Câmera na mão e banquinho nos pés: o sucesso da repórter do EI na Champions
Tatiana Mantovani é uma das correspondentes internacionais do Esporte Interativo e, nos últimos três anos, cobriu as três finais de Champions League que acabaram com o Real Madrid campeão. No último sábado, após mais um título do time merengue, a repórter caiu nas graças de Marcelo e Casemiro em uma entrevista ao vivo memorável no canal – em que ela quase acabou levando um banho quando o lateral ameaçou derrubar a água da garrafa em seu cabelo.
Talvez o que poucos sabiam até então é que ela tinha um truque para as transmissões. Se no vídeo, Tati aparecia apenas uns 10 cm mais baixa do que Marcelo e Casemiro, na vida real ela tem pelo menos uns 30 cm de diferença para a altura deles. Mas para não "sumir" da tela, a tática que ela adota é simples – e um tanto quanto irreverente: um banquinho.
"Esse banquinho aqui já é tricampeão da Champions", brincou Marcelo durante a entrevista. Esse (o banquinho) é o maior companheiro de aventuras de Tati Mantovani desde que ela se tornou correspondente do Esporte Interativo em Madri, em 2016. À época, em uma das primeiras entrevistas pós-jogo que fez, a repórter de 1,60m "sumiu" diante do "gigante" Fernando Torres, atacante do Atlético de Madri que tem 1,86m.
Tati precisou, então, improvisar. "Na primeira entrevista que fiz com o Fernando Torres, há dois anos, ficou ridículo o enquadramento porque apareceu só a minha cabeça e e quase todo o corpo do Fernando Torres, da cintura pra cima. Aí o pessoal da TV me disse: 'Tati, ou você coloca um salto alto, ou arruma alguma coisa, senão fica muito ruim no quadro"', explicou a repórter às dibradoras.
"Aí eu disse que não gostava de andar de salto e procurei uma alternativa. Fui a um mercadinho de Madri e encontrei um banquinho de criança, desses que elas usam pra escovar os dentes. Só que o banquinho tinha quase 20cm de altura e eu ficaria muito alta. Aí, adaptei e cortei ele na metade. Ele me dá uns 10cm de atura e levo pra todos os lugares. Agora ele já ficou famoso", brincou.
Ficou mesmo e já virou motivo de brincadeiras dos jogadores brasileiros com a repórter, como aconteceu na entrevista após a final do último sábado. Mas foi a competência e a naturalidade dela como profissional que mais chamou a atenção dos craques durante a cobertura das últimas três Champions. "Você faz perguntas normais de futebol. Isso infelizmente está acabando por aí, mas você faz muito bem", disse Marcelo ao final da entrevista.
Se hoje usa o banquinho para "dibrar" a falta de altura, Tati também precisa usar outros artifícios para "dibrar" o assédio e o preconceito que sofre trabalhando sozinha como repórter e câmera na Europa. Ao longo da temporada, é ela quem filma e faz as matérias e relata já ter sofrido muito com torcedores "intrusos" que invadem o quadro para beijá-la ou constrangê-la. Hoje, ela faz parte do movimento #DeixaElaTrabalhar e acredita que essa união das repórteres para chamar a atenção para esse problema pode trazer mudanças efetivas para o futuro.
"No jogo do Atlético de Madri e PSV, os holandeses invadiram o link, foi horrível. Trabalhar sozinha tem suas dificuldades, nisso é bem complicado. Mas é uma coisa que só mudando a mentalidade da sociedade a gente vai conseguir mudar e não é simples. Mas iniciativas como o #DeixaElaTrabalhar, aquele vídeo mostrando o que acontece com a gente, o que a gente lê e o que a gente vive, pode fazer com que algum momento isso mude", afirmou.
Veja a entrevista com Tati Mantovani para as dibradoras:
– Como começou sua relação com o futebol?
Tati Mantovani: Minha relação com o futebol começou desde muito pequena. Sempre gostei muito de jogar, escutar e assistir. Isso vem muito do meu pai porque desde muito pequena ele me botava pra assistir aos jogos com ele e escutar rádio. Eu nem me lembro o primeiro jogo que assisti e como toda essa relação começou porque desde sempre acompanhei futebol. E eu sou de uma cidade no Rio Grande do Sul que se chama Carlos Barbosa e nessa cidade tem um time de futsal muito conhecido e meu pai é um dos fundadores da equipe. Então eu sempre acompanhei o futsal ainda mais de perto. Desde muito pequena meus pais me levavam para o ginásio, a gente acompanhava a equipe nas viagens.
– Como e quando você decidiu ser jornalista esportiva?
Tati: Decidi ser jornalista quando ainda estava no colégio, no segundo grau. Sempre fui muito comunicativa e comecei a fazer o jornal e foi aquela coisa que você começa a se interessar por uma profissão. E a minha trajetória, enquanto estive no Brasil, ela nunca foi com o esporte. Eu fazia geral. Trabalhei por muitos anos na Rádio Gaúcha de Porto Alegre, Jornal do Comércio e em assessoria de imprensa. Então, todos os veículos que passei, nunca trabalhei com esporte. A minha relação com o jornalismo esportivo começou na Europa porque eu tinha na minha cabeça que eu sendo fanática por um time de futebol no Brasil – no caso, o Grêmio – eu não conseguiria ser imparcial. Lá no Sul, a rivalidade é muito forte e eu achava que não conseguiria trabalhar com jornalismo esportivo. E hoje, passado muitos anos daquilo, eu me dou conta essa minha decisão foi errada porque acho que a paixão e o sentimento por algo é o que faz com que o teu trabalho possa fluir e ser ainda melhor. Por isso me arrependo de não ter começado a trabalhar com jornalismo esportivo antes. E com as voltas que a vida dá, eu fui morar na Espanha para estudar e acabei conhecendo meu marido aqui, a gente decidiu morar em Madri e eu dei sorte de começar no mundo esportivo.
Comecei um blog e a fazer matérias, o pessoal do Brasil começou a me chamar pra fazer coisas de Madri e foi bem na época da chegada do Diego Simeone, do crescimento do Atlético de Madri, e comecei a fazer matérias pra revista Placar, com o Neymar, Simeone, algumas coisas com Real Madrid. Na mesma época o Esporte Interativo estava procurando uma pessoa que já estivesse em Madri, eu passei por um processo seletivo e me escolheram. Foi aí que eu comecei a trabalhar diariamente com isso. E é um mundo de onde eu não pretendo mais sair.
– Quais são os desafios de ser mulher no jornalismo esportivo?
Tati: Acho que as mulheres, em qualquer profissão, não só no jornalismo, têm que demonstrar que conseguimos mais do que qualquer homem. Essa desigualdade existe em todas profissões. Quando há uma barreira maior – como é no caso do jornalismo esportivo e em outras profissões que são consideradas masculinas – ela faz com que tu tenha que trabalhar mais ainda. O desafio é diário, o desafio é mostrar que a gente tem a mesma qualidade de informação, a mesma capacidade e que somos iguais, independente de ser homem ou mulher, que somos profissionais.
Acho que o maior desafio hoje é conseguir fazer com que a sociedade entenda que jornalista esportivo não é uma profissão masculina, que é uma profissão de todos, que quem é bom fazendo aquilo, vai fazer aquilo.
Acredito que na nossa geração vai ser difícil mudar a mentalidade, mas se conseguirmos plantar a semente na cabeça das pessoas para que as gerações futuras não passem o que a gente passa é que todo mundo tenha as mesmas oportunidades – independente de ser homem ou mulher – a gente já vai ter conseguido vencer essa luta.
– Como foi a experiência de cobrir a Champions League esse ano?
Tati: Essa é minha terceira final, estou no EI desde março de 2016 e cobrir a Champions League pra quem gosta de futebol é o ponto alto da carreira de qualquer jornalista esportivo. Porque são os melhores jogadores do mundo, os melhores clubes do mundo, na melhor competição do mundo, então é realmente algo muito especial. Estamos vendo a história do futebol acontecer.
No meu caso, por exemplo, esse ano com o Real Madrid, posso ter acompanhado o segundo melhor time da história. Então é muito gratificante acompanhar tudo isso de perto, é emocionante. Sempre digo toda vez que quando a gente está atrás do gol e toca o hino da Champions, a gente tem que parar um pouco e pensar "caramba, eu tô aqui participando de uma transmissão de jogos da Liga dos Campeões". Acho que todo jornalista esportivo tem que trabalhar pra um dia fazer isso porque não tem nada igual.
– Sua entrevista com Marcelo e Casemiro depois do jogo repercutiu bastante. Como foi esse momento?
Tati: Fiquei muito feliz com a repercussão da entrevista porque não foi algo preparado. Eu sou a única jornalista brasileira que acompanha eles quase todos os dias, então eles já me conhecem, já temos uma relação. Eu tenho uma marca que eles já conhecem que é de subir num banquinho na hora da entrevista porque sou muito baixinha. Os jogadores, principalmente os brasileiros que mais entrevisto em Madri, já conhecem meu banquinho. E aí, quando entrevistei o Marcelo e o Casemiro pós jogo da Champions, eles começaram a brincar e surgiu aquilo lá que foi muito natural.
Acho que o trabalho diário que eu faço e por já me conhecerem, eles já se sentem à vontade pra falar comigo. Eles também ficaram muito emocionado de falar com o Zico que estava na transmissão. Fiquei contente com a repercussão positiva, recebi muitas mensagens, até da minha mãe, que disse: "O Marcelo deveria ter jogado a água na sua cabeça".
– Quais são os preconceitos que você enfrenta por trabalhar com isso?
Tati: O maior problema que eu enfrento aqui na Europa são com os torcedores. Eles acham que por você ser mulher e estar sozinha na frente de uma câmera (porque aqui a gente trabalha sozinha, sem o cinegrafista), eles acham que têm o direito de falar qualquer coisa, de entrar no ar e te dar um beijo, essas coisas. Então é com o público que eu enfrento mais preconceito.
Mas acho que com a inciativa do #DeixaElaTrabalhar estamos tentando conscientizar as pessoas de que, independente de ser mulher ou homem, tá todo mundo tentando fazer seu trabalho da melhor forma.
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