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A hipocrisia do Corinthians com Juninho absolve a violência contra a mulher

Roberta Nina

08/08/2018 04h00

Foto: Divulgação Sport

*Por Renata Mendonça e Roberta Nina

Na última sexta-feira, o Jornal Nacional exibiu quase 7 minutos de uma reportagem com imagens fortes dos golpes que o marido da advogada morta em Curitiba desferiu sobre ela na garagem e no elevador a caminho do apartamento onde moravam. Cenas que podem parecer chocantes, mas são mais comuns do que se pode imaginar no Brasil, o quinto país que mais mata mulheres por serem mulheres – os chamados feminicídios.

De lá pra cá, vimos outros casos se multiplicarem nas manchetes: Andreia, morta pelo marido em Santa Catarina; Carla, também morta pelo cônjuge em Brasília, e tantas outras que formam as estatísticas recordes de 13 feminicídios por dia no país. E enquanto você leu esses dois parágrafos, pelo menos duas mulheres já sofreram violência física por aqui – os dados mostram que a violência doméstica atinge uma vítima a cada 7 segundos. São 135 estupros registrados por dia em média – sem contar os inúmeros que não são registrados.

E diante de todo esse cenário violento e cruel, alguns raros clubes de futebol aproveitam sua visibilidade para ecoar a voz dessas mulheres que sofrem todos os dias na pele o peso do gênero com o qual nasceram. Foi o que fez o Corinthians ao celebrar os 12 anos de Lei Maria da Penha em um post em suas redes sociais nesta terça-feira.

Só que nesse mesmíssimo dia, apenas algumas horas depois, o time alvinegro – que inclusive apoia o futebol feminino e que recentemente criou uma campanha chamada "Respeita As Mina" -, caiu em contradição ao anunciar seu mais novo reforço para a temporada.

 

Trata-se de Juninho, atacante de 19 anos que estava defendendo o Sport Recife. A transação gerou muita revolta entre os torcedores do clube paulista.

Tudo isso porque o jogador – além de colecionar problemas disciplinares – responde em processo por agressão, ameaça e injúria contra uma ex-namorada. As agressões teriam acontecido em setembro de 2017 e no dia 06 de outubro do ano passado, a vítima solicitou medidas protetivas para que Juninho se mantivesse longe dela.

Na ocasião, a ex-namorada relatou que foi vítima de tapas no rosto e que foi trancada dentro de um quarto, sofrendo pressão do jogador para que ela ficasse com ele. "Quando falei que iria embora, ele levantou procurando uma faca, porque disse que teria que me matar, porque quando eu fosse embora, saberia que eu chamaria a polícia pelas agressões que ele fez. Deu murros no meu rosto, puxou o meu cabelo e disse que teria que me matar para poder proteger a carreira dele", relatou a vítima em entrevistas. Juninho pagou fiança de R$ 10 mil e foi liberado para responder o processo em liberdade.

Chega a parecer piada de mau gosto. Então o Corinthians combate a violência contra a mulher em campanhas de marketing, mas quando ela é cometida por um jogador que é do seu interesse, aí não tem problema – porque o que importa, afinal, é se ele vai jogar bem no fim de semana. É o futebol teimando em se isolar da sociedade, como um mundo à parte, em que tudo é permitido, desde que se faça gols e consiga os 3 pontos.

Em abril deste ano, o atacante Juninho foi emprestado ao Ceará e lá a torcida também questionou o clube sobre as acusações de violência doméstica envolvendo o jogador. O presidente Robinson de Castro disse à época que "contratou jogador pra jogar futebol, não foi pra casar com a filha de ninguém". Mais uma vez, o recado estava dado: o que importa para o futebol é o que se faz em campo, e não fora dele. Ainda que a atitude fora das quatro linhas seja um crime segundo as leis da sociedade, pela lei futebolística um gol ou uma boa performance absolvem tudo.

Acabou que o Ceará desistiu depois de alguns meses de contar com Juninho no elenco e quis devolver o atleta seu clube formador, em Recife. Mesmo sem citar motivos concretos, acredita-se que o Vozão se desfez do atleta por conta de seu comportamento e falta de disciplina.

E aí o Sport o negociou por empréstimo com o Corinthians. A coincidência do negócio se concretizar no mesmo dia da celebração de 12 anos da Lei Maria da Penha (data festejada, inclusive, pelo clube paulista) é só um detalhe. Mas ele escancara toda a hipocrisia da situação. Vamos  falar de machismo, igualdade e "respeita as mina" nas redes sociais. Porque no marketing, o discurso está afiado – mas, na prática, ainda falta muito. (O Corinthians segurou a confirmação da contratação, mas o Sport já oficializou em seu site).

Os torcedores e torcedoras não deixaram barato e criaram a #JuninhoNoCorinthiansNão, a segunda mais usada no Twitter ao longo da noite. O Movimento Toda Poderosa Corinthiana também repudiou a situação.

Foto: Divulgação Ceará

"O cara errar no campo tudo bem, agora contratar um cara que é agressor de mulher NÃO", dizia uma mensagem. Em outra, uma mulher desabafa: "Um dos maiores clubes, que luta pela inclusão das mulheres no esporte, que faz campanha pra respeitar as minas, vai lá me contrata um criminoso, que foi indiciado por agressão a sua ex namorada." E outra: "Não adianta fazer a tag #RespeitaAsMinas. Não adianta entrada gratuita para mulheres em amistoso, incentivar a ir ao estádio. Não adianta se pronunciar sobre os 12 anos da Lei Maria da Penha. Nada disso adianta se dá emprego a quem nos oprime, agride e mata".

Outros casos

Situação semelhante viveu o jogador Robinho no final do ano passado, quando foi condenado pela justiça italiana  pelo crime de estupro (falamos sobre o assunto aqui). O jogador defendia o Atlético Mineiro na época e muitas torcedoras também se manifestaram sobre o assunto.

No começo deste ano, o atacante foi cogitado como reforço do São Paulo, mas o clube também voltou atrás considerando a condenação em primeira instância por nove anos de prisão.

Essa não é a primeira vez que os clubes de futebol tentam ocultar ou ignorar crimes cometidos pelos jogadores. Não é possível desassociar a pessoa do atleta porque quando um jogador entra em campo, uma nação de torcedores vibra por ele e gerações de crianças se inspiram em seus ídolos – mais do que ser craque dentro de campo, o jogador de futebol também representa algo muito maior fora dele.

No caso do Corinthians, a situação é ainda mais gritante por conta de toda a campanha criada pelo clube em março deste ano, aproveitando o gancho do Dia Internacional da Mulher e da estreia da equipe feminina na Arena Corinthians. O time criou a #RespeitaAsMinas em parceria com o Coletivo Não É Não, apoiando a luta contra o assédio às mulheres.

Camisas especiais foram lançadas, a equipe masculina entrou em campo estampando a mensagem no uniforme e um vídeo institucional foi lançado, com as jogadoras do time feminino passando o recado aos torcedores.

O discurso precisa ir além do marketing. O Corinthians já escorregou em maio deste ano ao usar sua própria hashtag em provocações machistas contra o rival palmeirense após vitória por 1×0. "#RespeitaAsMinas #SemMimimi", tuitou o perfil oficial do Corinthians com um link para a matéria sobre o Palmeiras – e, mais precisamente, sobre Leila Pereira, dona da Crefisa, patrocinadora do time alviverde.

Tuíte foi retirado do ar após cerca de 3h no ar.

É inaceitável que uma instituição do tamanho do Corinthians não enxergue contradição entre aquilo que prega e aquilo que realiza. A manifestação da torcida é legítima e deve ser levada em consideração.

Um homem que agride uma mulher não é um "bad boy", como descreveram alguns jornalistas por aí -, ele é um criminoso. Não dá mais para relativizar a violência contra a mulher, nem fingir que ela não existe. Os números estão aí para comprovar. E está na hora de o futebol tomar algum partido nisso para além das campanhas de marketing vazias e hipócritas.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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