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Como Pia Sundhage pretende levar seleção feminina ao topo

Renata Mendonça

02/09/2019 10h51

Foto: Mauro Horita /CBF

Em sua primeira reunião com a seleção brasileira, Pia Sundhage pensou qual seria a melhor maneira de prender a atenção das jogadoras mesmo sem falar a língua delas. É costume da sueca traçar estratégias para um primeiro dia de trabalho, talvez seguindo aquela máxima de que "a primeira impressão é a que fica" – e ela não quer, de maneira alguma, desperdiçar essa primeira impressão.

Na sala do hotel onde as atletas brasileiras se apresentaram, Pia começou com uma canção sueca. É claro que ninguém entendia o que ela estava cantando, mas aquilo despertou curiosidade. Depois, a treinadora puxou uma caneta e começou a escrever no papel frases em português. "Jogue com o seu melhor pé"; "Trazer o melhor desempenho"; "Uns aos outros"; essas foram algumas das coisas que ela escreveu, enquanto as jogadoras olhavam atentamente o quadro. Depois, a sueca entregou cada um dos papéis (eram cinco) a grupos de jogadoras e fez questão de incluir todas  na conversa.

"Comecei a cantar uma canção sueca. Uma música sobre prestar atenção uns nos outros. Aí comecei a escrever palavras em português e fui distribuindo para elas. Eu queria incluir todas. E queria passar a mensagem que dizia a música: 'eu não estou sozinha, tem pessoas ao meu redor'. Foi interessante que depois elas vieram falar: 'boa aquela música que você cantou"', relatou a treinadora.

Cada seleção que Pia treinou teve um início diferente. É característica da técnica observar cada lugar que está indo e pensar em como agir com aquele grupo diferente de pessoas. É assim que ela entende que poderá tirar o melhor de cada uma.

 

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"Nós temos grandes jogadoras aqui, eu acho importante olhar ao redor e ver quem eu tenho perto. Não vou treinar o Brasil da mesma forma que treinei a Suécia ou os Estados Unidos. Treinar um time é sempre sobre relacionamento e performance. Eu não sei ainda como tenho que falar com Debinha para tirar o melhor dela. Ou com Formiga. Tenho que ter coragem de ter paciência para entender tudo isso", afirmou.

Foto: Mauro Horita / CBF

Pia esteve com a seleção brasileira apenas por uma semana até aqui, mas já foi possível notar nas falas de algumas jogadoras que o grupo está empolgado com a presença dela. "Sua paixão pelo futebol é contagiosa", essa é uma frase que a sueca ouviu há alguns anos e que levou para o seu dia a dia. Se suas atletas puderem sentir essa paixão, então todas estarão alinhadas no mesmo objetivo.

Aqui, elencamos alguns elementos e características de Pia para fazer o Brasil chegar ao topo do futebol feminino.

– Organização sueca e coragem americana

Pia Sundhage foi bem-sucedida em todas as seleções pelas quais passou. Nos Estados Unidos, foi a primeira técnica estrangeira a comandar a equipe e conquistou o bicampeonato olímpico em 2008 e 2012. Na Suécia, surpreendeu o mundo chegando à final olímpica em 2016 eliminando Estados Unidos e Brasil nas quartas e semifinal e ficando com a medalha de prata. De cada um desses trabalhos, ela tira uma lição que quer aplicar na seleção brasileira.

"Eu venho com a cultura sueca de organização e trabalho em equipe, acho que somos muito bons nisso. Times precisam ser organizados pra todo mundo saber o que tem que fazer. Já as americanas, elas têm menos aplicação tática, mas têm iniciativa de mudar a característica de um jogo quando entendem que é necessário. Elas têm coragem para quebrar a regra e fazer o que tem que fazer, algo diferente para surpreender o adversário", explicou a treinadora.

Foto: Mauro Horita/CBF

"O Brasil é um time muito técnico, coisa que eu nunca vi igual. No primeiro treino, eu fiquei muito impressionada em um exercício simples com a técnica delas. Mas quando tentamos colocar um pouco de estrutura de jogo no exercício, já não sobressaiu tanto essa técnica. Quando elas fazem o que querem, são as melhores do mundo. Quando jogam em um time, aí ainda precisamos adicionar uma organização melhor", pontuou a sueca. "Se você juntar isso com a técnica de vocês, esse time poderá ser muito vitorioso". 

Esses conceitos já começaram a ser passados para as jogadoras ao longo da semana de treinos e, alguns deles, já ficaram visíveis no primeiro jogo da seleção contra a Argentina. Pelo discurso das atletas na saída do torneio, elas compraram a ideia da treinadora e acreditam que ela pode adicionar o que falta para fazer a seleção vitoriosa nos próximos anos.

"Nós recebemos muitos elogios da Pia. Ela acha que acertando algumas coisas na parte ofensiva e na organização defensiva, a gente pode ser imbatível, foi essa a palavra que ela usou. E é muito legal ouvir isso de uma pessoa que trabalhou com as melhores do mundo, dar esse feedback de que a gente está no caminho certo", afirmou a goleira Aline Reis.

– 'Dar o seu melhor'

Essa é uma frase que Pia fala muito para suas jogadoras. Ela entende que seu maior objetivo como técnica é fazer com que todas as atletas deem o seu melhor em campo – e as vitórias serão uma consequência disso.

Essa foi, inclusive, uma das coisas que a sueca escreveu no quadro no primeiro dia: "trazer a melhor performance". Isso implica que todas as jogadoras devem jogar seu melhor futebol para conseguir o objetivo. Um dos questionamentos que Pia já fez para suas atletas é justamente esse: "Você acha que esse é o melhor que você pode fazer pra ganhar uma medalha?".

Foto: Mauro Horita/CBF

E às vezes o seu melhor não será o ouro, será a prata. Como ela disse que viu acontecer na final olímpica em 2016. "A Alemanha era melhor e jogou melhor, então mereceu conquistar o ouro. Você não pode fazer mais do que o seu melhor e, naquele dia, aquele foi o nosso melhor", afirmou.

– Construir um time

Parece óbvio, mas esse conceito também traz um diferencial considerando a maneira como a seleção brasileira jogou nos últimos anos. Sempre trazendo muitos talentos individuais diferenciados, o Brasil muitas vezes dependeu dos lampejos de genialidade das craques para conseguir fazer bons jogos. O comportamento em campo não era de um time, de um jogo coletivo, e ficava refém da individualidade de seus talentos.

Foto: Mauro Horita/CBF

Esse é um dos pontos mais trabalhados por Pia, ainda mais na insistência de repórteres em questionarem a treinadora sobre a falta que Marta ou Cristiane fazem em campo. "Marta é muito importante. Mas ela não vai ganhar nada sozinha. Ela precisa de um time", reforça.

A sueca conta situações que vivenciou em outras seleções quando via muito o individual sobressair sobre o todo. As jogadoras olhando para si mesmas e tentando ao máximo melhorar sua própria performance. E é aí que ela questiona: "As atletas muitas vezes pensam como podem ser melhores para si mesmas. Mas eu pergunto: olhe para a jogadora da sua direita e para a jogadora da sua esquerda. O que você pode fazer para ser melhor para ela. Você precisa olhar para o lado para ser melhor para o time", observou.

São detalhes assim que formam um time vencedor para Pia. Se ela precisa também de um pouco de sorte? "Acho que você cria sua própria sorte", finalizou.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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