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Como o Google vai contar as histórias desconhecidas das mulheres no futebol

Renata Mendonça

24/05/2019 04h00

Acervo de notícia do Museu do Futebol, em São Paulo (Foto: Roberta Nina/dibradoras)

Nos últimos anos, tem se falado mais do futebol feminino, principalmente após o surgimento de Marta, a jogadora que venceu seis vezes o prêmio de melhor do mundo da Fifa. Mas há uma história muito além dela. Os primeiros registros de mulheres jogando futebol no Brasil datam das primeiras décadas do século XX. Oficialmente, a primeira seleção feminina foi formada em 1988 para o Mundial experimental da Fifa. Mas há um capítulo bem importante dessa história que vem ainda antes disso e foi determinante para o que aconteceu em diante.

Um decreto-lei proibiu as mulheres de jogar futebol por quatro décadas no Brasil. Foi um período em que elas não deixaram a bola de vez, mas ao menos não podiam disputar jogos oficiais e campeonatos. Tempos tão obscuros do futebol feminino que, até hoje, pouquíssimo se sabe sobre eles. A situação é tão grave que não dá nem para pesquisar no Google. Ao menos por enquanto.

Nesta sexta-feira, o maior site de buscas do mundo lança uma plataforma para contar essa história. Se os registros oficiais são escassos, a ideia é justamente reunir o que se tem guardado desses capítulos esquecidos do futebol feminino no Brasil. No sistema criado pelo Google, chamado "Museu do Impedimento", qualquer pessoa poderá enviar arquivos de texto, áudio, vídeo ou imagens com pedaços da história de proibição do futebol para mulheres. Por meio de um clique – e preenchendo alguns campos de informações -, as pessoas poderão contribuir com a construção dessa "linha do tempo" do futebol feminino no Brasil, que ainda é tão pouco conhecida e explorada.

Acervo Museu do Futebol (Foto: Roberta Nina/dibradoras)

O site foi lançado nesta sexta-feira praticamente em branco em inglês e português e gradualmente preenchido com as histórias, conforme as pessoas forem contribuindo. Isso pode ser feito até 23 de junho. A partir do dia 24, em uma segunda fase do projeto, o material vai entrar também na galeria da plataforma do Google Arts & Culture, com uma exposição virtual sobre o tema.

Apenas alguns itens dessa história já foram incluídos na plataforma, como o próprio decreto-lei número 3.199 de 14 de abril de 1941, que dizia: "Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país."

Além disso, o site trará também um pouco das histórias da primeira árbitra de futebol oficial da Fifa, Lea Campos, e também da ex-jogadora da seleção brasileira, uma das pioneiras do nosso futebol, Michael Jackson.

"Eu fiquei muito feliz de ver que estão levantando essa bandeira. Isso não tem preço. É uma coisa importantíssima, porque a nossa história vai ser realmente esclarecida, contada. Muita coisa do futebol feminino ninguém sabe, só nós que passamos por isso, que vivemos isso", afirmou a ex-atleta em entrevista às dibradoras.

Foto: Acervo Museu do Impedimento

"Talvez conhecendo essa história, as pessoas vão conseguir entender por que o Brasil não tem nenhuma medalha de ouro em Mundial ou Olimpíada. Porque ficou 40 anos impedido. Todos têm que ter esse conhecimento."

O material que for enviado pela plataforma do Google terá uma curadoria de uma equipe do Museu do Futebol de São Paulo, que desde 2015 busca reescrever a história do futebol feminino com os poucos registros que se têm dele. Há quatro anos, antes da Copa do Mundo do Canadá,  houve o lançamento da exposição "Visibilidade para o Futebol Feminino", que trouxe um pouco de luz a um passado tão desconhecido.

"Nas ocorrências policiais do jornal, encontramos muitas histórias de mulheres que foram perseguidas pela polícia, jogos que foram interrompidos, crises que tinham entre a paróquia da cidade e as mulheres que jogavam", contou a pesquisadora e mestranda da FGV Aira Bonfim em entrevista às dibradoras em outubro de 2018.

Léa Campos foi a primeira árbitra da Fifa (Foto: Acervo Museu do Impedimento)

"Proibir institucionalmente uma prática esportiva não só gerou atrasos e retrocessos no desenvolvimento da modalidade no âmbito das competições esportivas nacionais e internacionais e organização de bases e calendários, mas comprometeu culturalmente e simbolicamente o acesso de gerações de mulheres a esses esportes uma vez eram considerados impróprios e 'masculinizantes', reforçou Aira.

A proibição do futebol feminino gerou décadas de atraso e reforçou um preconceito que já era evidente na sociedade. Foram necessários muitos anos para que as mulheres pudessem conquistar seu direito de jogar, construindo uma trajetória de luta e vitórias. A ideia do Google é fazer com que mais e mais pessoas conheçam essa história que não está registrada em livros ou enciclopédias por aí.

Para colaborar com esse acervo digital, é só entrar em museudoimpedimento.com e enviar seu depoimento ou arquivo.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

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