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Cortes de salários e perdas de patrocínio: o impacto do coronavírus na LBF

Roberta Nina

24/04/2020 04h00

Final da LBF de 2019: Vera Cruz x Sampaio Basquete (Foto: Álvaro Jr)

Se alguns campeonatos foram interrompidos ou encerrados precocemente com a chegada do Coronavírus – como o futebol, o vôlei e provavelmente a NBB -, a Liga de Basquete Feminino (LBF) pode ser a competição menos afetada por conta da pandemia. Isso porque o torneio que teve início no dia 8 de março foi suspenso logo após a rodada inaugural. A previsão de retorno, estabelecida em uma conversa que reuniu os dirigentes dos clubes e representantes da Comissão de Atletas da LBF, é somente para 20 de junho.

Mesmo acreditando na continuação do campeonato no segundo semestre, os efeitos da pandemia já começaram a preocupar os gestores das equipes, como Karla Costa, jogadora e presidente do Vera Cruz/Campinas, vice-campeã da competição nacional em 2019. 

"Tive um corte de 60% do meu repasse e talvez venha mais coisas por aí. Eles (patrocinadores) cortam porque estão apertados, aí jogam pra mim e eu tenho trabalhado com as meninas da forma mais transparente possível: se eu tenho 10, divido 10 com todo mundo. É um momento de atravessarmos isso juntas. Esquece os contratos, esquece a vaidade de quem ganha mais e quem ganha menos. Tem que pensar que precisa estar todo mundo comendo e com saúde pra gente ver o que vai sobrar disso lá na frente", declarou.

A transformação do Vera Cruz/Campinas

Karla é uma das grandes responsáveis pelo desenvolvimento do projeto. Com o fim da parceria entre Corinthians e Americana em 2017, a jogadora e alguns membros da antiga equipe foram atrás de um recomeço. Buscaram apoios, reformaram a quadra e acreditaram que poderiam colher bons frutos. Em dois anos, o clube já chegou em duas finais da LBF e venceu uma delas (2018).

Karla disputou seis edições da LBF e já marcou mais de dois mil pontos pela competição (Foto: Vitor Bett/Blumenau)

Como uma veterana da seleção ajudou a montar time campeão da LBF

Karla assumiu a presidência desde o início do projeto e ainda segue revezando o cargo de atleta com o de gestora. "Vou treinando com as meninas, resolvendo um problema e tô ali. Hoje em dia a LBF não é uma prioridade pra mim, mas nosso elenco tem 10 jogadoras contando comigo. Então, jogos em casa eu preciso estar no banco pra ter essas 10 jogadoras." Atualmente, com 41 anos, Karla é atleta militar (e defende a seleção) e também joga 3×3 pelo Corinthians em etapas aos finais de semana.

Mesmo com toda dedicação para fazer o clube crescer no cenário, a modalidade vive décadas de incertezas e inseguranças. O esporte que já nos deu inúmeras alegrias sofre, até hoje, com os erros de gestão e descaso com o fomento desse esporte. E quem sente isso na pele, é claro, são os clubes e as atletas, que ainda tentam sobreviver com a pouca verba disponível.

"Os clubes têm muita dificuldade financeira. Esse ano, como a LBF cortou parte do aporte, fica muito caro para nós mantermos a equipe jogando a competição, além de todos os custos fixos que a gente (clube) tem. Pra ter uma ideia, um jogo em casa custa cerca de R$ 6 mil reais. Gasto também R$ 3 mil de arbitragem e quando o jogo não é transmitido, eu pago ainda mais R$ 2 mil de transmissão online. Isso sem contar custo de segurança, a presença do mascote, porque eu quero entregar um bom produto, né?", disse Karla.

Ricardo Molina na final da LBF de 2019 com o atual campeão, Sampaio Basquete (Foto: Álvaro Jr)

Ricardo Molina, presidente da LBF (que no momento está licenciado) explicou ao blog que houve uma redução nos custos que a liga arcava nos anos anteriores. Hoje, eles custeiam parte do valor da arbitragem (isso se o profissional for de outro estado e precisar se deslocar até o local do jogo) e arcam com 40% do valor de transporte dos clubes. Além disso, vale lembrar que as equipes finalistas não recebem premiação.

"Houve uma redução esse ano, mas não deixamos de ajudar da melhor forma possível. Nosso orçamento ainda não é suficiente para manter a quantidade de beneficiados. Mas eu sempre defendi que a liga tem que ajudar o máximo possível, mas as equipes não podem também depender só da LBF. Isso é um risco muito grande porque pode acontecer de ter coisas boas em um ano e no outro ter coisas menores", declarou.

Com o corte de patrocínios, Karla se preocupou em agir com transparência com a equipe e tentar estabelecer um piso salarial para que, quem ganhe menos, não seja ainda mais prejudicada. Segundo a dirigente, as atletas reagiram de  forma positiva. "Nesse primeiro corte, fizemos uma redução inicial de 50%. Procuramos trabalhar com os advogados dentro da legalidade e passando tudo via ofício e conversando com elas sobre a nossa realidade. Porque, na verdade, se eu não recebo, eu não tenho de onde tirar."

O time de Campinas conta com o apoio do Hospital Vera Cruz, Pague Menos Supermercado, Sicredi (crédito corporativo) e Senasa (sistema de água da cidade). A folha salarial mensal do clube é de 90 mil (sem incluir custos de logística quando precisam viajar). "O maior salário da minha equipe é de R$ 9 mil reais. Caiu todo mundo 50% e eu mantive um teto, para que a menina que ganha R$ 3 mil, não fique com apenas R$ 1,5 mil."

Basquete x Covid-19

Nesses dias de quarentena, o time de Campinas tem feito acompanhamento para que as atletas sigam cuidando do preparo físico. Karla valoriza a previsão de retorno às quadras definida pelos clubes em parceria com a liga. "É bom porque a gente precisa de um planejamento. Eu tenho que convencer o meu patrocinador a continuar nos dando dinheiro porque existe uma previsão de voltar (o campeonato)."

Atletas adaptam treinos ao ambiente domiciliar (Arquivo pessoal)

Com previsão inicial de terminar no final de agosto, é provável que o campeonato sofra algumas alterações, mas tanto a gestora como o presidente da liga veem essa adaptação com normalidade. "Temos mais 60 dias pela frente. É um bom tempo para se trabalhar. Daria para fazer um campeonato com turno único, com quartas, semi e final, numa boa. Dentro das limitações dá para se fazer, sem esquecer que estamos falando de uma competição nacional, com times em Santa Catarina, Rio de Janeiro e Maranhão. Cada lugar vai viver o seu pico (da pandemia) em algum momento diferente do nosso e tem viagens no meio. Então, precisamos manter a integridade e a saúde das atletas em primeiro lugar", disse Karla.

O futuro

São oito equipes que disputam a LBF neste ano (três a menos do que no ano passado) e cada uma tem sua particularidade. Algumas dependem mais de apoios públicos (como as prefeituras) e isso impacta diretamente na arrecadação de verbas.

"Cada clube está trabalhando individualmente. Tem clube que até agora está trabalhando normalmente, sem corte nenhum. Tem outros que já cortaram mais do que o meu, por exemplo. Diante desse cenário, pode ser também que não tenha LBF esse ano. Tem clube que vive só de Prefeitura, pode ser que não tenha repasse nenhum depois de junho. Se parar pra pensar, acredito que cultura e esporte são as últimas prioridades a serem retomadas. Até porque o esporte já não é prioridade no Brasil", afirmou Karla.

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Dia de #tbt, então que tal relembrar o media day desta temporada?

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Os planos do Vera Cruz Campinas para o ano de 2020 eram promissores. Depois de dois anos na gestão, Karla se via na medida exata "equilibrando o coração com o profissionalismo". "Eu dizia que depois de tomar porrada e aprender, esse ia ser o primeiro ano que íamos conseguir trabalhar sem dever ninguém. A gente tinha conseguido colocar todas as contas em ordem até fevereiro, zeramos tudo e ia começar o ano respirando. Mas não deu", contou.

Com transmissão dos jogos aos domingos pela TV Cultura, esse é o último ano que a LBF conta com a parceria da Caixa Econômica Federal (patrocínio master e que dá o nome ao torneio). Em 2021, a liga precisará buscar um novo apoiador para a modalidade.

Entre erros e acertos, perdas ganhos, os clubes e as ligas seguem buscando apoio para manter o esporte em pé. Assim como também acontece com as pessoas em meio a pandemia. "Estou em um processo de aprendizagem forçada. A vida ensina mais dos que livros, a prática realmente ensina da noite pro dia. E foi assim que, durante esses anos, aprendi. Acertando e errando, mas sempre tentando fazer o melhor", finalizou Karla.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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