Topo

Dibradoras

Assédio e agressão a mulher no estádio: como mudar essa realidade?

Roberta Nina

05/04/2019 11h14

(Foto: André Ávila Agência RBS)

Não foi a primeira, nem será, infelizmente, a última vez que mulheres sofrem assédio e violência nos estádios de futebol. Nesta semana, o Beira-Rio, em Porto Alegre foi palco de duas situações horrorosas envolvendo agressão e assédio a duas mulheres, uma torcedora e uma repórter, respectivamente.

Durante o jogo contra o River Plate, em partida válida pela Copa Libertadores da América, o estádio do Internacional estava lotado. Mais de 47 mil pessoas estavam presentes e uma torcedora colorada foi agredida violentamente e fisicamente nas arquibancadas.

No relato do portal Gaúcha ZH, apurado pela jornalista Renata de Medeiros (que também já foi vítima de agressões no Beira-Rio) a torcedora – que estava acompanhada de uma amiga e de seu pai – buscava um assento disponível para se acomodar na arquibancada superior, mas não encontrava. Elas se aproximaram de uma aglomeração de torcedores e, em meio a cerca de cinco pessoas, as garotas começaram a ser insultadas. "Vadias", era o xingamento que ouviam dos homens ali do setor.

Ao ver a confusão acontecendo, um segurança se afastou das garotas e pediu para que elas se retirassem do local porque muita gente estava reclamando – ou seja, as próprias vítimas estavam sendo culpadas pelo tumulto no espaço. As garotas argumentaram que não tinham para onde ir e não havia como se acomodar com o estádio lotado daquela maneira.

Em meio a tudo isso, um torcedor que estava acomodado em um local bem acima onde estavam as garotas, saiu de seu lugar, pediu para uma das garotas "sair da frente dele" e assim, de maneira gratuita, deu um soco na garota, na região entre o ombro e o peito e voltou tranquilamente ao seu lugar de origem.

Imediatamente, as torcedoras procuraram os seguranças do estádio para que o agressor fosse encaminhado ao Juizado do Torcedor, que funciona como um posto de atendimento de denúncias dentro do Beira-Rio. Lá, ele aceitou cumprir a pena e terá de se afastar por oito jogos do estádio colorado, apresentando-se em uma delegacia de polícia nos próximos duelos do Inter.

Outra situação foi enfrentada por Laura Gross, repórter da Rádio Guaíba que estava no mesmo jogo a trabalho e foi assediada por duas vezes por um rapaz, uma hora antes do início da partida.

Na quinta-feira pela manhã, pós jogo, Laura usou as redes sociais para relatar o assédio enfrentado durante o exercício de sua profissão. "Por volta das 18h20 um torcedor que disse ser de São Miguel do Oeste tentou me beijar DUAS vezes. não, não foi nenhuma e nem uma… foram DUAS. Ele estava acompanhado de outro 'amigo'. Eu senti que estavam bêbados, dava muito bem para perceber. Começaram me dizendo que queriam dar entrevista pq eu era uma repórter MUITO LINDA. 'Não podemos ir embora sem aproveitar, né?' Tentei de início, ouvi-los e não ser arrogante nem demonstrar medo. Mas depois que um deles veio em minha direção, segurou minha cabeça e tentou me dar um beijo a força eu percebi que perdemos. Perdemos como seres humanos, humanidade, como sociedade", relatou em sua conta pessoal no Twitter. 

Depois do caso vir a público, o presidente do Inter, Marcelo Medeiros, lamentou o ocorrido com a jornalista e informou que o clube identificou o torcedor que a assediou. Também pela rede social, Laura disse que recebeu informações de que o mesmo rapaz assediou outras três mulheres além dela.

Como mudar essa realidade?

É claro que situações como estas – e tantas outras – precisam ser apuradas e punidas com rigor e rapidez. A vítima não pode conviver com essa agressão sem respaldo dos órgãos competentes e o acusado precisa entender que o que ele não fez não se trata de "brincadeira" ou de um "elogio", e que seja passível apenas de um pedido de desculpas.

Casos deste tipo acontecem aos montes e poucos são de conhecimento público e passíveis de denúncia. Os clubes, Federações e Confederações precisam, urgentemente, se unir para implantar postos de denúncias nos estádios e prestar apoio às vítimas.

Mais do que correções e afastamento de jogos, as providências têm de ser mais rigorosas para que as vítimas se sintam mais protegidas e amparadas e, para que os acusados se conscientizem que o que fizeram é, sim, uma violência e nunca mais tenham esse tipo de comportamento.

Não é nada fácil ir a um jogo de futebol para torcer ou trabalhar e voltar para a casa sentindo que foi humilhada e abusada. Punição de oito jogos é incomparável ao trauma que uma mulher que sofre abuso, assédio ou violência carrega ao longo da vida. image.gif

Como denunciar?

Em levantamento feito em março pelo portal Gaúcha ZH, o veículo apurou que 11 denúncias de violência contra mulher foram registradas no Juizado do Torcedor no último ano, em Porto Alegre.

Tanto o Beira-Rio como a Arena do Grêmio contam com o Juizado do Torcedor dentro do estádio. O órgão tem como objetivo receber as denúncias e aplicar a punição no mesmo dia do jogo. Para isso, em situações de violência ou assédio, é preciso procurar a Brigada Militar para que eles possam identificar o agressor e encaminhá-lo para a delegacia. Ali, é preciso realizar um boletim de ocorrência relatando o ocorrido. Se estiver acompanhado de uma testemunha é ainda melhor.

Depois do registro, o Juizado do Torcedor poderá promover uma audiência preliminar com a vítima e o acusado. Neste momento, a vítima decide se topa fazer um acordo e aceitar o pedido de desculpas ou se prefere levar a situação adiante na Justiça.

Se topar o acordo, o Ministério Público irá propor uma pena ao acusado e a mais comum delas é impor o afastamento do estádio por um determinado número de jogos. Caso prefira seguir com a denúncia, a vítima pode abrir um processo penal e, com isso, o caso tem nova audiência com audição de testemunhas, coleta de provas e, posteriormente, julgamento. O resultado da sentença leva um bom tempo para ser definido.

A presença de um Juizado do Torcedor (como acontece no Sul) dentro dos estádios é mais do que importante e isso deveria ser aplicado em todos os estádios do país, afinal, enquanto relatamos esses dois casos que aconteceram no mesmo dia e no mesmo local, outros tantos podem estar acontecendo em estádios do Norte, Nordeste, Sudeste e etc…

A pena para violência e assédio contra a mulher nos estádios precisa ser maior e mais corretiva do que apenas suspender o torcedor por alguns jogos. Esse tipo de punição não passa nem perto do constrangimento, do trauma ou da dor que uma mulher é submetida.

Sobre as autoras

Angélica Souza é publicitária, de bem com a vida e tem um senso de humor que, na maioria das vezes, faz as pessoas rirem. Alucinada por futebol - daquelas que não pode ver uma bola que já sai chutando - sabe da importância e responsabilidade de ser uma mulher com essa paixão. Nas costas, gosta da 10, e no peito, o coração é verde e branco e bate lá na Turiassú. Renata Mendonça é apaixonada por esporte desde que se conhece por gente. Foi em um ~dibre desses da vida que conseguiu unir trabalho e paixão sendo jornalista esportiva. Hoje, sua luta é para que mais mulheres consigam ocupar esse espaço. Roberta Nina é aquariana por essência, são-paulina por escolha e jornalista de formação. Tem por vocação dar voz às mulheres no esporte.

Sobre o blog

Futebol não é coisa de mulher. Rugby? Vocês não têm força para jogar... Lugar de mulher é na cozinha, não no campo, na quadra, na arquibancada. Já ouviu isso muitas vezes, né?! Mas o ~dibradoras surgiu para provar justamente o contrário. Mulher pode gostar, entender e praticar o esporte que quiser. E quem achar que não, a gente ~dibra ;)

Dibradoras