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Sobreviventes: Em meio à indefinição, o futebol feminino resiste no RN

Renata Mendonça

03/05/2018 10h24

Foto: Júlia Carvalho

*Por Amanda Porfirio e Júlia Carvalho

Todo fanático por futebol que se preze conhece o Cruzeiro e suas duas libertadores, quatro Brasileirões e cinco Copas do Brasil. O time de Minas tem reconhecimento, respeito e um Mineirão à disposição. O que o torcedor talvez não saiba, é que o amor pelas cinco estrelas do time celeste também se estende a 2.427 quilômetros dali com 22 garotas que defendem a camisa do Cruzeiro em Macaíba, município da região metropolitana de Natal, capital do Rio Grande do Norte. As diferenças entre as duas equipes de mesmo nome, no entanto, transcendem a óbvia distância geográfica e a evidente diferença de gênero.

Criado em 1937, desde outubro de 2016 o clube formou um time feminino. A equipe que tem Francisco Menguita da Costa, o "Gaita", como presidente, é amadora, mas conta com uma estrutura profissional, que dispõe de equipe médica completa, além de uma comissão técnica que acompanha o desempenho das atletas. Não diferente de outros clubes amadores do Brasil, o Cruzeiro de Macaíba sofre com a falta de investimento e o atraso do calendário das competições estaduais. A ausência de um calendário fixo tem atrapalhado o planejamento anual da equipe.

De acordo com Júlia Maria Alves, que faz parte da equipe técnica do Cruzeiro, além do calendário, ou da falta dele, a dificuldade de encontrar patrocínio e investimentos externos também se tornaram mais uma algoz. Atualmente, o clube se sustenta com parte da verba recebida pelo time masculino, o que corresponde a três mil reais por mês para pagar materiais, deslocamento das atletas, água e frutas em dias de treino, e demais despesas. "É muito gasto sem uma finalidade específica", desabafa Júlia. Segundo Gaita, as dificuldades de encontrar apoio fazem parte da rotina. "Se é difícil patrocinar o futebol profissional adulto, quem dirá o feminino. Quando fala em feminino, ó… Deus te acuda", relata.

Ainda assim, o clube conseguiu fechar parcerias importantes com entidades públicas e privadas. A prefeitura municipal de Macaíba, o Colégio CEI e a Academia Arena são os atuais patrocinadores do Cruzeiro de Macaíba. Além disso, a empresa 'Ação Camisetas' é a fabricante oficial do material esportivo do time, que pretende apresentar neste mês os novos uniformes. Os investimentos têm sido utilizados pelo clube para otimizar a preparação da equipe em busca do acesso à série A2 do Campeonato Brasileiro Feminino.

Foto: Júlia Carvalho

O problema é que caminho para chegar até lá ainda é longo, e não depende só do clube. Todo o planejamento da equipe está sujeito à divulgação das datas do campeonato potiguar, competição que pode assinar o passaporte para disputar a tão sonhada vaga na elite do futebol nacional. Única equipe a manter as atividades desde o final do campeonato no ano passado, o Cruzeiro aguarda a divulgação da data do início do estadual de 2018, que até o início dessa semana, ainda não tinha uma definição. De acordo com o técnico Bernardes Filho, este é mais um ponto que atrapalha o time. "Nós estamos treinando sem perspectiva, né? Sem saber de data. Sofremos com o calendário sim, porque só tem um campeonato no ano. Depois disso, acabou. As equipes param de treinar. Graças á Deus nós continuamos," avalia.

A Federação Norte-rio-grandense de Futebol só anunciou os preparativos para o Estadual feminino 2018 na última segunda-feira 30/04. As equipes tiveram apenas três dias – até o dia 2 de maio – para realizar inscrição no campeonato. Com a definição dos clubes, a promessa é de que a competição seja realizada ainda este mês. Além da data similar ao ano passado, a possibilidade da competição não contar com as torcidas durante os jogos pode se repetir.

Foto: Júlia Carvalho

Segundo o representante do futebol feminino da FNF, José Marques da Costa Neto, os jogos estão previstos para acontecer no Estádio Juvenal Lamartine, espaço que pertence atualmente à Federação, mas que é alvo na Justiça de uma tentativa de reintegração de posse por parte do Governo do Estado do RN. O JL, como é conhecido, apresenta uma estrutura precária e deteriorada, além de estar com as arquibancadas interditadas pelo Corpo de Bombeiros, o que impede a presença de torcida nas disputas. Quando questionado sobre o local dos jogos, o representante da Federação diz que o campo é adequado.

"A grama é de primeira qualidade, é excelente. O problema lá são as arquibancadas que nós não temos como recuperar para receber torcida". Segundo Costinha, a FNF já está em contato com o ABC Futebol Clube, time local, para transferência dos jogos ao CT de treinamento do Alvinegro, mas até o momento, a expectativa é de que permaneça no Juvenal.

Este ano, as atletas do Cruzeiro de Macaíba também aguardavam um calendário de jogos para a Copa Nordeste. A promessa era de que a competição iria acontecer em fevereiro, mas o torneio foi transferido para abril e, em seguida adiado, novamente. Dessa vez, sem data definida. A expectativa é de que a organização da competição regional seja retomada após o encerramento do Campeonato Brasileiro Feminino.

Foto: Júlia Carvalho

O Cruzeiro terminou o último estadual com retrospecto positivo. Dos oito jogos disputados, o clube perdeu somente um, para o União, que terminou em primeiro lugar no Campeonato. E é justamente pelo bom desempenho que o time urge por atenção. O celeste reinventa sua validade apesar do incentivo absorto. "Vir pra cá pro Cruzeiro é justamente isso… ter aquele 1% de chance. Se um dia der certo, é porque pelo menos eu tentei", diz Fernanda Gabrielle, de 17 anos, e jogadora do clube. "O que me motiva é gostar mesmo de futebol", completa.

Assim como ela, a maior parte das atletas também sonham com o futebol profissional. Esse sonho ganhou força com a exigência da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), que determinou o prazo de 2019 para que todas as equipes da série A do futebol masculino tenham também uma equipe feminina.

O cruzeiro de Macaíba é uma prova de que se o termo Futebol Feminino já sustentou um paradoxo, hoje é sinônimo de resistência. E para Júlia Alves, o empenho é pela modalidade: "A gente está trabalhando pelo Cruzeiro? Tá! Mas a gente luta é pelo futebol feminino no estado".

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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