Como será o futuro da narração feminina pós Copa do Mundo?
A Copa do Mundo da Rússia acabou neste domingo, mas com certeza deixou um legado muito significativo para as mulheres, seja para aquelas que participaram dela torcendo, trabalhando, reportando e, principalmente, narrando.
Ao longo do Mundial, falamos sobre a participação de todas elas: das torcedoras que cada vez mais estão viajando para assistirem futebol, das iranianas que puderam ir ao estádio depois de anos de proibição, das gerentes de seleções que ocuparam cargos significativos no futebol, das jornalistas que trabalharam com maestria na cobertura do maior torneio do mundo e claro, das narradoras, que romperam uma barreira enorme ao soltarem a voz no microfone para milhões de torcedores brasileiros.
E a pergunta que fica agora é: como será o futuro da narração feminina no futebol?
A preparação
O canal Fox Sports inovou nesse quesito e, por meio da do processo seletivo "Narra Quem Sabe", selecionou três mulheres para comporem seu time de narradores na Copa do Mundo.
Sob o comando da experiente jornalista Vanessa Riche, as selecionadas – Isabelly Morais, Manuela Avena e Renata Silveira – soltaram a voz para fazer a transmissão dos jogos da Copa do Mundo da Rússia. As mulheres participaram da narração de 25 jogos na emissora, sendo que nove deles foram feitos por uma equipe 100% feminina (narração + comentários + análises de arbitragem).
A partida de abertura, os jogos do Brasil e a final da Copa contaram com o timbre feminino e muita gente relatou ter deixado de lado as antigas e já conhecidas vozes masculinas durante os meses de junho e julho.
Em entrevista exclusiva às dibradoras, Vanessa Riche, uma das mentoras do projeto dentro do canal, afirmou estar orgulhosa do trabalho realizado. "O Fox Sports me deu toda a infraestrutura para realizar um treinamento único com as narradoras. Isso se refletiu no resultado que foi ao ar. Tivemos transmissões com muita emoção, informação e um olhar mais detalhista. Me sinto orgulhosa de fazer parte de uma transmissão com equipe 100% feminina pela primeira vez em uma Copa do Mundo", contou.
E sim, a narração feita pelas mulheres era repleta de dados complementares – histórico das seleções, estatísticas de jogadores e informações táticas das duas equipes – como também levava ao telespectador informações que revelavam o lado mais humano dos jogadores, das famílias e incitava o debate sobre o papel da mulher na sociedade.
E entre os assuntos relevantes que foram abordados durante as transmissões, um deles chamou a atenção de quem estava ali assistindo a partida entre Brasil e Suíça no dia 17 de junho. Pela voz de Isabelly Morais, foi possível saber que, entre os 11 jogadores titulares da seleção brasileira, sete deles foram criados somente pelas mães, sem contar com a participação dos pais.
A questão – que já havia ganhado destaque nas séries especiais que o jornalista Tino Marcos preparou para o Jornal Nacional antes do início da Copa – virou pauta entre os mais diversos portais de notícias após ser divulgado pelas narradoras da Fox Sports durante o jogo do Brasil. O dado – que não deixa de ser alarmante – reflete a realidade de muitas mulheres que são abandonadas pelos parceiros durante a gravidez ou após o nascimento dos filhos.
Além das informações peculiares que se somaram à narração, as mulheres estudaram por meses os nomes de cada jogador – especialmente aqueles repletos de consoantes e poucas vogais – as cidades-sede de cada partida, incrementaram o vocabulário, praticaram exercícios para melhorar a voz e a pronuncia com a ajuda de uma fonoaudióloga.
"Cada jogo que foi ao ar nós avaliamos com elas e as fonoaudiólogas e a resposta foi muito positiva. Elas cresceram muito ao longo da jornada. Soltaram a voz e a emoção e conseguimos atrair um público variado", revelou Vanessa.
Retorno do público
É claro que por falta de costume, algumas pessoas declararam estranhar a voz feminina durante a transmissão de futebol. E isso é totalmente aceitável, afinal de contas, são anos ouvindo outro timbre e vendo figuras masculinas protagonizando as transmissões.
É importante salientar que o surgimento da narração feminina não anula a narração masculina. Agora, o público terá a chance de escolher o que prefere ouvir e não há nada mais democrático do que o poder da escolha. Vanessa Riche viu com bons olhos a resposta do público. "Recebemos muito mais elogios do que críticas. Fico feliz que as pessoas estejam abertas a essa nova proposta. Li depoimentos muito interessantes de pessoas que assumiram que tinham resistência e ao longo dos jogos gostaram do que assistiram."
O futuro da narração feminina
Sobre a continuidade do trabalho dentro da emissora, Vanessa não garantiu que ocorra, mas acredita que a sequência aconteça naturalmente. "Estávamos focadas em realizar um trabalho de excelência na Copa. O espaço que a Fox já tinha para apresentadoras e repórteres só foi ampliado com a chegada das narradoras e da mesa redonda com mulheres. Ampliamos as discussões sobre futebol além do campo. Vejo com naturalidade a continuidade desse trabalho", afirmou.
Já sabemos que outras emissoras abriram espaço para as mulheres assumirem o posto de narradoras. No Esporte Interativo, a vencedora do processo seletivo "A Narradora Lay's", Vivi Falconi foi contratada em junho para compor o quadro de narradores da emissora (já falamos sobre o assunto aqui).
Na ESPN Brasil, Luciana Mariano também ganhou espaço para narrar. Em março, a jornalista narrou dois jogos da Liga Europa em homenagem ao Dia Internacional da Mulher. Logo após, foi contratada pelo canal por assinatura e já estreou no cargo dando voz à final feminina da Champions League, entre Wolfsburg (ALE) e Lyon (FRA) que aconteceu em Kiev.
Por aqui, fica o nosso desejo e nossa torcida para que a iniciativa continue dentro do Fox Sports e que possa servir de exemplo para outras tantas emissoras – inclusive na TV aberta. Representatividade é muito importante e as mulheres, finalmente, poderão ter exemplos para se inspirarem na narração feminina.
Conheça as narradoras
Pedimos para que Isabelly Morais, Manuela Avena e Renata Silveira nos elencassem os jogos que mais gostaram de narrar, as dificuldades que enfrentaram, os elogios e críticas que mais marcaram e o que esperam após a experiência vivida durante a Copa do Mundo na Rússia:
– Qual a idade e local de nascimento
Isabelly: 20 anos, Itamarandiba (MG)
Manuela: 30 anos, Salvador.
Renata: 28 anos, Rio de Janeiro
– Qual o jogo da Copa que mais gostou de narrrar e porque?
Isabelly: Dois jogos: minha primeira narração em TV, que foi a abertura da Copa (Rússia x Arábia Saudita) e a estreia do Brasil, contra a Suíça
Manuela: Gostei muito do meu primeiro jogo, porque foi de cara um Portugal x Espanha, tido como o melhor jogo da primeira fase, foram seis gols no total, um jogo bem equilibrado e disputado e com um desfecho emocionante. Ainda teve um gol de Cristiano Ronaldo no final, mostrando toda concentração e força dele! Foi um jogo especial para mim.
Renata: Todos foram especiais, mas o melhor até agora foi a semifinal França x Bélgica. Como é jogo mata mata a emoção aumenta.
– Qual foi a maior dificuldade enfrentada durante a cobertura do Mundial?
Isabelly: Não senti muita dificuldade porque já vinha me preparando para a Copa, estudando as seleções. Talvez o maior desafio seja virar tão rápido a chave de um jogo para o outro e passar a vivê-lo para dar a emoção que cada partida demanda.
Manuela: A maior dificuldade foi pronunciar alguns nomes de jogadores de algumas seleções que eram bem complicados. Acabou sendo um desafio decora-los.
Renata: Estou começando nesse meio e a responsabilidade é muito grande. Narrar uma Copa do Mundo é o sonho de todo narrador. E em minha primeira narração na TV já estou tendo essa oportunidade. A maior dificuldade é fazer melhor a cada jogo.
– Alguma critica/elogio te marcou durante esse mês de Mundial? Qual foi e porquê?
Isabelly: Alguns elogios me marcaram, mas os principais são os que falam de emoção. Futebol é paixão, então ouvir de algumas pessoas que passo emoção quando estou narrando é muito bom.
Manuela: Achei interessante algumas mulheres falando que se identificaram com a narração e inclusive com alguns jogadores que não conheciam, passando a torcer por eles e tendo a oportunidade de conhecer as referências das seleções. Alguns nomes citados foram Harry Kane, da Inglaterra, e Isco, da Espanha.
Renata: Me marcou o fato dos elogios serem muito maiores que as críticas. Críticas são sempre bem vindas. Mas os elogios vieram por todas as partes, por homens, mulheres e crianças. Tenho recebido muitas mensagens de apoio nas minhas redes sociais.
– O que espera para sua carreira pós Copa do Mundo?
Isabelly: Espero cada vez mais que tenham portas abertas para mim e para as colegas que mergulham no jornalismo esportivo como eu. Vivo o esporte, respiro essa área e quero seguir nela por toda a minha vida.
Manuela: Com o final da Copa espero continuar fazendo o que gosto, trabalhando com futebol e que possa ver cada vez mais mulheres neste mesmo caminho.
Renata: Me apaixonei pela narração esportiva. Quero continuar trabalhando nessa área e mostrando que outras mulheres podem sonhar com isso também.
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