente em Atenas viram a chance do pódio escapar de maneira inexplicável.

A derrota contra as russas marcou demais muitas delas, mas Mari foi o principal alvo das críticas na época. A ponteira marcou 37 pontos na semifinal contra as russas e teve nas mãos diversas chances de fechar o último set para o Brasil, mas desperdiçou seguidos ataques.

A derrota abalou toda a equipe, mas caiu sob os ombros de Mari a "culpa" pelos erros cometidos. A ponteira ficou tão abalada que não teve nem condições de disputar a medalha de bronze.

Em 2008, o ouro veio para coroar todo o trabalho da seleção feminina do Brasil e, claro, para fazer Mari extravasar por tudo que ouviu – da torcida e da imprensa – no ciclo olímpico anterior.

Foto: Getty

"Eu não sou favorável a esse tipo de manifestação, mas quando eu vi a Mari fazendo aquele gesto pedindo silêncio, eu não a repreendi porque sabia que ela precisava daquilo. Ela foi muito criticada em Atenas e achei importante ela ter esse momento de desabafar", afirmou Fofão, a capitã do ouro.

Mudança de patamar

A conquista da medalha de ouro ia muito além de apenas um resultado esportivo. A seleção feminina sabia que precisava daquele título para mudar de patamar – tanto aos olhos das pessoas, quanto (e principalmente) aos olhos da Confederação Brasileira de Vôlei.

Em 1992, quando a seleção masculina conquistou o ouro, o então presidente da CBV, Carlos Arthur Nuzman, colocou as meninas no fundo de uma sala após coletiva de imprensa dos campeões e disse que elas "deveriam aprender com os homens", conforme contou Ana Moser às dibradoras. À época, as mulheres não conseguiam reivindicar o mesmo tratamento e os mesmos pagamentos que os homens na seleção porque o argumento que os dirigentes usavam era sempre o mesmo: ganhem alguma coisa primeiro.

Foto: Divulgação FIVB

Por tudo isso, aquele ouro em 2008 representou uma mudança de status do vôlei feminino dentro da confederação.

"Sempre foi jogado para nós que enquanto a gente não ganhasse alguma coisa importante, a gente não tinha direito a nada, então a partir do momento que a gente foi campeã olímpica, a gente também foi reivindicar nossos direitos", destacou Fofão.

Naquele 23 de agosto de 2008, foi formada uma geração de campeãs, que também é resultado das gerações que as antecederam e construíram o caminho até ali. Depois daquela medalha, as sucessoras daquele time ainda mostrariam ainda mais a sua força conquistando o mais um ouro em 2012, quando já estavam completamente desacreditadas e deram a volta por cima. A história do vôlei feminino realmente mudou naquele dia: de amarelonas, elas se tornaram bicampeãs.

Veja a entrevista completa com Fofão e Paula Pequeno:

Assista ao documentário "Brilhante" que conta a trajetória da levantadora Fofão

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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