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Bola ou Boneca? O que um presente de Natal diz sobre meninos e meninas

Renata Mendonça

24/12/2018 09h21

Alice teve sorte e foi incentivada desde cedo pelos pais no esporte (Foto: Arquivo Pessoal)

Uma boneca? Uma barbie? Uma casinha? Uma minicozinha? O que a gente costuma dar de presente para uma menina?

Nessa época de Natal, é comum as famílias trocarem presentes. As crianças fazem seus pedidos para o Papai Noel e também sempre ganham lembrancinhas dos familiares. Mas se você for a uma loja de brinquedos tradicional, vai perceber que há uma divisão já estabelecida como padrão: os brinquedos de menina e os brinquedos de menino.

E há uma grande diferença – além da cor – entre o que é oferecido em geral para um e para outro. Não é só o rosa e o azul. É o carrinho, a bola de futebol, a bola de basquete, o boliche, o taco de beisebol, tudo isso na parte "deles". E para elas é a boneca – que fala, que chora, que faz xixi e ensina a trocar fralda -, a cozinha, o mini-microondas, a mini-geladeira, até mesmo uma mini-tábua de passar roupa (e eu fico imaginando em que lugar do mundo passar roupa pode ser divertido, rs).

São divisões que existem desde que o mundo é mundo, mas é importante que a gente perceba as consequências delas. Não são apenas brinquedos, são formas de dizer para elas e eles o que se espera de cada um para a sociedade. As meninas aprendem desde cedo que seu lugar será na cozinha, cuidando da casa, dos filhos, da família. É interessante até ver isso na forma de diversão – mas quem sabe se os meninos participassem da brincadeira, quando ela se tornasse realidade na vida dos dois, o trabalho poderia ser mais compartilhado?

Quantas vezes você pensou em dar uma bola de presente a uma menina da família? Quantas vezes já fez isso quando o presente era para um menino? Eles ganham uma quando sequer aprenderam a andar. Logo que ficam em pé, já são incentivados a darem os primeiros chutes e a verem na bola uma grande companheira de diversão.

Maria Peck precisava implorar para que os meninos a deixassem jogar na rua; hoje é atleta da Ferroviária, habilidosa e uma das promessas do futebol brasileiro (Foto: dibradoras)

As meninas precisam, muitas vezes, "brigar" para ter acesso a isso. Elas não ganham uma bola em casa, aí precisam pedir e até implorar para os meninos as deixarem chutar, jogar, participar da brincadeira na escola. Precisam insistir para fazer parte. Porque desde cedo, mesmo que indiretamente, começam a entender que aquilo "não é para elas" – se fosse, seria dado, oferecido, como é feito com os meninos.

Pode parecer algo simples, sem importância, mas as estatísticas mostram quão grave são as consequências disso. Por exemplo, cerca de 40% dos meninos começam a praticar algum esporte entre os 6 e 10 anos de idade – enquanto menos de 30% das meninas fazem o mesmo nessa idade (Fonte: Pesquisa do IBGE de 2016).

Até os 17 anos, 53% delas terá desistido do esporte (Fonte: Pesquisa encomendada pela Always para a campanha Tipo Menina) – a maioria faz isso por achar que ali não é lugar para elas. E entre as mulheres acima de 15 anos, 83% (OITENTA E TRÊS PORCENTO) não pratica NENHUM esporte (IBGE).

Uma simples pesquisa no Google evidencia a diferença dos "brinquedos de meninas" (Foto: Reprodução)

São dados alarmantes e que têm alguma origem nessa simples divisão de presentes que fazemos sem perceber. O incentivo que damos naturalmente a eles – e que raramente é oferecido a elas – faz com que os caminhos das mulheres e do esporte raramente se cruzem. Indiretamente e muitas vezes sem nos darmos conta, nós estamos privando as meninas de viverem uma experiência esportiva durante toda a vida porque em nenhum momento nós damos a elas a oportunidade para isso.

Toda menina já ganhou uma boneca de presente. Todo menino já ganhou uma bola. A diferença que isso faz pode ser percebida facilmente quando olhamos para a sociedade: os homens continuam jogando bola na adolescência, juventude e na vida adulta. As mulheres continuam como as principais responsáveis por cuidar dos filhos e da casa em toda a vida.

Essa não é uma realidade fácil de ser mudada. As estatísticas não vão virar do dia para a noite. Mas um simples presente de Natal pode ter um efeito muito maior do que a gente pode imaginar.

Uma mudança no nosso padrão de presentear já pode ter consequências imediatas: pode fazer uma menina se apaixonar pelo futebol, pelo vôlei, pelo basquete, sem nem perceber. Pode fazer com que ela tenha curiosidade de testar outros esportes, o skate, a bicicleta, o tênis… pode fazê-la correr atrás de uma bola no quintal, no parque ou na rua e sentir a liberdade de poder ser quem ela quiser.

Por isso, convidamos a todos a fazerem esse teste – seja neste Natal (se ainda der tempo), num próximo aniversário ou dia das crianças: deem um presente diferente às suas meninas. Uma bola, um skate, uma raquete. Um incentivo esportivo para ela brincar. Esporte traz autoconfiança, disciplina, determinação, foco. Esporte forma caráter. Não vamos deixar mais que as meninas passem uma vida inteira sem sentir isso.

Que no próximo Natal, não exista mais brinquedo de menino ou de menina. Que todo brinquedo seja de criança – e que toda criança possa ser quem ela quiser.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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