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56 a 0: Por que o Flamengo vai colecionar goleadas no Carioca feminino?

Renata Mendonça

04/10/2019 11h46

Foto: Divulgação Flamengo/Marinha

O Campeonato Carioca feminino começou e já rendeu manchetes em todos os principais sites esportivos do país. Uma goleada do Flamengo/Marinha sobre o Greminho por 56 a 0 – a maior da história do torneio e, me arrisco a dizer que a maior da história do futebol brasileiro em competições oficiais – foi noticiada em tudo quanto é lugar. Mas ela não será a única.

Apesar de ser um dos estados mais tradicionais na história do futebol feminino – terra do time mais vitorioso da modalidade, o Radar, e onde Marta estreou nos gramados -, o Rio de Janeiro ficou um pouco para trás no investimento para as mulheres em campo. São poucos os clubes que oferecem estrutura da base até o profissional para elas e, na primeira divisão, só há um representante carioca: o Flamengo/Marinha. Entre os outros grandes, o Vasco sempre teve uma base forte, mas ainda está reestruturando o profissional, o Fluminense fez uma parceria interessante com as Daminhas da Bola e começa a aparecer no cenário, e o Botafogo é o que menos se destaca.

Diante desse cenário, o campeonato Carioca feminino sempre teve poucos clubes e um domínio do Flamengo prevaleceu nos últimos quatro anos. Na parceria com a Marinha, o time que veste a camisa rubro-negra é um dos protagonistas do país no futebol feminino e destoa muito de seus rivais. Essa diferença de estrutura e de profissionalismo tem ficado evidente na edição deste ano que começou no último fim de semana. Nunca antes na história do torneio (que já teve 26 edições) houve tantos clubes participando do Carioca feminino (30). E nunca houve tanta disparidade.

Foto: Divulgação

Com a "explosão" de visibilidade para o futebol feminino neste ano, apareceram mais clubes interessados em participar da competição estadual, organizada pela FERJ. A entidade não restringia a participação apenas a equipes profissionais, mas neste ano, por uma flexibilização das taxas de inscrição, dezenas de times amadores quiseram entrar.

"Nós sempre abríamos a possibilidade de amadores jogarem com os profissionais, já aconteceu isso antes. O que aconteceu neste ano é que houve mais divulgação, menos burocracia e, juntando isso ao fato de o futebol feminino vir numa crescente com a Copa do Mundo, incentivos da Fifa e Conmebol exigindo futebol feminino, tudo isso fez com que aumentasse o interesse dos clubes", explicou às dibradoras o diretor de competições da FERJ, Marcelo Vianna.

A vitória do Flamengo sobre o Greminho por 56 a 0 gerou críticas de muitos especialistas do futebol feminino pelo fato de a FERJ permitir um campeonato com tamanho desnível técnico. Resultados assim poderiam alimentar os comentários depreciativos sobre a modalidade, questionando a qualidade do futebol das mulheres num campeonato em que há goleadas desse nível. Questionado sobre isso, o diretor da FERJ explicou que existe a ideia de fazer duas divisões no Carioca feminino e que essa edição servirá de teste para a competição melhorar no futuro.

Foto: Divulgação

"Equilibrar nível técnico é difícil. Tem clubes na série A do Brasileiro que tem R$700 milhões de receita e outros tem R$35 milhões, então até no masculino é difícil. Nós não tínhamos como fazer duas divisões agora, porque não conhecíamos os times, então não teríamos critério pra fazer. O pensamento inicial é utilizar esse campeonato como uma grande peneira", esclareceu.

"No futuro, tirando como base classificações, tendo elementos pra poder normatizar uma divisão de grupos, não tínhamos elementos pra normatizar. Nesse primeiro momento, a gente entende que tem que abrir. A gente está conhecendo o presente para planejar o futuro. A partir do ano que vem terei banco de dados para fazer as divisões", declarou.

Bom pra quem?

O futebol feminino é uma modalidade em desenvolvimento que sofreu muito ao longo do tempo com proibições, preconceito, falta de estrutura, de campeonatos, de clubes. Então é natural que as coisas não mudem por completo do dia para a noite. É importante que as meninas e mulheres tenham onde jogar e títulos para disputar, mas é preciso sempre pensar na melhor forma de fazer isso para evoluir sempre.

Um Campeonato Carioca com 30 equipes chama a atenção pelo volume e multiplica a quantidade de jogos para as atletas. Mas será que dá para tirar algo de um jogo que termina 56 a 0

Foto: Divulgação Flamengo/Marinha

"Colocar 30 clubes é algo inédito e é importante, é legal para fomentar o futebol feminino. Nesse ponto acho legal. Mas em relação aos times serem amadores, nós vamos ter problemas. Não tem motivação nenhuma para minha equipe ganhar um jogo desses. Não é um sistema competitivo, meu time não ganha com isso. A gente tem que dar treino no dia seguinte porque o time fica destreinado. Mas o futebol feminino precisa crescer. Foi uma forma de criar. Pro ano que vem, vai melhorar", disse às dibradoras o técnico do Flamengo, Ricardo Abrantes.

"Acho que temos que ver em que ponto a gente quer chegar. Quanto mais gente pratica, mais atleta a gente vai ter daqui a anos. É um trabalho a longo prazo", completou.

Com adversários que vieram da Taça das Favelas, de projetos sociais e de escolinhas de futebol para meninas no Rio de Janeiro, o Carioca feminino traz os dois extremos da realidade do futebol feminino: o profissional, que tem um trabalho físico, técnico e tático forte e muita cobrança por resultados (como acontece principalmente no Flamengo/Marinha), e o amador, que surge como uma oportunidade para meninas que sonham em jogar bola e não encontravam espaço para isso. Ali não tem acompanhamento físico, aplicação tática, etc – até tem um ou outro treino por semana na praça mesmo (caso do Greminho), mas a dedicação das jogadoras não é exclusiva ao futebol e isso, claro, impacta no desempenho delas em campo.

A gente não lembra, mas coisas assim já aconteceram também no futebol masculino. No Campeonato Carioca de 1909, o Botafogo goleou a Mangueira por 28 a 0, naquela que era a maior goleada da história até a chuva de gols do Flamengo sobre o Greminho. E não dá para dizer que esse jogo não trouxe aprendizado para os dois lados.

"A postura do Greminho foi brilhante. Qualquer outro time de primeira divisão não ia ter uma postura daquelas. Ia partir pra pontapé, não tenha dúvida. Acho que pela admiração que elas têm pelas meninas, virou algo festivo, elas tiraram fotos depois. Nós já fizemos o convite para o time todo vir passar um dia conosco, fazer um treino e ver como é a realidade de um time profissional", contou Abrantes.

O ponto mais positivo sobre esse jogo foi a discussão que ele suscitou sobre a importância do desenvolvimento do futebol feminino. As goleadas ainda vão existir, mas é o trabalho sério dos clubes e federações que poderá diminuir o desnível técnico e fazer a modalidade evoluir.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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