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Para além de Neymar, precisamos falar mais sobre Marta

Renata Mendonça

25/07/2018 10h28

Foto: AFP

A Fifa divulgou nesta terça-feira a lista dos 10 indicados ao prêmio de melhor jogador do mundo e das 10 indicadas ao prêmio de melhor jogadorA do mundo. Na dos homens, algo surpreendente: Neymar não foi incluído entre os nomes. Foi a primeira vez desde 2012 que essa lista não teve um nome brasileiro.

Mas na lista de mulheres, por outro lado, foi a 14ª vez que um mesmo nome brasileiro apareceu: Marta Vieira da Silva. Eleita cinco vezes consecutivas a melhor jogadora do mundo, ela é incontestavelmente constante. É quase como se tivéssemos duas certezas na vida: uma sendo a morte, e a outra que a Marta estará na lista de melhores do mundo do ano. E, brincadeiras à parte, é isso que tem acontecido salvo raríssima exceção nos últimos 15 anos – desde 2003, ela só ficou de fora uma vez.

A presença dela ali é tão corriqueira que talvez tenhamos aprendido a tratar como "mais uma", só pra constar. É só subir a nota escrita todo ano com o nome dela e confirmar que, sim, mais uma vez Marta está lá. Só que isso não é pouca bobagem. Não deveria ser. Desde os 17 anos, a craque brasileira já figurava entre as indicadas para o prêmio de melhor do mundo. Aos 20, conquistou esse troféu pela primeira vez – algo que se repetiria nos quatro seguintes consecutivamente.

Então, diante disso, ela não é o "Pelé de saias", muito menos o Neymar do futebol feminino. Com cinco Bolas de Ouro da Fifa (só ela, Cristiano Ronaldo e Messi têm isso no currículo), 14 indicações ao prêmio de melhor do mundo (entre as 3 finalistas em pelo menos 12 delas), não é possível que Marta não se baste. Que ela não baste para nós, que tantas vezes teimamos em falar seu nome sob a batuta de um homem, como se só isso a credenciasse para estar entre os melhores.

E nesta terça aconteceu a mesma coisa. A notícia era "Neymar fora da lista de melhores do mundo da Fifa", e a nota de rodapé: "Marta está entre as melhores pela 14ª vez". Nos vimos falando muito mais de uma ausência do que de uma presença – aliás, de uma quase onipresença, já que ela está sempre ali quando a discussão é sobre as melhores jogadoras do mundo.

Não é que eu não veja importância nessa ausência de Neymar dos indicados ao prêmio. É relevante, sim, falar sobre isso, já que ele é o nosso melhor jogador da atualidade, a grande promessa que se tornou realidade, um craque dentro de campo, um astro fora dele, que figurava entre esses 10 nomes desde 2013. É, de certa forma, surpreendente que ele não esteja na lista e, portanto, é válido o debate a esse respeito.

Entre 2006 e 2010, Marta ganhou o prêmio da Fifa cinco vezes seguidas

Mas o meu ponto é: já que estamos falando tanto de uma ausência inesperada, será que não seria justo também dedicar a mesma atenção para aquela presença esperada, mas que nem por isso é menos digna de comemoração?

Será que não está na hora de falar sobre o feito de Marta, cinco vezes eleita a melhor do mundo, 12 vezes finalista do prêmio, indicada pela 14ª vez, maior artilheira da seleção brasileira (entre homens e mulheres – ela tem 103 gols, enquanto Pelé tem 95), maior artilheira do Brasil na Copa do Mundo ao lado de Ronaldo com 15 gols, etc, etc, etc. Os feitos dela não cabem nesse texto, não cabem nem nas horas de debate esportivo da televisão todos os dias. E definitivamente não cabem nos segundos que foram dedicados à breve menção que se fez do nome dela ao longo desta terça enquanto Neymar era o foco das atenções pelo seu "não-feito".

De novo, não defendo aqui que devemos ignorar os feitos de Neymar, nem parar de vez de falar sobre ele (talvez pudéssemos falar menos sobre o Instagram dele, é verdade). Mas, sim, que está na hora de falarmos mais sobre Marta.

Em alguns dos poucos programas que vi mencionando a indicação dela, ouvi comentários como "é um prêmio que ela conhece bem, ACHO que já ganhou cinco vezes", ou "Marta é sempre indicada, esteve nessa lista por muitas vezes". Pouca precisão de informação. Claro, porque é difícil decorar aquilo sobre o qual a gente nunca fala. A única vez que a maior jogadora de todos os tempos ocupa o noticiário no país que a lançou para o mundo é exatamente essa: quando a Fifa anuncia sua lista de melhores do mundo. E sempre para no "Com Marta, Fifa anuncia lista de melhores do mundo" ou "Sem Marta, Fifa anuncia a lista…"

Pouca gente sabe sequer onde Marta está jogando agora (no Orlando Pride, que até pouco tempo era chamado "time do Kaká"). Já ouvi muitos falando que ela fez sucesso na Suíça – foi na Suécia, onde, segundo amigos da craque brasileira, ela só não é maior que o Rei. Outros dizendo que ela passou Pelé na artilharia da seleção porque disputou muito mais jogos do que ele – mentira, Marta chegou aos 98 gols em seu 100º jogo com a camisa amarela, enquanto o Rei do Futebol somou 95 em 114 partidas.

Foto: AP

Somos o país do futebol, o lugar onde qualquer criança já nasce com uma bola no pé gritando gol. Tivemos o melhor jogador de todos os tempos e, pasme, temos a melhor jogadora também. Mas enquanto até as gerações que ainda nem nasceram já sabem o nome de Pelé e Neymar, quantas vivem aqui e nunca (ou pouco) ouviram falar sobre Marta?

É muito comum ver meninas que começam a jogar bola dizerem que querem ser como Neymar. E usam a camisa com o nome dele, e assistem às suas jogadas querendo um dia fazer igual. E Neymar é mesmo um gênio da bola.

(Foto: Reprodução)

Mas Marta também é. E é importante para as meninas verem que existe alguém que é craque de bola, que faz jogadas geniais, gols inacreditáveis e que, como elas, também É MENINA. Seria uma forma sutil de passar um recado a essas aspirantes a jogadoras: vocês podem. Marta é a prova de que vocês, como meninas ou como mulheres, podem chegar aonde quiserem, aonde sonharem.

E é por isso que precisamos falar mais sobre Marta. Precisamos valorizá-la e mostrar às nossas crianças com orgulho quem ela é, tudo o que ela fez, o que ela representa.

Mais do que "Pelé de Saias" ou o "Neymar do futebol feminino", Marta é Marta – e sua história a faz genial por si só. Deixem Pelé e Neymar reinarem no futebol como gênios que foram e que são. Mas deem à Marta o reconhecimento que merece. A melhor jogadora de todos os tempos é nossa.

(Para votar em Marta como melhor jogadora no prêmio da Fifa, clique aqui)

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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