Marco Aurélio Cunha: Há quem transmita até golfe, mas não futebol feminino
O Campeonato Brasileiro de futebol feminino começou há uma semana, com as Séries A1 e A2 já encerrando a segunda rodada nesta quinta-feira. Mas provavelmente você ainda não ouviu falar sobre isso, nem sabe onde ou quando os jogos estão acontecendo.
Ao contrário do ano passado, quando a TV Brasil e o SporTV transmitiam regularmente o campeonato, desta vez não há canais mostrando. O problema para isso, alegam os organizadores, foi a perda do patrocínio da Caixa, que viabilizava as transmissões fornecendo o sinal e a estrutura para os interessados. Neste ano, ao que parece, faltam também interessados.
"A transmissão é muito cara pela tecnologia, número de câmeras envolvidas, o quadro móvel, isso custa muito caro por partida, e esse valor era dado pelo patrocínio, dava a oportunidade com a TV Brasil e a SporTV que faziam algumas transmissões. Mas nós perdemos o patrocínio e as TVs não se interessaram em transmitir o futebol feminino por questões financeiras, acredito", explicou às dibradoras Marco Aurélio Cunha, coordenador de futebol feminino da CBF.
"Agora por falta de público (interessado) acho que não pode ser, porque há quem transmita golfe, corrida de automóvel e não passe o futebol feminino. Certamente custos têm, mas presença de interessados, acho que tem muita gente que gostaria de ver o futebol feminino na TV."
Ao contrário do que acontece no futebol masculino, em que as TVs interessadas em transmitir o torneio precisam pagar pelos direitos dele, no futebol feminino, até pela "falta de concorrência", o cenário é diferente.
"Tenho certeza que se alguém quiser transmitir, obviamente nós não cobraríamos o custo de transmissão, porque temos interesse em divulgar o futebol feminino. Se a emissora arcar com esse custo, tecnicamente poderia ser 'de graça' os direitos. O direito de cobrar, existe, agora a necessidade de cobrar eventualmente não, porque basta transmitir que já tá ótimo, dá visibilidade para patrocinadores dos clubes, etc. Mas as TVs têm que ter a boa vontade de transmitir", disse Cunha.
"A divulgação realmente é da mídia, acho que com grandes jogos, com maior debate nos programas de televisão, convidando as atletas para ir participar dessas intermináveis mesas redondas, poderia melhorar bastante. Acho que há muita má vontade em falar do futebol feminino na mídia esportiva brasileira".
Em termos de transmissão, a CBF está tentando viabilizar uma online para disponibilizar os jogos em seu site. Por enquanto, porém, não há confirmação sobre quais serão transmitidos (para quem quiser acompanhar, atualizaremos esses detalhes no twitter das dibradoras).
Divulgação e horários
Mas se por um lado a CBF reclama da falta de visibilidade do futebol feminino na mídia, por outro ela também perde oportunidades de "vender" melhor seu produto quando há visibilidade. Por exemplo, a abertura do Campeonato Brasileiro na Arena Corinthians neste ano foi exibida em rede nacional. Mas em vez de usar essa oportunidade para levar as jogadoras do Brasileiro Feminino e anunciar o início do torneio, que começaria na mesma semana e teria o próprio Corinthians feminino jogando naquela mesma Arena, a CBF optou por fazer um show de sertanejo com cheerleaders dançando.
"Você tem razão quanto a essa possibilidade de enaltecer o futebol feminino aproveitando o início do Brasileiro masculino. Mas não sei se quem é a mantenedora, a Globo, aceitaria essa proposta. Eu acho que a gente pode, sim, no futuro, conciliar esses interesses do feminino com masculino, colocar na abertura do masculino a lembrança do futebol feminino, gostei da ideia, vamos tentar fazer isso no próximo ano. Embora sejam produtos diferentes, tudo é futebol e acho que as meninas merecem essa lembrança", disse Cunha.
Uma outra dificuldade para o futebol feminino atrair mais público são os horários dos jogos. No Campeonato Brasileiro, o padrão para as rodadas é jogar às quartas ou quintas-feiras às 15h, algo que inviabiliza o estádio de ter muita gente na arquibancada.
Mas quando um clube mandante quer mudar esse horário, ele tem a liberdade de pedir alterações para a CBF – como fez o Corinthians, por exemplo, ao colocar a estreia das mulheres na Arena às 17h30, e como costuma fazer o Iranduba, para jogar à noite na Arena da Amazônia.
"Eu sempre peço meus jogos em casa para 20h (21h de Brasília) e na quinta, porque quarta o Flamengo masculino normalmente joga e aí o pessoal daqui gosta de assistir, então tento fazer assim pra não concorrer", explicou Lauro Tentardini, diretor de futebol do Iranduba, que detém o recorde de público do Brasileiro Feminino – mais de 25 mil pessoas na semifinal do torneio em 2017 contra o Santos.
O time das Sereias da Vila, atual campeão, é outro bom exemplo de que da, sim, para atrair um bom público para o futebol feminino. Jogando na Vila Belmiro a final contra o Corinthians, o time santista conseguiu lotar o estádio (público preencheu a capacidade máxima do estádio e ainda teve gente que ficou pra fora).
Neste ano, porém, com os jogos à tarde no meio da semana, o público dificilmente ultrapassa as 1.000 pessoas.
Há alguns clubes que optam por não trocar o horário do jogo para não gastar energia do estádio – times de futebol feminino costumam passar por dificuldades financeiras, então preferem economizar esse gasto.
Mas diante de tudo isso, o que se percebe é que aparentemente falta um pouco de vontade de todos os lados de fazer o futebol feminino acontecer de verdade. O Santos, por exemplo, tem feito um trabalho excelente – no ano passado, fez uma ação muito simples, porém muito admirável para a divulgação das Sereias quando colocou duas jogadoras do time feminino na coletiva de imprensa de David Braz e "obrigou" a imprensa a falar delas também -, mas pode também tentar mandar alguns jogos em horários mais favoráveis ao público na Vila – uma quinta à noite, quando o Santos masculino não jogar, por exemplo?
O próprio Corinthians, que também tem se diferenciado como um clube que dá atenção ao futebol feminino, poderia colocar mais jogos na Arena de Itaquera, dar a oportunidade de mais gente conhecer o estádio – já que para jogos do masculino, o ingresso é bem mais caro -, e promover a equipe delas na casa que é delas também. No primeiro jogo, quase 5 mil pessoas estiveram lá (considerando que a partida aconteceu ás 17h30 de um dia útil e que chegar na Zona Leste esse horário não é fácil, o público foi ótimo – e poderia ser ainda melhor em jogos futuros começando às 20h, talvez?).
O futebol já é paixão nacional – e o feminino não existe aqui para competir com o masculino. Poderia existir espaço (e investimento) para os dois, tanto por parte da mídia, quanto por parte dos clubes e das federações/confederações. Se todo mundo tivesse a mesma vontade de fazer acontecer, dava para ser bem melhor.
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