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A história por trás da foto mais emblemática dessa Copa

Renata Mendonça

02/07/2018 04h37

Foto: AP

Há quem diga que a imagem mais bonita da Copa do Mundo até agora tenha sido a da perna de Paulinho esticada para fazer um gol ao estilo "bailarino" em cima da Sérvia. Outros dirão que o registro mais belo foi o do abraço de Cristiano Ronaldo em Cavani ajudando o uruguaio a sair do campo quando ele mancava de dor.

São fotos muito bonitas, é verdade, mas a mais emblemática dessa Copa até aqui não foi tirada na Rússia.

Essa imagem de uma torcedora argentina amamentando sua filha enquanto vibra com pela seleção argentina em uma praça que reunia torcedores em Buenos Aires é a mais representativa e ao mesmo tempo, a mais simbólica desse Mundial.

 

O registro foi feito pelo fotógrafo do jornal La Nación no dia 26 de junho, quando a Argentina enfrentava a Nigéria em um jogo tenso valendo a classificação para as oitavas de final da Copa do Mundo. Hernan Zenteno estava na praça San Martin, na capital argentina, onde milhares de torcedores assistiam à partida com apreensão, quando flagrou a cena mais bonita deste Mundial: uma torcedora vibrando com a seleção e, ao mesmo tempo, amamentando a filha que estava em seu colo.

A imagem chama a atenção pela liberdade que representa. As mulheres, que são tão excluídas do futebol, que sofrem preconceito e assédio quando estão na arquibancada, estavam ali livres, torcendo como todos os outros homens da foto. Mais do que isso, a mulher em questão estava amamentando sua filha, um direito que deveria ser natural, mas que é tão julgado por uma sociedade que ainda consegue "sexualizar" o simples ato de alimentação de uma criança.

Em entrevista às ~dibradoras, Hernan Zenteno contou por que aquela imagem chamou sua atenção.

"Já havia feito fotos do jogo anterior no mesmo lugar contra a Croácia, mas não havia encontrado um momento como esse. Me pareceu que poderia ser uma imagem forte para mostrar a paixão pelo futebol", afirmou.

Foto: Reprodução

"A princípio, não fiquei impressionado com o lado feminista da foto, já que muitas mulheres aqui são fãs de futebol, não é a primeira vez que tiro fotos de mulheres 'alentando' (termo em espanhol usado para se referir à torcida apoiando o time) suas equipes ou reagindo a um jogo. O que é polêmico para algumas pessoas – não para mim – é o fato de ela estar amamentando em público", ressaltou.

A torcedora argentina gritando, alentando, e amamentando nesta imagem representa o grito de liberdade de todas as mulheres por direitos que deveriam ser básicos: o direito de ser tratada como igual, seja na rua ou na arquibancada. E o direito de poder alimentar seus filhos sem o julgamento social que muitas vezes lhes é reservado.

Em 2017, a pesquisa Global Lasinoh do Aleitamento Materno 2017, da empresa de produtos para amamentação Lansinoh, mostrou que no Brasil 40% das entrevistadas disse ter sido criticada por amamentar em público. Na Argentina, Zenteno contou que também em 2017 houve uma manifestação grande das mulheres em Buenos Aires para defender esse direito, que é o mais natural e saudável para o bebê.

Por tudo isso, o simbolismo que uma simples imagem como essa nos traz é imenso. É como se ali, ao menos naquele momento, talvez durante aqueles 90 minutos em que o país inteiro parou para ver a Argentina vencer a Nigéria no sufoco e confirmar a classificação (que depois viraria eliminação nas oitavas contra a França), a mulher pudesse ser livre.

Livre de preconceitos e julgamentos, do questionamento sobre "o que é impedimento" ou sobre a "escalação de sua seleção", do olhar de repreensão do "procure um lugar reservado para amamentar sua filha" ou "você não pode sair por aí mostrando seu peito". Apenas livre para ser quem quisesse no lugar que escolhesse – que no caso foi a arquibancada improvisada na praça para acompanhar o jogo.

Zenteno contou que, naquela hora, não conseguiu falar com a torcedora, mas a procurou depois, no jogo seguinte, e só encontrou o resto de sua família. Tudo o que descobriu sobre ela é que é uma vendedora ambulante de Buenos Aires apaixonada por futebol.

"Ontem, sábado 30, saí do horário de trabalho para ver se conseguia encontrá-los na transmissão do jogo contra a França. Imprimi a foto e procurei a mulher por toda a praça, mas ela não estava lá. Estava apenas seus pais e a bebê. Seu nome é Vanesa, sua filha se chama Florencia e sua avó Marcela", explicou o fotógrafo que entregou a foto revelada para a avó da criança.

"Eu disse a ele que sua foto tinha sido vista por muitas pessoas depois que um conhecido colega, Hugo Alconada Mon, a publicou em sua conta no Twitter. Eu tentei perguntar se eu poderia ligar para elas mais tarde, mas eles me disseram que não tinham telefone. Vanesa trabalha como vendedora ambulante. É o segundo Mundial que a família vai junto à mesma praça para acompanhar os jogos."

Mesmo sem dizer nada, Vanesa nessa foto passou uma das mensagens mais lindas e mais marcantes desta Copa: não importa o gênero, a idade, a raça, a classe social – o futebol tem o poder de unir todos em num só grito. O que essa imagem mostra é que a gente pode. Podemos gostar, torcer, vibrar, amamentar. No calor daqueles 90 minutos, estamos todos juntos pelo mesmo objetivo e livres dos preconceitos que nos separam.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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