Argentinas promovem transmissão feminista da Copa com debate de gênero
No mesmo dia em que começou a Copa do Mundo na Rússia – 14 de junho – as mulheres argentinas comemoravam uma vitória fora de campo. Após grande manifestação pelas ruas de Buenos Aires, os deputados do parlamento deram o primeiro passo pela legalização do aborto. Porém, para ser concretizado de vez, o projeto ainda precisa passar pelo Senado.
Da onda verde (denominação dada ao movimento das argentinas que usavam lenços verdes) para os gramados, as mulheres do país vizinho ao Brasil foram além e, a cada jogo disputado pela seleção argentina na Rússia, organizaram encontros feministas para assistirem às partidas de sua seleção e promoverem debates de suma importância para as mulheres na sociedade. O primeiro deles aconteceu justamente no dia 14 de junho, quando a Argentina estreou no torneio contra a Islândia.
Uma das participantes deste evento chamado de "Feminista Mundial" é Laura Corriale, de 27 anos, que é gerente de imprensa e locutora do Club Atlético Huracán. Há quase dois anos e meio, é a voz de Laura que ecoa no estádio do time – o Palácio Ducó – anunciando as escalações das equipes, substituições, normas de segurança e publicidade.
Laura nasceu em Parque Patricios, um bairro da capital argentina onde também está localizado seu time do coração, o Huracán. "Nasci em uma família que gostava muito de futebol. Minha mãe e sua família são muito fanáticos pelo Huracán e eu incorporei essa paixão", contou em entrevista às dibradoras.
Sobre o trabalho que realiza no clube de futebol, a "relatora" – como eles costumam dizer – se diz muito orgulhosa do que faz. "No começo, especialmente quando me denominaram 'a Voz do Estádio', as pessoas ficaram surpresas. Hoje, não só estão acostumados com isso, como me apoiam muito. Eles estão felizes por uma mulher ocupar esse papel. Para mim é um orgulho", afirmou
Como funcionária do clube, Laura relata a presença de outras mulheres trabalhando na instituição. "Eu trabalho como Gerente de Imprensa do Club Atlético Huracán há um ano. Por cerca de dois anos e meio, sou a voz do estádio. Não era frequente que as mulheres desempenhassem esse papel. Atualmente, na comunicação do clube, há três colaboradores que estão fazendo suas primeiras experiências, e eu as ajudo com isso: Lucía Yasinskyj, Celeste Quaranta e Maira Arroyo."
Como participante dos encontros feministas realizados durante os jogos da Argentina na Copa do Mundo, Laura nos contou que uma de suas maiores alegrias foi poder narrar as partidas da Copa do Mundo e soltar o grito de gol durante os jogos. "Uma emoção muito grande. Nunca havia vivido nada assim."
Feminista Mundial
As reuniões do ciclo "Feminista Mundial" acontecem no auditório de um bar chamado La Tribu, localizado no bairro de Almagro, e Laura é a narradora oficial do evento. Durante as transmissões dos jogos em um telão para cerca de 100 pessoas, Laura relata os detalhes do confronto para o público presente.
"Feminista Mundial surgiu como um projeto em resposta a tudo aquilo que não gostamos de escutar na sociedade. Como uma desculpa para desfrutarmos das partidas de futebol – algo que amamos – e tirar essa propriedade do patriarcado que diz que Copa do Mundo é coisa de homem", nos disse Laura
"Durante as transmissões dos jogos, tratamos temas como a lei do aborto, a violência de gênero, o papel e o trabalho das mulheres e dos homens em nosso país e no país rival da Argentina durante o Mundial, sempre em comparativo", afirmou. Ou seja, no primeiro jogo da seleção argentina na Copa do Mundo, as mulheres debateram as diferenças entre seu país e o adversário em questão, que era a Islândia.
De acordo com a publicação argentina Clarín, além de Laura, comandam os encontros outras duas mulheres: Débora que é a comentarista esportiva e Leila que extrai dados sobre questões de gênero e direitos humanos que cercam o encontro, baseando-se em índices argentinos, do país rival em campo e da Rússia, que é o país-sede do Mundial.
Em todo encontro há sempre convidados que debatem temas que fazem parte do futebol, como privatização dos clubes, machismo entre os torcedores e o desempenho feminino nos esportes – tudo isso sempre regado à boa comida e um mate quente. Os debates são gratuitos e podem ser assistidos online nas páginas "Feminista Mundial" pelo Facebook e Instagram. Os encontros seguirão acontecendo enquanto a Argentina for avançando na Copa do Mundo.
As seleções argentinas
Sobre o desempenho de Messi e companhia na Copa do Mundo, Laura é confiante. Enxerga esse torneio como um dos mais disputados, mas acredita que a vitória contra a Nigéria irá impulsionar o desempenho da equipe nos próximos confrontos. Sobre a torcida argentina, Laura opina dizendo que "os fãs têm muita fé, são carinhosos com a seleção. A mídia está fazendo o contrário. Muitas vezes, a mídia de massa é prejudicial".
Sobre as lutas das mulheres argentinas, Laura frisa que os espaços de debates estão surgindo graças às suas reivindicações, marchas e protestos. "É muito difícil, mas a luta está avançando, claramente", afirmou. Entre as figuras femininas que ocupam cargos de liderança na política argentina, Laura destaca a vice-presidente, Gabriela Michetti (que faz parte do Partido Republicano), mas afirma que ela não apoia nenhuma reivindicação feminista.
Quando o assunto é futebol feminino e a imposição da Conmebol exigindo que os clubes tenham equipes femininas para disputarem a Libertadores da América a partir de 2019, a narradora afirmou que a decisão surtiu pouco efeito por ali. "Os clubes fazem um grande esforço para profissionalizar o futebol feminino, mas existe um sistema que não os ajuda em quase nada".
Vale lembrar que a seleção argentina feminina protestou contra a falta de apoio durante a Copa América, realizada em abril deste ano, no Chile. As jogadoras posaram para a foto oficial do torneio com as mãos nos ouvidos, indicando que precisavam ser escutadas. A craque do time e ex-jogadora do Santos Futebol Clube, Sole Jaimes, reforçou o pedido em seu Instagram (imagem acima).
Na ocasião, as jogadoras não aceitaram o fato de não serem convidadas para figurar a campanha de apresentação da camisa oficial da seleção. A adidas, marca que patrocina a equipe, escolheu a modelo Alexia Ortiz para posar para as fotos, sem pensar que ter as jogadoras da seleção estampando a campanha seria mais justo e faria total sentido. Mesmo com o restrito apoio e investimento, as argentinas acabaram o campeonato em terceiro lugar.
Quebrando barreiras e abrindo espaço para as gerações futuras, Laura espera que as diferenças de gênero se acabem o quanto antes. "Seja qual for o trabalho a ser cumprido, espero que ninguém pergunte se é para homem ou mulher."
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