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Argentinas promovem transmissão feminista da Copa com debate de gênero

Roberta Nina

29/06/2018 09h54

No mesmo dia em que começou a Copa do Mundo na Rússia – 14 de junho – as mulheres argentinas comemoravam uma vitória fora de campo. Após grande manifestação pelas ruas de Buenos Aires, os deputados do parlamento deram o primeiro passo pela legalização do aborto. Porém, para ser concretizado de vez, o projeto ainda precisa passar pelo Senado.

Mulheres argentinas celebram a votação histórica que aprovou a legalização do aborto na Câmara dos Deputados (Foto: AFP PHOTO/EITAN ABRAMOVICH)

Da onda verde (denominação dada ao movimento das argentinas que usavam lenços verdes) para os gramados, as mulheres do país vizinho ao Brasil foram além e, a cada jogo disputado pela seleção argentina na Rússia, organizaram encontros feministas para assistirem às partidas de sua seleção e promoverem debates de suma importância para as mulheres na sociedade. O primeiro deles aconteceu justamente no dia 14 de junho, quando a Argentina estreou no torneio contra a Islândia.

Uma das participantes deste evento chamado de "Feminista Mundial" é Laura Corriale, de 27 anos, que é gerente de imprensa e locutora do Club Atlético Huracán. Há quase dois anos e meio, é a voz de Laura que ecoa no estádio do time – o Palácio Ducó – anunciando as escalações das equipes, substituições, normas de segurança e publicidade.

Laura nasceu em Parque Patricios, um bairro da capital argentina onde também está localizado seu time do coração, o Huracán. "Nasci em uma família que gostava muito de futebol. Minha mãe e sua família são muito fanáticos pelo Huracán e eu incorporei essa paixão", contou em entrevista às dibradoras.

Laura Corriale, a voz do Palácio Ducó, estádio do Huracán (Foto: Plural Notícias)

Sobre o trabalho que realiza no clube de futebol, a "relatora" – como eles costumam dizer – se diz muito orgulhosa do que faz. "No começo, especialmente quando me denominaram 'a Voz do Estádio', as pessoas ficaram surpresas. Hoje, não só estão acostumados com isso, como me apoiam muito. Eles estão felizes por uma mulher ocupar esse papel. Para mim é um orgulho", afirmou

Como funcionária do clube, Laura relata a presença de outras mulheres trabalhando na instituição. "Eu trabalho como Gerente de Imprensa do Club Atlético Huracán há um ano. Por cerca de dois anos e meio, sou a voz do estádio. Não era frequente que as mulheres desempenhassem esse papel. Atualmente, na comunicação do clube, há três colaboradores que estão fazendo suas primeiras experiências, e eu as ajudo com isso: Lucía Yasinskyj, Celeste Quaranta e Maira Arroyo."

Transmissão feminista no Bar La Tribu em Buenos Aires (Foto: Feminista Mundial/Facebook)

Como participante dos encontros feministas realizados durante os jogos da Argentina na Copa do Mundo, Laura nos contou que uma de suas maiores alegrias foi poder narrar as partidas da Copa do Mundo e soltar o grito de gol durante os jogos. "Uma emoção muito grande. Nunca havia vivido nada assim."

Feminista Mundial

As reuniões do ciclo "Feminista Mundial" acontecem no auditório de um bar chamado La Tribu, localizado no bairro de Almagro, e Laura é a narradora oficial do evento. Durante as transmissões dos jogos em um telão para cerca de 100 pessoas, Laura relata os detalhes do confronto para o público presente.

Público do La Tribu durante os jogos da seleção argentina (Foto: Feminista Mundial/Facebook)

"Feminista Mundial surgiu como um projeto em resposta a tudo aquilo que não gostamos de escutar na sociedade. Como uma desculpa para desfrutarmos das partidas de futebol – algo que amamos – e tirar essa propriedade do patriarcado que diz que Copa do Mundo é coisa de homem", nos disse Laura

"Durante as transmissões dos jogos, tratamos temas como a lei do aborto, a violência de gênero, o papel e o trabalho das mulheres e dos homens em nosso país e no país rival da Argentina durante o Mundial, sempre em comparativo", afirmou. Ou seja, no primeiro jogo da seleção argentina na Copa do Mundo, as mulheres debateram as diferenças entre seu país e o adversário em questão, que era a Islândia.

A equipe de narração dos jogos com Laura ao centro (Foto: Feminista Mundial/Facebook)

De acordo com a publicação argentina Clarín, além de Laura, comandam os encontros outras duas mulheres: Débora que é a comentarista esportiva e Leila que extrai dados sobre questões de gênero e direitos humanos que cercam o encontro, baseando-se em índices argentinos, do país rival em campo e da Rússia, que é o país-sede do Mundial.

Em todo encontro há sempre convidados que debatem temas que fazem parte do futebol, como privatização dos clubes, machismo entre os torcedores e o desempenho feminino nos esportes – tudo isso sempre regado à boa comida e um mate quente. Os debates são gratuitos e podem ser assistidos online nas páginas "Feminista Mundial" pelo Facebook e Instagram. Os encontros seguirão acontecendo enquanto a Argentina for avançando na Copa do Mundo.

Laura Corriale (ao centro) durante as transmissões no Bar La Tribu, em Buenos Aires (Foto: Plural Notícias)

As seleções argentinas

Sobre o desempenho de Messi e companhia na Copa do Mundo, Laura é confiante. Enxerga esse torneio como um dos mais disputados, mas acredita que a vitória contra a Nigéria irá impulsionar o desempenho da equipe nos próximos confrontos. Sobre a torcida argentina, Laura opina dizendo que "os fãs têm muita fé, são carinhosos com a seleção. A mídia está fazendo o contrário. Muitas vezes, a mídia de massa é prejudicial".

Sobre as lutas das mulheres argentinas, Laura frisa que os espaços de debates estão surgindo graças às suas reivindicações, marchas e protestos. "É muito difícil, mas a luta está avançando, claramente", afirmou. Entre as figuras femininas que ocupam cargos de liderança na política argentina, Laura destaca a vice-presidente, Gabriela Michetti (que faz parte do Partido Republicano), mas afirma que ela não apoia nenhuma reivindicação feminista.

Decoração feminista no bar argentino (Foto: Feminista Mundial/Facebook)

Quando o assunto é futebol feminino e a imposição da Conmebol exigindo que os clubes tenham equipes femininas para disputarem a Libertadores da América a partir de 2019, a narradora afirmou que a decisão surtiu pouco efeito por ali. "Os clubes fazem um grande esforço para profissionalizar o futebol feminino, mas existe um sistema que não os ajuda em quase nada".

Vale lembrar que a seleção argentina feminina protestou contra a falta de apoio durante a Copa América, realizada em abril deste ano, no Chile. As jogadoras posaram para a foto oficial do torneio com as mãos nos ouvidos, indicando que precisavam ser escutadas. A craque do time e ex-jogadora do Santos Futebol Clube, Sole Jaimes, reforçou o pedido em seu Instagram (imagem acima).

Na ocasião, as jogadoras não aceitaram o fato de não serem convidadas para figurar a campanha de apresentação da camisa oficial da seleção. A adidas, marca que patrocina a equipe, escolheu a modelo Alexia Ortiz para posar para as fotos, sem pensar que ter as jogadoras da seleção estampando a campanha seria mais justo e faria total sentido. Mesmo com o restrito apoio e investimento, as argentinas acabaram o campeonato em terceiro lugar.

Quebrando barreiras e abrindo espaço para as gerações futuras, Laura espera que as diferenças de gênero se acabem o quanto antes. "Seja qual for o trabalho a ser cumprido, espero que ninguém pergunte se é para homem ou mulher."

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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